Wednesday, May 15, 2013

CIBERESPAÇO: AUTONOMIA OU PRIVATIZAÇÃO?




Rui Peralta, Luanda

I - Aaron Swartz, um ciberactivista suicidou-se em Janeiro deste ano, ao não resistir às pressões causadas por uma acusação que o colocaria a cumprir 35 anos de prisão e ao pagamento de um milhão de USD, se fosse condenado por utilização de computadores do MIT (onde era professor) para realizar milhões de downloads de artigos académicos para um serviço de pesquisa, não lucrativo, de acesso universal e gratuito: a JSTOR. Aaron tinha 26 anos e a sua morte causou uma vaga de repulsa, que levou o congressista democrático Zoe Lofgren, da Califórnia, a introduzir uma proposta de lei, a que denominou Aaron´s Law, para alteração da Lei de Abuso e Fraude Informática e descriminalização das chamadas “violações” dos “termos de serviço”.

Aaron desenvolvia projectos de livre consulta nos meios académicos. Trabalhava envolvido em redes e bibliotecas, com o objectivo de permitir o livre acesso e a livre consulta de trabalhos científicos e académicos, em todas as redes universitárias e de ensino, para que estudantes das universidades africanas e indianas (por exemplo) tivessem a mesma facilidade de consulta que os estudantes norte-americanos, sem custos. Organizador de redes livres como a JSTOR, Aaron lutava contra os interesses das redes multinacionais privadas que pretendem, através dos registos, obter o monopólio dos trabalhos académicos publicados (um duro golpe na democratização do ensino, levado a cabo pelos grupos monopolistas – e não monopolistas - do ensino privado).

Alegando que os trabalhos académicos são património da Humanidade, Aaron desenvolvia toda uma actividade de enriquecimento do património público, permitindo que qualquer pessoa consultasse e utilizasse na sua formação a informação disponível, de forma livre e gratuita. Foi um dos percursores do movimento do livre acesso e um lutador incansável do “free copying”.

II - Este foi um movimento que cresceu, globalmente. Recentemente foi realizado em Denver, Colorado, a National Conference for Media Reform, uma iniciativa da Free Press, organização que conta como um dos seus cofundadores, Robert McChesney, investigador, professor na Universidade de Illinois, ciberactivista e autor de diversas obras politicas e cientificas, a ultima das quais com um interessante titulo: Digital Disconnect: How Capitalism Is Turning the Internet Against Democracy.

Partilhando da visão de Aaron Swartz, considerando a Internet como um grande espaço livre e democrático, isento do mercado e das peias dos poderes, a Free Press é uma organização que luta contra as corporações monopolistas como a AT&T, VERIZON, COMCAST – ao nível do acesso - ou a GOOGLE, FACEBOOK, APPLE, AMAZON - ao nível da aplicação e do utilizador. Estes (e outros) monopólios alteraram profundamente a natureza da INTERNET. Tornaram-se monopólios de grande poder, que tentam dominar um espaço infinito de informação e de conhecimento.

Como se isso não bastasse os monopólios do ciberespaço trabalham próximo á área de poder, com os serviços de inteligência e com as agências militares. Muitos destes grupos são intermediários, fornecendo as informações requeridas e estabelecendo pontes entre os sector privados da indústria militar e da nova e prometedora indústria da segurança, com os Estados.

A INTERNET torna-se desta forma um palco de luta, em que de um lado estão aqueles que a definem como um espaço de liberdade e de igualdade, opondo-se aos que pretendem fazer desse espaço uma ameaça aos direitos e liberdades individuais e sociais, criando um espaço mercantilizado e fornecedor de meios repressivos aos Estados e às novas elites do mercado, monitorizando tudo e todos, indivíduos e grupos, pessoas e classes, cidadãos, povos e comunidades.

III - Na Conferencia Nacional realizada em Denver, entre as muitas questões discutidas, o acesso á INTERNET nos USA, foi uma das focadas. Neste país o acesso é basicamente cartelizado. A AT&T, VERIZON e COMCAST, monopolizam e controlam o acesso. Como resultado os norte-americanos pagam mais que os sul-americanos, europeus e asiáticos, para além de um deficiente serviço, nas gamas de baixo custo.

