Friday, May 17, 2013

LUGAR-COMUM, LUGAR NENHUM




Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

Em Espanha, Mariano Rajoy viu-se encurralado entre o apelo da Comissão Europeia para aprofundar a reforma da legislação laboral já aprovada e a proposta dos sindicatos para assinar um pacto de regime contra o desemprego. Madrid rejeitou ambas as propostas, mas admite discutir com os parceiros sociais as pensões de reforma e a formação profissional. Recém-chegado de Bruxelas, com mais dois anos para reduzir o défice excessivo da França, que acaba também de entrar em recessão, François Hollande prometeu em Paris que irá manter o seu empenhamento nas reformas para o aumento da produtividade que a Comissão Europeia, todavia, considera ainda insuficientes: vai pois redobrar esforços para baixar os "custos do trabalho" e para assegurar a "sustentabilidade" da Segurança Social. Por seu turno, os sindicatos franceses pediam-lhe que estabelecesse um limite para tais reformas.

Mas onde estará o limite? No Bangladesh? Após a maior catástrofe industrial da sua história, apenas duas multinacionais do pronto-a-vestir - a espanhola Zara e a sueca H&M - assinaram um acordo proposto por sindicatos internacionais para fiscalizar a segurança dos edifícios e a prevenção de incêndios nas fábricas que detêm num país que é o segundo produtor têxtil do Mundo, a seguir à China, que para lá deslocalizou parte da produção para baixar os custos e contornar as quotas de importação europeias! A indústria do vestuário cresceu 10% no ano passado e representa 80% do PIB do Bangladesh, segundo o "Libération" de 14 de maio ("Le Bangladesh, dernier atelier de la misère", de Elodie Cabrera). A média dos salários ronda os 30 euros por mês, a duração do trabalho oscila entre as 50 e as 100 horas semanais, 90% dos trabalhadores são mulheres que manipulam produtos tóxicos sem máscaras e cumprem horas extraordinárias obrigatórias que não são pagas como tais. A criação de organizações sindicais é violentamente desmotivada. Será o Bangladesh o fim da linha das "deslocalizações"? Ainda não. Já se pensa, em alternativa, nas novas oportunidades que poderão surgir na Birmânia, que começa agora a sair da tutela dos militares, ou nas potencialidades inexploradas do mercado de trabalho africano...

O receituário repete-se em todo o lado, indiferente à situação particular de cada país e aos desastres que provoca. Engana-se quem pensa que o Governo português tem um problema de comunicação. Bem pelo contrário, rompendo com os padrões clássicos do debate político democrático, a linguagem do "senso comum" é o veículo ideal para a comunicação da mensagem de que os artifícios da política e a complexidade do Estado não resistem à simplicidade dos factos nem à vontade transcendente dos mercados. A realidade, única e indivisível, não carece de autenticação! Até as dissonâncias aparentes entre diferentes membros do Executivo apenas servem para demonstrar que não há alternativa às políticas que segue. E por isso reclama o consenso e reage com indiferença às discrepâncias notadas entre o que faz e o que prometeu nos programas eleitorais. Entre o que afirma hoje e desdiz amanhã. "Realmente", as "suas políticas" não são sequer da sua autoria nem da sua responsabilidade. O primitivismo anti-Estado que inspira a ideologia global que hoje domina a Europa, encontrou no lugar-comum /lugar nenhum, a sua linguagem própria.

Um sociólogo, um geógrafo e um historiador decidiram fazer um livro sobre as verdades "irrefutáveis" que alicerçam as medidas de austeridade correntes, o cumprimento inevitável das condições exigidas pelos credores para o pagamento da "dívida soberana", a fatalidade de um empobrecimento coletivo sem prazo nem limite - castigo merecido do pecado hediondo da cobiça e da indolência. José Soeiro, Miguel Cardina e Nuno Serra meteram ombros à obra, mobilizaram quase duas dezenas de autores e coordenaram a edição que a "Tinta da China" acaba de publicar com o título "Não acredite em tudo o que pensa. Mitos do senso comum na era da austeridade." Um livro que se recomenda, nas palavras dos autores, "como uma espécie de manual de autodefesa intelectual".

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