Rui Peralta, Luanda
I - O Portugal dos Pequeninos (que por questões de economia do espaço – e do tempo, também – designarei por PP) é um daqueles sítios marcantes para a idiossincrasia de uma nação. Concebido, projectado e implementado no tempo em que Portugal ia do Minho a Timor, o PP era – em primeira intenção - para as crianças, obviamente. E digo em primeira intenção porque grande parte dos adultos aproveitava o facto de ir mostrar o PP aos miúdos, para por ali ficarem a divertir-se, pelo que o mais correcto será dizer: era e é, o PP, um espaço cultural e recreativo para todas as idades, dos zero anos aos reconhecidos centenários.
Foi uma obra que ficou na alma dos portugueses, o PP. Marcou-lhes a pequenez da sua condição, na imensidão do Império simultaneamente colonizador e colonizado, onde os portugueses eram simultaneamente opressores oprimidos e vitimas agressoras. Mas disso poucos se apercebiam, na época (e hoje também ignoram) e ainda menos eram os portugueses que o admitiam e admitem. A grande virtude do PP foi reduzir a escala da grandiosidade dos feitos lusos, tornando-a passível de representação num espaço limitado, o que permitiu aos portugueses uma reflexão sobre o seu mundo e o mundo dos outros. Esta reflexão proporcionada pelo PP levou os portugueses a concluírem que não era da grandiosidade de Portugal o que eles gostavam, mas sim da sua pequenez.
E esta mensagem subliminar transmitiu-se através das gerações passando a constituir um arquétipo. Contra este processo de assimilação da pequenez lutaram alguns grandes nomes das Artes, Letras e Ideias, mas de nada valeu a eloquência do verbo e a astucia da argumentação contra aquilo que foi assumido como vocação, como factor de identidade. A Pequenez tornou-se razão maior de Portugal e isso reflectiu-se de forma imediata naquela que foi a maior herança que os portugueses doaram ao mundo: a Língua Portuguesa.
Os diminutivos passaram a predominar na comunicação oral dos portugueses. O Zé é Zezinho ou Zequinha, o Nelo é Nelinho ou Nelito, o coitado é coitadinho, o pobre é pobrezinho, o bonito é bonitinho, o mau é mauzinho, o bom é bonzinho, os santos transformaram-se em santinhos, o coxo em coxinho, etc., etc., tornando tudo muito comezinho Todas estas expressões relevam a grandiosidade da pequenez, fenómeno única na Historia dos Povos.
Com a queda do Imperio Português, na década de setenta do século passado, este sentimento foi reforçado. Portugal já não é mais do Minho a Timor, mas sim um pequeno rectângulo situado num “cantinho” da Europa. Dos tempos áureos dos Descobrimentos (feto do Império), resta Portugal Insular, hoje duas regiões autónomas que em conjunto com Portugal Continental (o pequeno rectângulo situado num “cantinho” periférico da Europa) formam Portugal.
Esta redução do “espaço português” representou um trampolim (um grande salto em frente) para a afirmação identitária da pequenez na “alma lusitana”, ou seja, na praxis cultural quotidiana dos portugueses. A Pequenez passou a representar a realidade espacial, já não era um factor contraditório entre o sentir e os factos, entre o Ser e o Estar (como acontecia antes do vinte e cinco do quatro de 1974), mas reflectia a fatalidade geográfica da ocupação espacial do “cantinho”, do “rectângulo”. O espaço ocupado pelos portugueses tornou-se real, concreto, deixou de ser mitológico e mitómano e passou a ser objectivamente pequeno, acantonado, rectangular (tal como o dos italianos que, depois de todas as peripécias históricas do Imperio Romano, consubstancia-se numa bota).
Desta forma os portugueses descobriram aquilo que sempre foram: Europeus.
II - Esta descoberta não teve nada de épico, ao contrário das descobertas anteriores – a do caminho marítimo para a India e da descoberta do Brasil, ou da apropriação que os portugueses fizeram no continente africano - e não representou um “dar novos mundos ao mundo” – como nos séculos idos – mas consistiu, tão-somente, num simples “dar um mundo a si próprio”. A importância desta descoberta que os portugueses fizeram sobre si e sobre a sua condição deveria ter produzido um Portugal novo, que integraria a nova ordem global inserido no seu espaço cultural e social, o espaço europeu. Mas não.
A nova descoberta apenas serviu para ampliar a Pequenez. Os portugueses descobriram que afinal (no espaço europeu) eram os que recebiam menos salário, tinham pior qualidade de vida, baixa produtividade, baixo nível educativo, péssima formação e um rol imenso e infindável de factores que demonstravam o seu atraso em relação á média europeia.