Esta política de privatização da INTERNET, geradora de lucros enormes, onde grandes monopólios como a MICROSOFT ou a GOOGLE imperam como senhores absolutos, em que a APPLE, AMAZON, FACEBOOK ou TWITTER, movimentam milhões de milhões de USD á conta de criação de ilusões, para alimentar centenas de milhões de cidadãos (que perdem os seus direitos como utentes e passam a ser considerados clientes, cujo único direito é pagar os serviços prestados), é a grande ameaça ao espaço livre, ao ciberespaço da cidadania, nos USA.

Todos estes negócios são apetrechados por legislação abundantemente produzida por efeito dos seus lobbies no poder legislativo. Os lucros multimilionários destas companhias circulam, de forma aberta e despreocupada, pelo poder político, como um imenso rolo compressor de vontades. É um sector que vive um infindável crescimento, associando-se á industria militar, criando novas empresas na área da indústria de segurança, financiando projectos em parceria com as multinacionais dos agronegócios, colaborando de forma estreita com os sectores petrolíferos e mineiros e criando incomensuráveis monopólios manipuladores da informação e da comunicação social.      

IV - O movimento Free Press na última década organizou fortes campanhas contra a privatização da INTERNET e simultaneamente contra a sua estatização. No fundo o ciberespaço é o único espaço público existente. Tanto o Estado como os interesses dos monopólios generalizados, nos USA ou em qualquer parte do mundo, tentam adquirir uma posição central no ciberespaço, de forma a poderem exercer um controlo efectivo sob esse espaço publico.

A política da administração Obama sobre este assunto (oficialmente designada por politica de neutralidade da rede) é uma política de compromisso entre o Estado e os monopólios. Os utentes da rede ficam em ultimo lugar e ocupam as cadeiras da última fila da plateia.                        
Para a comunidade dos negócios a INTERNET é um espaço apetecível, imenso, de infinitas possibilidades lucrativas. A administração Obama, por sua vez, debruça-se sobre as infinitas possibilidades estratégicas e para o grande manancial de informação que o ciberespaço produz. O tratamento dessa informação, o controlo do acesso e o domínio do ciberespaço, proporcionam ao governo dos USA uma incontornável vantagem estratégica em todos os domínios.

FACEBOOK, GOOGLE e outras são armazéns de informação privada, contentores de dados onde a informação referente a milhões de pessoas são depositadas. A privacidade de milhões de cidadãos é, desta forma, devassada, tanto pelos interesses económicos dos monopólios generalizados como pelos interesses dos Estados. São milhares de empresas privadas criadas com fundos públicos, que processam o armazenamento de dados e o seu tratamento, depositando toda a informação na NSA (National Security Agency) com cópia para os interesses privados (perfis, gostos pessoais, hábitos de consumo, grupos sociais, etc.).

V - O desenvolvimento de projectos não comerciais, em termos de informação e comunicação, da educação, da publicação editorial livre, a projecção de sistemas de sustentabilidade de projectos públicos, a concepção de sistemas autónomos autogeridos e de comunidades de redes (para além das redes comunitárias) foram objectivos focados em Denver.

As comunidades jornalísticas apresentaram painéis temáticos onde foi abordado o jornalismo regional, o jornalismo de especialidade, a necessidade de uma comunicação social que reflicta os interesses dos grupos de desempregados, de assalariados, de reformados, emigrantes, estudantes, etc. Grupos de imigrantes organizam-se e criam sites e serviços públicos virtuais, para resolução de problemas relacionados com a educação dos filhos, legalização de documentação, saúde, integração e outros problemas vividos diariamente pelas suas comunidades. Os problemas das comunidades imigrantes foram dos painéis mais discutidos em Denver, principalmente pela participação de centenas de grupos e de projectos.

A necessidade de ocupação do ciberespaço pela cidadania é a principal forma de evitar a sua privatização e subsequente estatização (e vice-versa). O ciberespaço como espaço público, livre, pertença dos cidadãos (e inclusive a criação de uma cidadania do ciberespaço) é a única razão da sua existência.

VI - Quando se fala sobre o livre acesso á informação a WikiLeaks torna-se incontornável. O Website publicou recentemente um projecto denominado “Kissinger Cables” formado por cerca de mil e setecentos milhões de documentos diplomáticos e dos serviços de inteligência dos USA, do período de 1973 a 1979.

