Thursday, August 1, 2013

THE GREAT CITIZEN DISASTER



Rui Peralta, Luanda

I - É do conhecimento geral que a administração Obama conduz um programa massivo de vigilância interna, através da recolha de registos telefónicos de milhões de clientes da companhia VERIZON. O jornal The Guardian, de 6 de Junho de 2013, publicou a ordem classificada que o tribunal especial criado no âmbito do Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA) enviou á VERIZON, para que a empresa entregasse á NSA (agencia de Segurança Nacional) os registos eletrónicos dos seus clientes, inclusive os registos das chamadas diárias, de cada cliente, com a indicação do destino, duração e frequência das chamadas telefónicas, mas sem revelar o conteúdo das comunicações.

Mas não foi apenas a VERIZON que foi forçada a entregar as bases de dados. Já em 2010 um agente da NSA, Thomas Drake, foi acusado pela administração Obama de ter violado o Espionage Act, por ter cedido informações classificadas á imprensa, sobre a recolha de dados de cidadãos norte-americanos, efectuada pela NSA nas empresas privadas. O processo foi arquivado e Drake foi demitido, mas a NSA continuou a recolha de informação massiva. Esta actuação da NSA é permitida pelo Patriot Act - a legislação anticonstitucional criada pela histeria provocada pelo 11 de Setembro de 2001 – que alargou o FISA. Portanto, esta é uma práctica que desde á muito, pelo menos desde finais de 2001, é utilizada de forma permanente e indiscriminada pela NSA.

Existem empresas privadas que participam voluntariamente neste programa, a nível estadual e municipal, fornecendo regularmente os dados á NSA (o que não era o caso da VERIZON, que foi forçada a fazê-lo, compelida pela ordem do tribunal especial). A Secção 215 do Patriot Act autoriza o governo a recorrer a tribunais especiais de forma a ampliar as investigações e a produzir "any tangible thing relevant to a foreign intelligence or terrorism investigation" conforme o original do texto da dita Secção. O que se passou com a VERIZON (apenas conhecido graças a um artigo de Glenn Greenwald no The Guardian) já ocorreu com a BellSouth e a AT&T, em 2006, por exemplo, segundo um artigo desse ano do USA Today.

Cerca de 280 milhões de cidadãos norte-americanos já viram a sua vida vasculhada e a sua privacidade devassada pela NSA. Preocupados, alguns senadores e congressistas tentam adquirir o controlo da situação e recolocar as Agencias sob alçada da Constituição. Mas o desequilíbrio causado pela legislação “antiterrorista” cria um muro em torno desta questão, exacerbando a função do executivo e condicionando o poder legislativo na sua actuação, ao mesmo tempo que subordina o poder judicial. Esta situação vivida após o 11 de Setembro, com tendência a gravar-se, é caracterizada pelo espezinhar das liberdades individuais e pelo encerramento das garantias constitucionais.
   
O senador democrata, Ron Wyden alertou, em 2011, para as consequências do FISA - cuja actuação foi ampliada pela Secção 215 do Patriot Act - nos seguintes termos: “When the American people find out how their government has secretly interpreted the PATRIOT Act, they are going to be stunned, and they are going to be angry. (…) The fact is, anyone can read the plain text of the PATRIOT Act, and yet many members of Congress have no idea how the law is being secretly interpreted by the executive branch, because that interpretation is classified. It’s almost as if there were two PATRIOT Acts, and many members of Congress have not read the one that matters. Our constituents, of course, are totally in the dark. Members of the public have no access to the secret legal interpretations, so they have no idea what their government believes the law actually means.”

O volume de informação conseguida pela devassidão da privacidade ultrapassa as 300 milhões de chamadas telefónicas por dia, o que representa, se esta for uma práctica constante e diária dos Serviços de Bisbilhotice dos USA, desde o 11 de Setembro de 2001, mais de 12 triliões de chamadas gravadas nas bases de dados dos Alcoviteiros de Washington. Estes dados são referentes apenas a chamadas telefónicas, deixando de lado o correio eletrónico dos cidadãos norte-americanos. Têm razões de sobra, os senadores e congressista, para desconfiarem e alertarem os restantes cidadãos. Mas a questão central é se ainda terá o poder legislativo a força suficiente para pôr termo á actua situação.

O Estado de Vigília Permanente que a Casa Branca, desde 2001, pretende instaurar transformando a Espionagem e os Serviços de Inteligência em lavandarias de roupa suja e fazendo dos espiões um bando de alcoviteiros, que bisbilhotam a vida alheia do próximo, sem que isso tenha nada a ver com as suas funções, é uma abjecta violação da Quarta Emenda e de todo o espirito constitucional da nação norte-americana. Estamos na presença de uma profunda crise, sofrida por uma sociedade que se arvora ares de superioridade, sempre que os temas de discussão sejam a liberdade, a democracia e os direitos humanos.

