Friday, May 17, 2013

Portugal: DA EQUIDADE E DO KARMA




Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

São tantos os exemplos de opacidade, desonestidade e simples falsidade no discurso deste Governo que parece haver uma ausência generalizada de paciência para denunciar todos (onde andarão os arautos da "verdade com V"? Ah, espera). Mas alguns não podem passar em claro. Como este de invocar a equidade entre gerações para ajustar as pensões já a ser pagas, usando o mesmo argumento para igualar o subsídio dos desempregados mais velhos aos dos mais novos.

Temos aqui um pequeno problema de lógica, não? Defender uma reponderação das pensões em pagamento de acordo com as regras atuais de sustentabilidade não é compaginável com tratar por igual desempregados com uma carreira contributiva de 30 anos e quem desconta há um. Não se pode dizer, como diz Passos, que muitos pensionistas não descontaram o suficiente para o que recebem e ignorar que os desempregados mais velhos descontaram muito mais que os novos.

Mas o Governo não põe as orelhas de burro sozinho. O relatório do FMI e o da OCDE incorrem na mesma contradição - o FMI chega mesmo a propor que o subsídio de desemprego seja igual para todos (419 euros) ao mesmo tempo que se choca com a disparidade entre as pensões da CGA e as do regime geral. E se o trabalho da OCDE é mais honesto que o embuste do FMI (não era difícil), não deixa de enfermar dos mesmos problemas de base: primeiro, aceitar como óbvio que é preciso cortar mais, sem sequer estabelecer a base dessa necessidade - como se esta fosse inquestionável. Depois, trabalha com base na informação fornecida pelo Executivo, sem cuidar de saber se é verdadeira. Por exemplo: diz a OCDE que à redução do valor do subsídio de desemprego, à imposição de uma redução de 10% após seis meses de prestação e ao encurtar do seu período máximo (de que gozavam os mais velhos) correspondeu um alargamento a sectores até então sem proteção, como os profissionais por conta própria e a recibos verdes. Na verdade, os profissionais liberais e empresários que fiquem sem retribuição só poderão - se puderem - aceder ao subsídio a partir de 2015, enquanto os cortes nos subsídios dos desempregados mais velhos estão em vigor desde 2012.

Ao assim proceder, a OCDE está a funcionar como um instrumento de propaganda do Governo. E a quem, como o secretário de Estado Pedro Lomba, afirma que se trata de uma instituição acima de qualquer suspeita, recordemos o que o cronista do mesmo nome escreveu em dezembro de 2010, apropósito de um estudo da OCDE: "mais do que demonstrar a teoria de uma conspiração que pode não ter existido, interessa-nos dispor dos elementos que permitam formar uma opinião esclarecida. Em democracia devemos desconfiar dos governos em geral e em Portugal tudo recomenda que desconfiemos a dobrar. Cumpramos a nossa obrigação democrática de desconfiar. De todos os governos, e deste muito em particular." A equidade também é isto.

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