Carlos Diogo Santos – Jornal i
Numa altura em que as críticas dos médicos brasileiros sobem de tom, os portugueses chegam ao Brasil debaixo de escolta policial
As fardas militares e o grande número de elementos da Polícia Federal são estranhos nos aeroportos do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Nas filas do serviço de imigrantes, há estrangeiros especiais com a passagem mais facilitada. O Brasil está desde sexta-feira a receber os médicos portugueses e de outras nacionalidades com um esquema de segurança inédito no país. O aparato está à vista de todos, mas os médicos - contratados através do programa "Mais Médicos" para colmatar as falhas do sistema público de saúde - passam bem longe dos holofotes e em direcção aos veículos do exército. Depois de vários dias de críticas e de a Ordem dos Médicos daquele país ter mostrado a sua insatisfação com esta medida, o Ministério da Saúde decidiu fazer uma parceria com o ministério da Defesa para receber mais de 500 médicos - nesta primeira fase são 244 - que vêm de fora. A confirmação foi ontem dada ao i por fonte oficial do governo brasileiro.
"Confirmamos que houve uma parceria entre o Ministério da Saúde e o da Defesa. O exército nacional ficou responsável por assegurar o transporte e alojamento desses médicos, em unidades militares, durante o período de formação", explicou ao i fonte do gabinete do ministro da Saúde brasileiro, Alexandre Padilha, desvalorizando que isso signifique uma preocupação acrescida com segurança.
Sobre o contingente de agentes da Polícia Federal que escoltaram os portugueses, sobretudo em Belo Horizonte, o ministério esclareceu apenas que esta é a "autoridade competente para fazer a segurança dos passageiros nos aeroportos".
No total, o Brasil contratou já 522 médicos formados em outros países, entre os quais 45 portugueses, para assegurar os cuidados de saúde em algumas regiões do interior do país. Apesar de o aparato se sentir sobretudo nos maiores aeroportos do país, houve ainda médicos que aterraram em outras cidades, como Porto Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza.
Na bagagem levaram um contrato com duração de três anos e a certeza de que terão de voltar às salas de aula das universidades federais para uma formação de 120 horas - que entretanto começou ontem. O salário oferecido pelas 40 horas de trabalho semanal é de 3 400 euros, a que se acrescem despesas de alojamento e alimentação. Enquanto estiverem a trabalhar no país, os estrangeiros, ou brasileiros formados noutro país, serão orientados e supervisionados por médicos brasileiros, que terão de responder pelos colegas estrangeiros em caso de erro médico.
Mas para exercerem vão precisar ainda de ter nota positiva em português (no caso dos não nativos) e em saúde pública brasileira. A previsão do governo é que, com o diploma nas mãos, os profissionais de saúde comecem a trabalhar a 16 de Setembro.
No caso dos médicos portugueses, se quiserem optar por um registo temporário no Brasil - deixando de estar apenas a exercer ao abrigo do programa especial "Mais Médicos" - não terão sequer de se submeter ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, uma exigência para qualquer médico estrangeiro que queiram exercer no Brasil.
No total, o programa prevê o recrutamento de mais de 500 profissionais de saúde. Entre os países que mais exportaram, encontra-se Portugal (45), Argentina (145), Espanha (100), Cuba (74) e Venezuela (42).
Este programa esteve já envolto em várias polémicas, quer em Portugal - onde a Ordem dos Médicos considerou estar próximo da escravatura e alertou os profissionais para os riscos - quer no Brasil, onde as organizações médicas ameaçam até fazer queixa dos estrangeiros à polícia por estarem a "exercer ilegalmente". Já foram até interpostas acções no Supremo Tribunal Federal para impedir o trabalho destes médicos.
A maior resistência tem surgido dos conselhos regionais de medicina do Brasil, colégios que regulam a profissão, que classificam a medida do governo de Dilma Rousseff como uma "afronta".
Entretanto, o ministro Alexandre Padilha já respondeu ao clima de insatisfação, afirmando que as críticas que permitam melhorar o programa "Mais Médicos" são "bem-vindas", mas não "as ameaças, que são contra a saúde da população que não tem médicos".
A contratação de médicos portugueses e de outras nacionalidades foi anunciada em Julho destina-se a fortalecer os cuidados de saúde das zonas mais remotas e pobres do Brasil.
Médicos de elite
Além do forte contingente militar e policial, os médicos que chegaram ao Brasil estão a receber um tratamento VIP na área da verificação dos passaportes. Segundo o jornal "O Globo", em Brasília o esquema montado pelos ministérios da Defesa e da Saúde separava logo os profissionais dos restantes passageiros, que eram colocados numa sala especial do aeroporto. Daí seguiam em carrinhas do exército onde vão ficar alojados nas próximas três semanas, período da formação. Não foi divulgado onde ficarão hospedados.
Alexandre Padilha fez questão de estar presente na área reservada deste aeroporto para receber os quatro médicos portugueses que chegaram sexta-feira.
No Rio de Janeiro houve maior abertura por parte da segurança que permitiu que os médicos trocassem telefones e emails com os jornalistas presentes no aeroporto. Também na sexta-feira, enquanto recebia, entre outros médicos, os portugueses Teresa Pestana, de 59 anos, e Miguel Dalpuim, de 70 anos, o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, tentou tranquilizar os profissionais que se depararam com todo o aparato e a enorme preocupação com a sua segurança: "Não tomem essas polémicas, essas questões. Daqui a pouco tudo fica mais claro".
Teresa Pestana mostrou-se compreensiva com as queixas dos colegas brasileiros. Ao jornal "O Globo" disse entender as entender as críticas, mas esperar que passem quando os brasileiros conhecerem a qualidade do seu trabalho. Em Belo-Horizonte, Maria Cardoso da Silva, de 64 anos, e o marido Artur da Silva, brasileiro, foram os médicos que mostraram maior surpresa com forte presença militar e o número de curiosos à sua chegada. Neste processo, são os médicos brasileiros formados no exterior que têm lançado as maiores críticas à atitude hostil dos médicos brasileiros. Dizem não entender por que se queixam de haver médicos dispostos a trabalhar nas regiões onde até agora nunca ninguém se quis fixar.
Foto: Márcio Fernandes – Estadão Conteúdo
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