Esta base de dados online permite a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo procurar de forma rápida os documentos pretendidos e consultá-los. O arquivo inclui muitos memorandos secretos do ex-Secretário de Estado Henry Kissinger.

A publicação deste arquivo provocou, já, problemas na India. Um dos documentos (https://www.wikileaks.org/plusd/cables/1976NEWDE01909_b.html) indica que o ex-Primeiro-Ministro Rajiv Gandhi foi intermediário e comissionista, na década de setenta, de uma companhia sueca que pretendia vender aviões á força aérea indiana.  

A base de dados (https://www.wikileaks.org/plusd/cables), denominada orPLUSD (Public Library of United States Diplomacy), foi iniciada e em grande parte elaborada por Jules Assange, na Embaixada do Equador em Londres. Anteriormente a WikiLeaks publicara o projecto “Cablegate” formado por 250 mil documentos diplomáticos de diversas embaixadas dos USA.

VII - A política de desclassificação de documentos do governo norte-americano tem sofrido reveses. O processo de abertura iniciado por Bill Clinton na década de 90 foi revertido pela administração Bush filho. Em 2006, mais de 55 mil documentos que tinham sido liberados pela administração Clinton, sendo de livre acesso, foram reclassificados pela CIA e pela NSA. A administração Obama deu continuidade á reclassificação da administração anterior e já pouco resta do processo de abertura iniciado pela administração Clinton.  
  
A publicação desta documentação e o livre acesso proporcionado são de extrema importância Histórica, para além de grande utilidade para jornalistas, investigadores, historiadores, cientistas políticos e socias, etc.. Muita desta documentação do período de Kissinger, revela as relações com as ditaduras militares sul-americanas, a cooperação do governo dos USA com estes regimes, acções da CIA na região, informes da CIA e de embaixadas dos USA na zona, memorandos sobre a China, a India e o Paquistão, a Europa e a Indochina.
        
É uma cobertura bastante interessante sobre um período turbulento da Historia das Relações Internacionais e uma lanterna que ilumina algumas questões das relações exteriores na era Kissinger e que traz alguma luz á Historia do imperialismo norte-americano na década de setenta do seculo passado. Todo este legado de Henry Kissinger pode ser resumido na sua célebre frase, na Turquia, numa reunião com o ministro turco das relações Exteriores: "The illegal we do immediately; the unconstitutional takes a little longer." Esclarecedor.

VIII - Aaron Swartz, Robert McChesney, Assange, são apenas alguns dos nomes deste infinito palco de operações que é a INTERNET. Free Press, Wiki Leaks, são apenas duas dos milhares de frentes abertas no ciberespaço. A imensidão desse espaço público que é a INTERNET conduz a uma infinidade de frentes abertas e de alternativas por criar.

Assegurar que o ciberespaço permaneça um espaço público livre, um espaço de autonomia, conhecimento e informação é o pilar de todas estas frentes. Os ataques ao ciberespaço público realizado pelos Estados e pelos monopólios generalizados têm uma mesma fonte: capitalismo. Seja o controlo do ciberespaço pretendido por razoes de Estado, de soberania nacional, para efectuar negócios, ou por razões éticas, morais ou religiosas, o alicerce é sempre o do Capital, para o qual a inexistência de um espaço fora do seu controlo é inaceitável.

Se no momento actual ainda estamos numa fase de partilha do ciberespaço é porque a usa imensidão não permite, por enquanto, domínio total. As grandes ofensivas estão em curso, tanto da parte dos Estados, como da parte dos grupos privados. O travar desta ofensiva é crucial para os que pretendem manter este infinito espaço público autónomo. Travar a ofensiva do capital implica passar á contraofensiva no momento exacto.

É desta capacidade organizativa, da riqueza criada pela pluridimensionalidade de comunidades, grupos e espaços livres, de alternativas, de novas tecnologias e conhecimentos, que depende a manutenção do ciberespaço como identidade pública, autónoma, livre e criativa. Lutemos, então.     

Fontes
McChesney, Robert Digital Disconnect: How Capitalism Is Turning the Internet Against Democracy; Free Press, 2013

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