Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
1-Sob o alto patrocínio do Presidente da República os partidos estiveram toda a semana a brincar com os portugueses.
Basta uma breve leitura dos documentos que o PS e o PSD publicaram nos seus sites para perceber que, das duas uma: ou aqueles documentos não são os que levaram às negociações e estão a mentir aos portugueses ao dizer que foram ou, de facto, aquelas propostas são mesmo as que levaram e não se justificava nem um minuto de conversações... quanto mais uma semana.
Os dirigentes do PS levaram a moção de estratégia de Seguro ao Congresso, sem sequer terem tido o cuidado de tirar as partes mais evidentes - como aquela que dizia que o PS queria uma maioria absoluta... E os do PSD queriam que o PS apoiasse todas as propostas do PSD comprometendo-se até a aprovar medidas de substituição na eventualidade de o Tribunal Constitucional chumbar as do Governo...
Será que o Presidente da República estava a pensar que isto podia acontecer quando, na comunicação em que pediu um acordo, disse que "se o compromisso não for alcançado, os portugueses irão tirar as suas ilações quanto aos agentes políticos que os governam ou aspiram a ser Governo" ? Ou seja, será que o Presidente da República pensa que esta perda de tempo foi necessária para todos sabermos que Passos, Portas e Seguro estão a mais? Talvez Cavaco tivesse querido provar a incompetência dos responsáveis partidários, mas que solução tem agora para nós? É que não passa pela cabeça de ninguém que aceite uma remodelação feita por gente em que não confia e a quem não reconhece credibilidade; a tal remodelação que faz com que o CDS governe o país com 12% dos votos.
Por outro lado, marcando eleições, serão muito provavelmente Seguro, Portas e Passos os candidatos, os tais que incita os portugueses a julgar, nas implícitas palavras de Cavaco, muito negativamente.
O Presidente da República meteu-se, e meteu-nos, num jogo muito perigoso ao mandar-nos julgar os políticos em função do resultado dum acordo que sabia ser impossível. Será que queria provar que é ele o único político digno de credibilidade?
Mas ao dizer o que disse queria também dizer-nos que temos de mudar de protagonistas políticos, e para isso acontecer só há uma solução: eleições.
2-"O país precisa de quem não acalente a fantasia de uma súbita e perpétua vontade de o Norte da Europa passar a pagar as nossas dívidas provavelmente para sempre", disse o primeiro-ministro de Portugal.
Digamos que estas palavras proferidas na Assembleia da República e repetidas no Conselho Nacional do PSD já indicavam que as negociações estavam condenadas. Mas isso seria o menos. O que esta afirmação indica é uma profunda ignorância sobre as causas da crise europeia e da portuguesa, exibe que Passos Coelho é uma espécie de porta-voz da tese que defende que os portugueses são uns preguiçosos que vivem à custa dos trabalhadores do Norte da Europa, mostra um fundamentalismo ideológico capaz de fazer corar a sra. Merkl, reproduz a vergonhosa conversa do viver acima das possibilidades.
Bastavam estas palavras para percebermos que Passos Coelho não pode continuar como primeiro-ministro de Portugal.
Cavaco Silva podia até colaborar com a fantochada em curso, a que tenta fazer esquecer que a crise politica é da exclusiva responsabilidade de Passos e Portas. Cavaco Silva podia até fingir que se esquecia do dia em que deu posse a uma ministra dum governo em decomposição e da demissão dum ministro de Estado por incompatibilidades insanáveis com o seu líder. Cavaco Silva podia até assobiar para o lado e achar que nós não sabemos que este Governo é politicamente incapaz de apresentar o próximo Orçamento, de fazer qualquer tipo de reforma digna desse nome. Cavaco Silva podia ignorar a carta de Vítor Gaspar, a irrevogabilidade de Portas, TSU, chumbos no Tribunal Constitucional e todas as trapalhadas e incompetências. Não pode é deixar em funções alguém que acha que somos um bando de preguiçosos e que temos vivido à custa dos "sacrificados" do Norte. Quem não percebe a origem dos problemas nunca será capaz de os resolver.
3-Seguro, em vez de anunciar simplesmente as razões da falta de entendimento, fez uma série de promessas que, na actual conjuntura e num futuro próximo, não vai poder cumprir se for para o Governo. Foi assim que Passos Coelho começou a perder toda a credibilidade. Foi assim que os políticos perderam a confiança dos portugueses.
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