Friday, May 17, 2013

A INFINITA ILUSÃO DAS SOMBRAS CHINESAS



Rui Peralta, Luanda

I - A qualidade do ar em Pequim atingiu níveis alarmantes. Algumas medições efectuadas na capital chinesa registaram o nível 755, numa escala cuja tolerância máxima é de 500. É frequente a cidade estar envolta numa neblina espessa, causada pelo caos desenvolvimentista que se apoderou da nova elite chinesa. Voos adiados, autoestradas encerradas, aulas escolares suspensas, são frequentes e constantes, consequências da névoa de poluição que envolve Pequim. As admissões nos hospitais aumentaram de forma drástica, assim como os casos de infecções respiratórias.

Mas os problemas da qualidade do ar não se limitam a Pequim. Um estudo efectuado em 2010 (ver http://www.christianpost.com/news/airpocalypse-in-china-air-pollution-blamed-for-1-2-million-deaths-in-asia-93135/) revela que a contaminação do ar é responsável por mil e duzentos milhões de mortes prematuras em todo o país. A poluição do ar, no entanto, é apenas a ponta visível do icebergue. Metade da superfície aquática está de tal forma contaminada que já nem pode ser tratada para se tornar potável, ao ponto de metade desta água inutilizável nem sequer ter aplicação industrial.

70% dos rios e lagos chineses recebem águas residuais directas e toxinas industriais não tratadas. As taxas de cancro sobem de forma assustadora e a desertificação, provocada por prácticas agrícolas que destroem os ecossistemas circundantes, avança inexoravelmente, ano após ano.

II - O mal-estar sentido pela população chinesa com esta situação tem levado a manifestações, inicialmente pacíficas, mas cada vez mais turbulentas e causadoras de choques violentos entre manifestantes e policia. Embora o foco da contestação á política anti-ambiental do governo chines esteja em Pequim, as manifestações e os protestos atingiram já uma escala nacional.

Entre 1978 e 2008 a economia chinesa deixou o resto do mundo para trás (para comparação o PIB real chines multiplicou-se por dez, neste período, enquanto o dos USA por três). Mas o crescimento económico chinês não corrigiu os erros ocorridos nos processos de industrialização históricos, das outras economias mundiais. Pelo contrário, fez uma cópia de tudo o que não deve ser feito num processo de desenvolvimento e não levou em conta os paradigmas ambientais. O crescimento chinês é, assim, afectado por um elevado custo ambiental e de saúde pública, se atendermos às enfermidades pulmonares, cancros e distúrbios de diversa ordem.

São estes os custos do desenvolvimento? Óbvio que não! Esses são os custos do subdesenvolvimento. A China prossegue uma política de emergência, atropelando tudo e todos á sua frente (a começar por si própria e pela sua população). A elite criada pela revolução chinesa não olha a meios para atingir os seus objectivos. O Partido Comunista da China (PCCh) transformou-se num novo KMT (Kuomitang, Partido Nacionalista Chinês, profundamente contra-revolucionário e que barricou-se em Taiwan, após a tomada do poder pelo PCCh), com a agravante de adicionar a ideologia caduca das velhas elites chinesas (mandarinato e burocracia estatal, latifundiários, mafiosos e sectores mais retrógrados da burguesia comercial, industrial e financeira chinesa), o confucionismo, ao estranho caldo ideológico criado pela revolução chinesa (o maoismo), o que resulta numa caldeirada xenófoba, profundamente hegemonista e crente fervorosa do mercado e da política do funil (o largo para eles e o estreito para os outros).

Este é o motivo maior pela qual a China segue uma política emergente, de custos ambientais onerosos e destruidora de recursos naturais e humanos. Mas mais grave ainda é o facto desta politica estar a ser exportada para o continente africano, um continente ambientalmente degradado (desde a época pré-colonial, com a decadência das sociedades bantos, durante a época colonial, com os genocídios, a escravatura e as práticas predatórias de recursos dos colonos e no pós-independência, com as politicas degradantes dos regimes neocolonialistas, que perduram até hoje em grande parte do continente, actualmente sob a capa do afro-capitalismo), que irá servir, simultaneamente, de armazém de recursos e de banco de ensaio dos novos senhores de Pequim.