Perante esta realidade dois caminhos restavam: ou assumiam a sua condição de subdesenvolvimento periférico no espaço europeu e metiam mão á obra (uma ruptura que daria continuidade á ruptura iniciada em vinte e cinco do quatro) ou continuariam na senda da sua incomensurável Pequenez e “desconseguiam” o processo histórico de ruptura iniciado em Vinte cinco barra Quatro. Optaram, os portugueses por este último caminho, uma estrada esburacada e remendada.
Ao não assumirem o processo de ruptura (uma descontinuidade schumpeteriana, consequência da entropia e causa do eterno retorno nietzschiano, ou seja, de um novo ciclo) os portugueses aumentaram a amplitude dos seus fantasmas estruturais, orgânicos, que Luís Vaz de Camões denominou de Velhos do Restelo. Desta forma permaneceram mergulhados na mitologia mitómana que os acompanha desde os tempos em que construíam o seu Imperio Colonial, representada em momentos de crise da soberania nacional através do sebastianismo e - durante o longo e doloroso processo de decadência e de degradação - na figura do V Imperio, um Imperio virtual, da Língua e da Cultura, “do espirito”, uma espécie de “destino”, um “fado”, no fundo um opiáceo para as massas, que mantivesse o sentido da grandeza, onde esta, efectivamente, já não tinha lugar (Um fenómeno similar, mas menos erótico, á representação da realidade japonesa, escrita por Mishima no Imperio dos Sentidos).
Nem a Revolução Liberal, nem a I Republica, livraram-se deste fardo que minou a superestrutura, transformado em antropema. A degradação atingiu o seu cúmulo com a Revolução Nacional e a proclamação do Estado Novo, construido sobre os escombros da sífilis, da tuberculose, do alcoolismo (alimentado pela propaganda através do slogan: “Beber vinho é alimentar um milhão de portugueses”) e do analfabetismo. O Estado Novo proclamou a grandiosidade balofa da Portugalidade, da Alma Lusitana e do Espirito de Missão dos portugueses no mundo e criou o conceito da Raça Portuguesa (não confundir coma Raça Lusitana, dos cavalos), refazendo a História e adicionando aos factores mitológicos a Aparição da Nossa Senhora aos Pastorinhos (miúdos pobres e esfomeados, demasiado novos para serem alcoólicos e sifilíticos, mas correndo o risco da tuberculose, obviamente analfabetos) e fazendo renascer o espirito das touradas (toureiros, cavaleiros, forcados, farpas, capas, bois, cavalos e vacas para tirar os bois da arena).
Fado, futebol, touradas e Fátima, foram adicionados ao fenómeno mitológico, assimilados pela mitomania lusitana e habilmente transformados em factores propagandísticos pelo Estado Novo. Era a grandiosidade levada ao extremo do ridículo e do absurdo, num Portugal do Minho a Timor, de aquém e d`além mar, metrópole e ultramar, pilar da civilização cristã ocidental e pais civilizador. Foi nesse Portugal que surgiu o PP, o testemunho mais identificativo da insustentável ilusão da pequenez.
III - Nos tempos que correm, tempos de crise turbulenta e permanente, o conceito da Pequenez ampliou-se e os portugueses assistem, alarmados, ao sucedâneo de personagens que assolam a vida politica do país, vindos não se sabe de onde, mas todos com o mesmo perfil e com o mesmo gosto pelo discurso barato e pelas ideias ausentes. Estas figuras foram-se acumulando nos aparelhos partidários pertencentes ao “arco da governação” e constituem uma multidão razoável de figuras, cujo principal sentido é o de empobrecer a galeria politica portuguesa.
Em paralelo aos personagens que surgem na cena politica, surgem também novas figuras e renovam-se os velhos personagens da vida económica do país. Completa-se, assim, um quadro de aves raras e exóticas, principalmente papagaios e catatuas, mas também alguns abutres (coisa costumeira nestas ocasiões). Jovens pardalitos esvoaçam assustados em torno de alguns faisões e as penugens de muitos pavões já não apresentam o esplendor de outros tempos.
O actual governo é o melhor exemplo da pequenez portuguesa. Constituído por uma coligação de dois partidos (o PSD/PPD e o CDS/PP) tem uma particularidade: todos os seus ministros e secretários de estado são figuras de pequeno pensar. É o governo mais adequado para o PP. O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho é um desses personagens que passou toda a vida em bicos de pés, tentando sempre chegar onde não é bem-vindo e estando sempre em locais para onde nunca foi chamado. Á inteligência não deve nada e limita-se á esperteza que caracteriza os burros.
O pilar do governo é um personagem batido nos corredores políticos do poder e pode ser comparado a uma raposa. Paulo Portas é uma figura controversa quanto baste, que toma atitudes irresolutas de uma forma irresolutamente ambígua e é um símbolo vivo do PP (e também do seu partido o CDS-PP, que não são iniciais de CDS Paulo Portas, mas sim de CDS Partido Popular, sendo o CDS as iniciais de Centro Democrático e Social).
