Daniel Oliveira – Expresso, opinião
Passados cerca 10 dias da desconcertante intervenção de Cavaco Silva, fica tudo na mesma. Um governo fragilizado, com um apoio popular muito reduzido, graças ao falhanço confessado na carta de demissão de Vítor Gaspar. A mesma diferença de discurso entre o CDS, que fala de uma nova política económica e o PSD, que, como se viu no Parlamento, no dia da moção de censura dos "Verdes", acha que as coisas estão, no essencial, a correr bem. E um CDS que, com apenas 12% dos votos, coordenará a política económica, a reforma do Estado e as negociações com a troika. O que conseguiu, então, Cavaco Silva com estas duas semanas de intervalo?
1. Cavaco Silva pode ter conseguido mudar a percepção das algumas pessoas sobre esta crise política. O Presidente quase conseguiu fazer esquecer onde ela começou: com a demissão de Gaspar e de Portas. Ou seja, dentro da própria maioria. A armadilha que montou ao PS teve como principal efeito corresponsabiliza-lo por algo a que foi alheio. Acenou-lhe com a cenoura de eleições daqui a um ano. Eleições que, a julgar pela sua decisão de ontem, considera, afinal, desnecessárias. E isso foi suficiente para Seguro cair na sua armadilha, sem sequer deixar logo claras quais as condições em que nunca cederia.
2. Cavaco Silva tentou reforçar o seu poder, sendo padrinho de uma charada inútil, que não tinha nenhum dado para que pensasse que poderia ter algum resultado. E garantiu, através de um ralhete inconsequente e de ameaças veladas, a tutela sobre o governo. Ou seja, o Presidente trabalhou para sua própria popularidade, enfraquecendo, assim, ainda mais um governo em decomposição.
3. Alimentando, durante mais de uma semana, este processo, conseguiu, pelo seu desfecho, que a maioria dos comentadores tratou como se fosse resultado de irredutibilidade e falta de patriotismo dos partidos, degradar ainda mais a imagem do sistema político-partidário. Tudo, como se o conteúdo do que se negoceia fosse acessório para o "interesse nacional", desde que se chegue a um acordo qualquer. De que o corte de 4,7 mil milhões de euros nas despesas do Estado, com efeitos catastróficos para a economia, é apenas um de muitos exemplos.
4. Conseguiu instituir a ideia, que sempre lhe foi muito cara, de que a existência de oposição e de alternativas é uma anomalia democrática. Quase uma excentricidade nacional - não tem acompanhado, com certeza, as crises políticas e a curta duração de quase todos os governos de países europeus em crise económica. A sua atitude pouco pedagógica, em relação às vantagens do pluralismo político e da democracia, não espanta. Afinal de contas, este é o homem que considera que duas pessoas de boa-fé, com a mesma informação, só podem chegar a conclusões iguais.
5. Prolongou uma crise política por mais 10 dias. Para quem vê como principal impedimento à realização de eleições o clima de incerteza e a instabilidade que criariam, não deixa de ser estranho alimentar estas duas coisas sem que daí saia qualquer clarificação ou ganho para o País. Nem sequer deixou o governo mais forte para o caso improvável deste querer realmente negociar alguma coisa com credores e instituições europeias. Pelo contrário, perante as suas ameaças veladas e a sua tutela, o governo ficou mais fraco.
Resumindo: Cavaco Silva tratou dos seus assuntos, das suas pequenas vinganças, da sua desesperada luta pela popularidade perdida, deixando tudo - o governo, a oposição, a credibilidade da democracia e o País - mais frágil. Nada novo, portanto. Cavaco Silva foi Cavaco Silva.
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