III - O novo mandarinato de Pequim, os representantes políticos do capitalismo BRICS na China, partem de um pressuposto errado. Assume como real uma teoria que pretende estabelecer uma relação teórica entre investimento e contaminação e que assegura que o problema é temporal e que se resolverá por si próprio (sempre este retomar do velho paradigma liberal do Laissez faire, laissez passer). Esta teoria é explicada pela Curva de Kuznets, ou Curva do meio ambiente (CMK), que traduz uma suposta relação entre poluição e investimento, através de um U invertido.

Antes do desenvolvimento, segundo os crentes da CMK, os níveis de poluição são baixos, aumentando com o incremento da actividade económica, até atingir um ponto de inflexão, atingindo o pico e começando a diminuir, sem estar dependente do investimento e do aumento da actividade económica, á medida que a população enriquece, o que permite um melhor meio ambiente. Ou seja os danos ecológicos, a degradação do meio ambiente são o preço que os pobres pagam pelo seu desenvolvimento, como se os pobres não vivessem já na degradação ambiental e a sua vivência de miséria não estivesse intimamente ligada, como causa e consequência, á degradação ecológica.

A CMK conclui, de forma absurda, que as alterações climáticas existem porque o planeta nunca conheceu economias suficientemente ricas para que o meio ambiente atingisse um ponto de estabilidade climática. Obviamente estamos perante um credo e não uma teoria científica. O CMK foi desenhado para dar como certas as relações entre crescimento económico e poluição, de forma a criar o U invertido, sendo a sua elaboração isenta de processos críticos, ou seja nasceu para fundamentar a tese e não para a comprovar (nunca é cientificamente comprovado o que não tem consistência).

A CMK é apenas - e não mais que isso – um fundamento para os dogmas do crescimento infinito. O U invertido da CMK pretende descrever a relação entre factores e produtos contaminadores e o crescimento do PIB, o que é um erro conceptual. Os factores e produtos contaminadores (os contaminantes) não são o único marcador da degradação ecológica. As políticas que controlam os contaminantes podem estar, simplesmente, a fomentar uma alteração de contaminantes utilizados, não regulados e logo passiveis de não serem medidos ou levados em conta nas investigações. 
     
Por outro lado a exportação de processos industriais de países onde a regulação é vasta para países onde a regulação é inexistente provoca contaminantes incontroláveis. Aos factores já existentes nos países pobres são adicionados os contaminantes dos países ricos. Á degradação ecológica dos países pobres, consequência dos seus baixos padrões de vida e causa da sua contínua degradação, acrescentam-se os contaminantes exportados pelos países mais desenvolvidos.

A CMK empurra os países para políticas de degradação acelerada, ao garantir que existe um ponto de inflexão, dependente do crescimento e que a partir dai torna-se possível restaurar os danos causados. O que o CMK não diz é que os ecossistemas atingem picos de degradação que os torna irrecuperáveis, caminhando de forma inexorável para a morte. Não o diz porque não leva em conta, para os seus cálculos falaciosos, geradores de fantasmas estatísticos, as lições da História e não faz uma análise consequente ao que se passou no passado. Muitas foram as civilizações anteriores que aprenderam da pior maneira a lição dos desequilíbrios do ecossistema.

IV - Vivemos num planeta finito, de recursos imensos, mas finitos. Teorias como a do crescimento infinito e da CMK são crenças infundadas, geradoras de crescimento assimétrico. As políticas de desenvolvimento, para de facto o serem, têm de ter uma estrutura integral, ou seja, têm de estar implicadas com todos os elementos da actividade humana e do meio circundante, onde a Humanidade se insere num todo mais vasto. Como espécie somos completamente interdependentes das outras espécies e a nossa sobrevivência depende em grande parte da interacção com elas.