II - O secretismo e a obsessão com o segredo, por parte da administração Obama (e que já era notório na administração Bush, qua a antecedeu), criam uma situação em que o poder executivo recusa-se aos exercícios mais elementares de fiscalização do poder legislativo e deixa o poder judicial de pés e mãos atadas. Por outro lado a fonte de poder, a soberania popular, é constantemente manipulada através do terror. Desde o 11 de Setembro (que transformou-se num secreto golpe de estado institucional, dirigido contra o poder legislativo e o poder judicial) as administrações norte-americanos aperfeiçoaram o terror como forma eficaz de domínio e de subjugação.

Os cidadãos norte-americanos são dominados pelos imensos espetáculos de terror, sabiamente aproveitados e montados pelo Estado, que os coloca sob a permanente dualidade: Liberdade ou Segurança? É evidente que uma classe média assustada, que vive sob os efeitos do medo, adquire neuroses fascistoides e opta pela segurança, deixando que os seus direitos sejam espezinhados, em nome da luta contra o terrorismo e em nome daquela que deveria ser a sua segurança e não o seu guarda-prisional.

Observe-se as sequências de casos relacionados com o uso mortal de armas, que quase diariamente a máquina de propaganda relata aos aterrorizados cidadãos. A Constituição, desde a fundação dos USA, sempre garantiu o uso de armas ao cidadão, medida que os pais fundadores da nação norte-americana consideravam necessária e imprescindível para assegurar a democracia e garantir a defesa dos seus direitos. Após o 11 de Setembro torna-se evidente uma obsessão com o armamento em posse dos cidadãos. Em vez de optimizar os procedimentos e regulamentar devidamente o acesso e o uso de armas de fogo, o Estado norte-americano inicia uma cruzada contra a posse de armas por parte dos cidadãos, espalhando e evidenciando o terror.

Esta tensão constante é sentida também ao nível da informação prestada aos cidadãos sobre acordos internacionais. Foi o que aconteceu com as últimas negociações sobre o Trans-Pacific Partnership (TPP), recentemente negociado á porta fechada em Lima, no Peru. A administração Obama recusou difundir o texto e o Congresso foi completamente excluído do processo, não sendo informado sobre o curso das negociações. Em 2012, os norte-americanos tomaram conhecimento, sob a forma de rumores, que o TPP permitiria às corporações estrangeiras que operem nos USA, a recorrem a tribunais internacionais, sempre que se sentissem “constrangidas” com a legislação norte-americana, espezinhando assim as leis norte-americanas a seu belo prazer, assumindo-se como um poder que questiona as funções do legislador.

Desta forma as corporações ficam livres para explorar os recursos sem qualquer respeito pelas leis de trabalho locais, pelas obrigações fiscais e ignorando as legislações ambientais, transformando-se em centros de poder, muito acima dos Estados soberanos e dos mecanismos de controlo das suas actividades. E se este ponto do tratado é nocivo para os USA, centro de muitas das corporações multinacionais, imagine-se em países como o Peru, o Chile, Colômbia, Costa Rica, enfim com os estados da América do Sul e da América Central, signatários do acordo.
         
Existem mais de 500 processos judicias a recorrerem em todo o mundo, onde as grandes corporações exigem indeminizações avultadas aos Estados. A norte-americana Bechtel, sediada em San Francisco, processou a Bolívia em 50 milhões de USD. A Philips Morris   processou o Uruguai, num tribunal suíço, exigindo centenas de milhões de USD, por a legislação uruguaia, revista, ter passado a obrigar a marca a colocar os avisos sobre o uso de tabaco ser prejudicial á saúde, nos maços de cigarro. Em El Salvador a comunidade de Las Cabañas descobriu que uma empresa mineira canadiana envenenava as reservas de água potável da comunidade, durante o processo de extracção de ouro do subsolo e pediram a intervenção das autoridades para solucionarem o assunto. A companhia não só ignorou as inspecções, não permitindo o acesso á zona de exploração, como desactivou a exploração e processou o Estado de El Salvador em 315milhões de USD, o que representa 1% do PIB daquele país. 

Os processos de indemnização a que as corporações recorrem contra os Estados constituem novos derivativos dos mercados, tal a importância dos valores envolvidos. E não são apenas os países pobres as vítimas. A Alemanha, por exemplo, foi processada pela sua moratória sobre o nuclear - apos o caso de Fukushima - por uma empresa sueca, em mais de 700 milhões de euros. Ora o TPP permite que as corporações possam exigir que os lucros preconizados nos projectos de investimentos sejam indemnizados em caso de não serem alcançados por impeditivos legislativos, o que deixaria os USA tão vulnerável, ou mais, quanto os seus vizinhos Latino-Americanos.

