Saturday, May 11, 2013

MAS AFINAL ONDE NASCEU VITOR GASPAR?




Cristina Azevedo – Jornal de Notícias, opinião

Esta foi a pergunta que de imediato me ocorreu quando diligentemente procurava ler o Documento de Estratégia Orçamental para 2013--2017. É que as primeiras páginas do documento são, nada mais, nada menos, do que um verdadeiro libelo acusatório a Portugal e aos portugueses, escrito na terceira pessoa como se Vítor Gaspar (o responsável máximo pelo documento) nada tivesse a ver com este país e a sua realidade.

Pode ler-se:

-"Portugal adiou sucessivamente a alteração de regime económico e financeiro necessária à participação na área do euro".

-"Mas as causas últimas da crise nacional residem na incapacidade de adaptação da sociedade portuguesa às realidades da vida económica e financeira na área do euro".

-"(Portugal) Optou pelo conforto do curto prazo, mantendo a ilusão de um financiamento sem limites".

-"(Portugal) Persistiu em comportamentos atávicos desenvolvidos durante anos de instabilidade orçamental e financeira e controlo sobre os movimentos de capitais".

-"As opções dos portugueses são agora muito limitadas:

- Ou encaram com determinação a prossecução do equilíbrio orçamental (......);

- Ou regressam ao atavismo de comportamentos ultrapassados, (...)".

Quem? Nós? O povo? Na versão Queirosiana da "piolheira"?

Não é aceitável, em minha opinião, nem para tentar uma alegada maior credibilidade externa, usar um discurso moralista e culpabilizador. Sobretudo por quem, por natureza e por função (julgo que também por nacionalidade), não tem como alijar quaisquer responsabilidades. Mesmo que ache que não foi eleito "coisíssima nenhuma".

Somos todos poucos para tentar resolver o problema e fomos todos, de uma maneira ou de outra, quanto mais não seja pelo voto, responsáveis pelo nosso próprio caminho. Fomos é Nós e não Eles, simplesmente!

É interessante verificar como esta postura à escala europeia é hoje vista como errada. É o que nos diz Juncker, ex-presidente do Eurogrupo quando afirma (vide entrevista de 7 de maio ao "Jornal de Negócios"):

- "Deveríamos ter agido com maior severidade contra essa imagem de que os países do Norte eram os virtuosos e que os do Sul arrastavam os pés".

- "Se tivéssemos continuado a dizer mal, a criticar e a fazer caricaturas dos comportamentos coletivos dos países do Sul, essa linha de divisão entre o Norte e o Sul poderia ter conduzido a uma fragilização da coesão da Zona Euro".

Dito isto e agora que finalmente parece (com o êxito da emissão a 10 anos conseguida esta semana) ser possível arriscar numa conclusão do programa de ajustamento em junho de 2014, é imperativo que os nossos governantes percebam que o povo que governam tem de ser mobilizado e assim, de facto, co-responsabilizado por uma progressiva melhoria das nossas condições de vida.

E para isso, temos todos de perceber com clareza:

- As medidas que vão ser tomadas.

- As razões que ditaram a sua escolha.

- Os resultados que se esperam venham a surtir.

- Ou a clara assumpção de que não os conseguimos estimar.

E isto vale para ambos os lados da questão. Para as medidas de austeridade e para a estratégia de crescimento.

Já Tocqueville dizia (como relembrou Juncker) que "as democracias são muito orientadas para o curto prazo e não gostam de se envolver com horizontes mais distantes". Muito menos, digo eu, gostam os mercados. E no entanto tem de se arriscar uma comunicação mais transparente, menos dramática e mais corajosa. Daquela coragem que nos faz humildes em vez de apenas resistentes.

Agora que temos ainda de pôr em marcha um longo plano de ajustamento financeiro que expectavelmente deve corresponder a algum grau de reforma do Estado e que temos de tomar a sério de uma vez por todas o dossier da Economia, o consenso de que tanto se fala surgirá com naturalidade se o povo, esse cliente final da política sempre embaçado pelos intermediários mediatizados, for seriamente tomado em consideração.

Sem medo! Como dizia Saramago: "Nada me chateia mais do que ouvir um político dizer que não devemos criar alarme social. A sociedade tem de estar alarmada, que é a sua forma de estar viva".

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