Rui Peralta, Luanda
I - Nas duas últimas décadas os níveis salariais na China aumentaram constantemente e o desenvolvimento económico criou novas oportunidades de emprego. No entanto este processo incrementou as disparidades geográficas, assim como as disparidades entre sectores industriais, assim como entre os altos executivos e os trabalhadores e ampliou o fosso entre ricos e pobres. Por outro lado os salários mais baixos sofreram uma erosão devido ao aumento do custo de vida. Continuam em crescendo e atingindo proporções graves, os atrasos salariais.
A Lei de Trabalho, de 1994, estabelece a semana de trabalho de 40 horas, não podendo as horas extraordinárias exceder as 3 horas por dia ou as 36 horas por mês, segundo o artigo 41. O pagamento das horas extraordinárias não pode ser inferior a 150% sobre o valor de salário/hora, durante os dias normais de trabalho. Os dias de descanso são pagos a 200% e os dias de festas nacionais a 300% sobre o salário/hora, modalidades impostas pelo artigo 44. O artigo 50 proíbe o atraso no pagamento salarial e a dedução dos salários, estabelecendo o pagamento mensal dos salários em moeda corrente, enquanto o artigo 51 estabelece a obrigatoriedade do pagamento das férias, licença por matrimónio e por falecimento de familiares directos.
Sobre a questão do salário mínimo a Lei de Trabalho de 1994 estabelece, de forma vaga e imprecisa, que o salário mínimo legal deve “fixar-se a um nível suficiente para satisfazer as necessidades diárias dos empregados.” Em Março de 2004 o governo implementou as directrizes dos cálculos e ajuste do salario mínimo, estabelecendo que os governos regionais devem determinar e ajustar o salário mínimo mensal, tendo em conta os seguintes factores: O custo de vida mínimo dos empregados locais e seus dependentes; o índice de preços ao consumidor, nas camadas urbanas; as contribuições aos fundos sociais da segurança social e habitação pagos pelos trabalhadores; o salario médio praticado na região e o nível de desenvolvimento económico e da oferta e procura de mão-de-obra na região.
Esta directriz que estabelece os cálculos para estabelecimento do salario mínimo, cria uma margem alargada de níveis mínimos de salário em todo o país, pois ao fazer depender da realidade regional a base do cálculo, o salario minino evolui em função das assimetrias regionais. Assim os valores mínimos salariais mais elevados são praticados nas regiões costeiras, mais desenvolvidas economicamente, enquanto o interior comporta os salários mais baixos, embora alguns governos regionais do interior, como o do Tibete e de Xinjiang, estabelecessem níveis de salario mínimo elevados, com a intenção de atrair trabalhadores emigrantes. Segundo dados oficiais de Maio deste ano, o salário mínimo mensal mais elevado foi o de Shangai (1620 yens) seguido por Shenzen (1600 yens), sendo o salário mínimo mais baixo registado na província central de Anhui (1010 yens).
Mas também as assimetrias internas de cada província são reflectidas nos diversos níveis de salario mínimo. Existem regiões onde convivem quatro ou cinco níveis, espelhando as assimetrias cidade/campo, zonas urbanas/zonas rurais e as diversas assimetrias entre as áreas urbanas, podendo os leques salariais mininos serem consideráveis. Em Guangdong, por exemplo o salário mínimo na capital provincial, Guangzhou é de 1550 yenes, mas em Maoming, uma zona rural de Guangdong, o salário mínimo é de 1010 yenes, ao nível mais baixo nacional, idêntico ao da província de Anhui.
Para corrigir estas assimetrias o Governo central recomenda que os salários mínimos devem estabelecer entre 40% a 60% do salário mensal médio e que os governos locais devem proceder a uma revisão anual do cálculo. Em 2008 o governo central anunciou o congelamento dos aumentos do salário mínimo, devido á crise internacional. Dois anos depois, em 2010, as províncias começaram a elevar os seus salários mínimos, novamente e desde esse ano todas as regiões aumentaram os seus salários mínimos, em várias ocasiões, com um incremento médio anual de 22% entre 2010 e 2012 e em 2012 um total de 25 províncias aumentaram os salario mínimos regionais em cerca de 20%.
II - No Plano Quinquenal em curso (2011-2015) na China, prevê-se um aumento do salário mínimo de 13% ao ano e finalmente chegar aos 40% do salário médio. O nível de salario mínimo em muitas cidades encontra-se bastante abaixo dos 40% do salário médio das províncias. Em Shangai, no ano passado o salário mínimo foi de 1450 yenes, cerca de 31% do salário médio (4700 yenes), em Pequim, no ano de 2011, o salario mínimo era de 1160 yenes, cerca de 25% do salario médio (aproximadamente 4700 yenes) e em Chongqing, o salario mínimo de 870 yenes, em 2011, representava cerca de 26% do salário médio da região, (pouco mais de 3300 yenes).
A nível internacional o salário mínimo da China (pelo menos nas cidades litorais) encontra-se na média dos países asiáticos. Embora bastante inferiores aos praticados no Japão, Coreia do Sul e Singapura, os trabalhadores chineses auferem de salários mínimos muito superiores aos dos trabalhadores do Vietname, Camboja, Bangladesh e Coreia do Norte. Mas as estatísticas oficiais ocultam grandes diferenças entre os distintos grupos de trabalhadores, sectores e regiões.