A este governo já pertenceu gente com um excelente curriculum académico (e ainda por lá andam alguns, na Justiça e na Defesa, por exemplo), outros de curriculum duvidoso (que já lá não está, mas por lá devem de andar outros, mais cuidadosos e discretos) gente de aparente bom senso (que ainda por lá andam, na Administração Interna), gente que percebe a potes de Gestão e outras técnicas de sofismo e uma carrada de gente que é isso mesmo: gente.
Na pasta das finanças, por exemplo, existiu um homem inteligente (sem duvida, embora teimoso como as suas antípodas e provindo de uma ortodoxia financeira pouco recomendável) que foi substituído por uma senhora que afundou-se e afundou os noticiários e os trabalhos parlamentares em swaps (não as vendeu, mas utilizou-as e agora que já não necessita anda a denegrir o produto, os seus fornecedores e os seus utilizadores).
Também na pasta da economia, andou por lá um sujeito inteligente e recomendável a todos os que apreciam uma boa conversa e um simpático sorriso, mas que por ser demasiado “académico”, as empresas, ou melhor, os empresários portugueses não compreendiam (o que não abona nada a favor dos empresários portugueses, que não conseguem entender raciocínios expressos em mais de três palavras) e que, por isso, foi substituído por um vendedor de cerveja, personagem que parece ter uma grande popularidade nos meios empresarias e que fala por conjuntos onomatopaicos, expressando assim as ideias que os empresários portugueses compreendem.
Este é o cenário da governação do PP, que para ficar completo, tem de mencionar o Presidente da Republica, professor doutor Aníbal Cavaco Silva (ACS) o símbolo perfeito da pequenez da nação. Economista de formação, ACS é um homem que economiza nas ideias e no pensar, para que tudo fique simplificado e bem embrulhado, de preferência em cartucho de merceeiro que é mais barato. Despreza os embrulhos em papel caro e não gosta de ver a decoração das paredes da sala da Comissão Europeia, se dermos alguma credibilidade ao olhar de desprezo que fez, quando o presidente da dita comissão (Durão Barroso) mostrou-lhe a dita cuja parede. ACS é o melhor representante, na actualidade, dos Velhos do Restelo e do seu espirito bolorento, o que, uma vez mais, o torna o homem certo no lugar certo, se atendermos, claro, á finalidade do PP: o eterno “jardim á beira-mar plantado”…
IV - E quanto ao “nobre povo”, o braço de trabalho da “nação valente e imortal”? Está nas “brumas da memória” provavelmente a tomar Memofante, para se lembrar dos tempos em que tinha emprego e que não ouvia a lengalenga da flexibilização e do défice e das contas por pagar e da baixa produtividade e da divida e outros contos de fadas que inventaram para os cidadãos que passaram séculos a “marchar, marchar”, não contra os canhões (conforme reza o hino) mas contra moinhos de vento quixotescamente implantados no seu caminho pelos Velhos do Restelo (de Espanha nunca veio bom vento nem bom casamento, já lá dizia a sabedoria popular portuguesa, tingida na pele pelos casamentos desastrosos dos seus monarcas, mas foi de Espanha que veio esta imagem dos moinhos de Cervantes).
Os operários portugueses (uma mão-de-obra com um nível apreciável de especialização) foram desmembrados quando a velhada do Restelo desindustrializou o país. Os camponeses e os pequenos agricultores foram transformados em cidadãos subsidiados, quando os caquéticos do Restelo consideraram que a agricultura já não dava e o mesmo aconteceu aos pescadores e afins, quando a tenebrosa brigada do reumático da mitomania lusitana considerou que o mar era só praia e turismo.
Os Velhos do Restelo trouxeram reforços e agora o PP está entregue a uma troica de interesses díspares, disparatados e dispersos. É um regabofe camiliano, ou se preferirem uma desmesurada leviandade queirosiana que transforma Portucale (já interiormente minado pela sua pequenez) em Poraocalhas. Não é nenhuma obra-prima do mestre (os Velhos do Restelo já estão demasiado trémulos para isso e os comissários da troica não têm nas Belas Artes a sua vocação) mas é a prima do mestre-de-obras. E fica tudo mais pequenino, mais comezinho e mais pobrezinho, como nos tempos em que o Sal e o azar Pide ficaram o país, petrificaram a vida e estupidificaram a alma da nação.
O mestiço Almada Negreiros, são-tomense, conhecia bem os Velhos do Restelo, que nas Letras da época, eram personificados por um tal de Júlio Dantas. Almada sabia qual era a solução e proclamou-a: “Pum-Pum! Morra Dantas!” Mas como os portugueses vivem no Portugal dos Pequeninos a coisa não poderá ser solucionada de forma tão cruel. Talvez a solução (sem ter eu o génio de Almada…nem chego aos seus calcanhares) seja um “Pim Pam Pum! Não fica nem um!”