Uma política de desenvolvimento implica crescimento dessa interacção com o meio ambiente, implica políticas de urbanismo compatíveis com os meios circundantes e com o aumento da qualidade de vida nas cidades, as políticas económicas têm de ter em conta factores como o crescimento dos níveis de sociabilidade, de aumento do padrão de vida, do crescimento comunitário e colocarem o Homem como centro gerador e receptor da actividade económica. Uma política de desenvolvimento real implica políticas públicas de saúde e de educação, universais e gratuitas. As políticas financeiras para o desenvolvimento são mecanismos de sustentação e viabilização do desenvolvimento e não de restrição das políticas sociais. As políticas de desenvolvimento têm de ter correspondência na diminuição e eventual extinção das assimetrias sociais e têm de corresponder a um logo processo de aculturação dinâmica, efectuado a partir dos processos de identidade cultural.

Tudo o que não corresponde a este padrão é gerador de assimetrias, desestabilização e destruição a longo prazo. Não servem de nada, nem para nada, os esforços e recursos financeiros aplicados em politicas não integrais de desenvolvimento, porque elas não conduzem a qualquer tipo de desenvolvimento real e palpável, cria apenas a ilusão do crescimento, as torres, a nova fachada das cidades, os novos centros de negócios, os novos edifícios de escritórios, as novas edilidades, o deslumbramento inerente à ignorância, á má-fé e ao oportunismo dos espertos, mas nunca um país desenvolvido, porque as politicas de desenvolvimento são estratégias inteligentes e não histórias de esperteza.  

V - Em 2005 o então vice-ministro chinês do Ambiente, Pan Yue, lamentou a aceitação da CMK na China. A nível governamental foi a única voz sensata que se fez ouvir, o que lhe valeu não ser reconduzido no cargo e afastado do centro de decisão do país. Oito anos depois a China exporta para África a sua tragédia ecológica.

A China compra, actualmente, terras cultiváveis no continente africano e efectua arrendamentos agrícolas a longo prazo na América do Sul, porque os seus recursos agrícolas e as suas reservas aquíferas, são insuficientes para manter a população que alberga no seu território. O mais grave desta questão, não é a aquisição de terras africanas ou o arrendamento a longo prazo de terras sul-americanas, mas sim a consequente exportação das prácticas depredadoras ambientais, inerentes aos processos de produção chineses.

Na China a regulação ambiental é incipiente e a que existe tem como condicionante a não apresentação de dificuldades às políticas economicistas de desenvolvimento. Quando este processo produtivo é exportado (e a China exporta não apenas o conceito, mas também a mão-de-obra, o que torna o processo ainda mais irredutível e aumenta os factores alienígenas nos impactos ambientais) para países onde a legislação é ainda mais incipiente, ou pelo menos, onde a aplicação da legislação existente não é efectuada (geralmente por uma propositada falta de meios, mantendo-se as aparências de uma legislação) a catástrofe torna-se iminente (parafraseando Lenine) e sem meios para a conjurar.

Existem limites para as políticas irracionais de crescimento. São elas que tornam o crescimento limitado, que limitam a capacidade de desenvolvimento das sociedades. A qualidade do ar, da água e o processo de desertificação na China, são uma prova evidente de que políticas irracionais, baseadas nos recursos do mercado e feitas em função da satisfação dos mercados, não chegam longe e não conduzem a bom porto.

É hora de ver o mundo como ele é e de nos apercebermos da realidade que nos rodeia e na qual nos inserimos como espécie. Não podemos continuar a deslumbrarmo-nos com as sombras projectadas nas paredes. Temos de assumir a realidade do mundo em que vivemos. Para que a possamos transformar.

Fontes
Zencey, Eric The Other Road to Serfdom and the Path to Sustainable Democracy. Vermont University Press 2013.
New York Times, January, 13, 2013
New York Times, May, 27, 2011

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