O mercado da Ásia-Pacifico representa 40% do comércio global. Em 2010 os USA exportaram, para esta região, bens, produtos e serviços no valor de 775 mil milhões de USD, que representaram cerca de 60% do total das exportações norte-americanas, nesse ano. As exportações norte-americanas de bens alimentares para a região, aumentaram cerca de 25% nos dois últimos anos e o sector de serviços e turismo dos USA representam 40% dos serviços em toda a região. O volume de exportações das pequenas e médias empresas norte-americanas para este mercado foi avaliado em, mais de 170 mil milhões de USD.

Estamos, pois, perante a presença de um importante mercado para os USA. A obsessão com o secretismo, que caracteriza a actual administração norte-americana, interfere com o interesse público dos cidadãos norte-americanos que vêm bloqueada a obtenção de informações sobre o TPP. A lengalenga do segredo ser a alma do negócio, não pode ser aplicada aos negócios públicos – e quando existe essa necessidade, os procedimentos devem conter o máximo de transparência e com duração de curto ou médio prazo – embora Obama parta de uma lengalenga inversa (e mais perigosa): o negócio é a alma do segredo.

III - Esta relação entre segredo e negócio e entre estes e o clima artificial de insegurança é evidenciada no PRISM, a ultima palavra da segurança eletrónica e da vigilância permanente. O PRISM, o superprograma de híper-vigilância, foi implementado pela NSA através de acordos com a AT&T e outras companhias, permitindo o acesso aos cabos. Só que, para além do acordado com as companhias, a NSA instalou, secretamente, as denominadas splitter box, caixas por onde passam as cablagens, fazendo a derivação de sinal, mantendo-se o sinal na rede de comunicação enquanto é criada uma cópia do sinal que é desviada para as salas da NSA. As splitter box e o sofisticado equipamento de última geração que equipam as salas da NSA são produzido e desenvolvido por duas empresas israelitas a NARUS e a VERINT duas pequenas empresas, mas com elevado volume de negócios, produtoras de hardware e software, cujas listas de clientes - para além dos serviços de inteligência dos USA e Israel – inclui o Reino Unido, a França, a Itália, a Espanha, o Canadá, a União Indiana, a Colômbia, o Vietname, a China e a Geórgia.

A VERINT teve alguns problemas quando o seu CEO (Jacob “Kobi” Alexander, actualmente refugiado na Namíbia, onde adquiriu uma pequena empresa de telecomunicações - que tem clientes como os Estados namibiano, sul-africano, zimbabueano e moçambicano - enquanto luta contra o processo de extradição para os USA) e mais dois altos executivos da empresa foram acusados de fraude fiscal. Algumas remodelações na empresa foram suficientes para limpar a imagem da companhia e assumir novamente a responsabilidade dos chorudos contractos efectuados. A NAURUS, por sua vez, é uma empresa muito mais discreta, que recruta os seus quadros técnicos nas Universidades israelitas, norte-americanas e indianas e desenvolve, também, projectos­ com as Universidades da U.E., Japão, Coreia do Sul, Singapura, Austrália e Nova Zelândia, onde cria bancos de empresas e incubadoras de negócios.
      
Para completar este quadro tecno-futurista – impregnado de uma estranha áurea surreal, que mistura James Bond com o Tony Stark, o alter-ego do Homem de Ferro - no topo da pirâmide encontra-se um personagem estranho, chamado James Clapper, o Director da NSA. Clapper é um daqueles personagens que se sentiria perfeitamente realizado nos regimes de Mussolini e de Hitler (se Stalin não fosse comunista, seria ali que se sentira profundamente realizado. Se Pol Pot e a Coreia do Norte não fossem inimigos viscerais do “americanismo” que Clapper tanto apregoa, ate seriam uns regimes simpáticos e amigos. Se Salazar não fosse católico até seria um tipo fixe para jogar snooker e beber umas cervejas). Para Clapper espiar secretamente os cidadãos norte-americanos é essencial para “protect our nation”, como afirmou recentemente perante uma Comissão do Senado.

Para lá do topo da Pirâmide encontra-se o Sol, ou melhor, Obama, o presidente-sol que justifica Clapper, afirmando “clapperiamente” que o PRISM é um programa necessário e que espiar todas as comunicações de cada cidadão norte-americano é uma violação dos direitos cívicos norte-americanos, necessária para “protects your civil liberties”. Estranho conceito constitucionalista…Será que Obama prepara-se para realizar uma reforma constitucional, o primeiro passo para a constitucionalidade do Leviatã?

Fontes
Craig Roberts, Paul and Stratton, Lawrence The Tyranny of Good Intentions Random House 2nd edition, 2013
USA Today, Archives, 2006
The New York Times, Archives, December 2005
Associated Press, Archives, John Solomon, 2000

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