O salário dos trabalhadores migrantes, por exemplo, ficou muito abaixo da média nacional. Segundo o Instituto Nacional de Estatística da China o salário médio mensal dos migrantes, em 2012, era apenas de 2290 yenes, o que representa um aumento de 11,8% em relação a 2011 (2049 yenes). O salário médio mensal em 2011 foi de 3500 yenes, 75% mais alto do que o dos trabalhadores migrantes. Também surgiram diferenças salariais consideráveis entre o sector das finanças, remunerado com o dobro do salário da indústria e o triplo do valor dos salários da hotelaria e restauração.
Por outro lado o fosso entre salários mais altos e mais baixos em cada sector aumentou. Em 2010 o salário médio anual dos director-gerais foi de 355 mil yenes, quase 10 vezes superior ao salário médio nacional desse ano. Um outro exemplo elucidativo deste fosso é a evolução dos salários médios dos conselheiros delegados em relação aos salários médios nacionais: cerca de 4 vezes superiores em 2001 e 9 vezes superiores em 2005. Nas grandes empresas publicas o salário dos altos executivos, em 2011, rondavam os 700 mil yenes anuais, 16 vezes superior aos salários médios dos empregados das empresas públicas.
III - Os aumentos salariais dos últimos anos foram em grande parte devidos às pressões de uma nova geração de trabalhadores, que não toleram os baixos salários e as duras condições de trabalho, suportadas pelas gerações anteriores. Com melhor formação profissional que os seus pais têm maiores expectativas e aspirações e são muito mais conscientes dos seus direitos laborais. Com acesso á Internet muitos são activos nas redes sociais, difundindo em tempo real os conflitos laborais e as reivindicações. Esta pressão leva a que os governos locais tentem resolver os problemas entre as administrações das empresas e os trabalhadores, de forma a evitar o que consideram “uma má imagem” para a sua região.
Um outro factor que já se faz sentir na economia chinesa é a diminuição da taxa de natalidade. Actualmente há menos jovens trabalhadores a incorporarem-se na força laboral, ou seja, esta envelheceu. Enquanto no passado recente parecia existir uma fonte quase inesgotável de jovens trabalhadores em busca de emprego e de rejuvenescimento permanente da força laboral, hoje a oferta de mão-de-obra está abaixo da procura, o que força os empregadores a oferecerem salários mais altos, se querem contratar novos trabalhadores ou a manterem os existentes.
Por sua vez a falta de pagamento ou o atraso e parcialização do pagamento são comuns e tendem a crescer de forma exponencial, o que gera o protesto dos trabalhadores, geralmente manifestado frente aos edifícios do governo. O sector da construção foi responsável por 80% dos cerca de 220 mil caso registados pelas autoridades chinesas do trabalho e da segurança social, sendo a grande maioria das vítimas trabalhadores migrantes.
As autoridades locais tentam resolver este problema através de um sistema de fundos de contingência para garantir o pagamento dos salários, a tempo e na sua totalidade. Em 2011 os governos locais ajudaram cerca de 6 milhões de trabalhadores a recuperarem ao redor de 2 mil milhões de yenes em salários atrasados. No mesmo ano foi introduzido uma alteração no Código Penal, passando a falta de pagamento salarial pelas entidades patronais - desde que a empresa não esteja declarada em situação de pré-falência – a ser considerado um delito passível de condenação.
Em Dezembro de 2012 existiam um total de 152 processos criminais, estando concluídos 134 processos e 120 condenados. A maioria dos casos eram processos que representavam salários em atraso num valor acima de um milhão de yenes, mas em Maio de 2013 o Tribunal Supremo de Henan anunciou que qualquer empregador que devesse mais de oito mil yenes em salários atrasados ou em pagamentos parciais por um período superior a três meses sofreria sanções, mas apesar dos dispositivos legais este é um fenómeno que teima em persistir.
As causas do fenómeno devem ser procuradas nos mecanismos de crédito e nas diversas camadas de subcontratação. No caso da construção (o sector mais afectado pelos salários atrasados) sempre que a concessão de crédito endurece e o acesso ao credito torna-se difícil, os promotores imobiliários deixam de pagar às empresas de construção e estas não pagam às subcontratadas, que por sua vez deixam de pagar os salários aos trabalhadores. Por sua vez, no sector fabril, sempre que se manifesta uma quebra na procura, os clientes não cumpram com os prazos de pagamento ou as fábricas não consigam negociar devidamente os créditos bancários, começam os atrasos salariais. Em muitos casos os donos das fábricas venderam os activos, incluindo a utilização da fábrica, antes de fecharem sem pré-aviso e fugirem, deixando os trabalhadores sem outras opções a não ser a de recorrerem aos governos locais. Na maioria destes casos os trabalhadores terão alguma sorte se conseguirem receber um terço ou metade do montante da divida.
IV - A China já não tem uma fonte inesgotável de jovens trabalhadores rurais, dispostos a irem para as cidades e aí trabalharem nas linhas de produção, de forma precária, sem condições e sem horários estabelecidos a troco de um salário considerado de subsistência, mas que apenas permitia subsistir a fome e a miséria. A escassez de mão-de-obra, causada por factores demográficos e a determinação e capacidade profissional da nova geração de trabalhadores, associadas á sua determinação e capacidade organizativa, implicaram uma subida dos salários e das condições de trabalho, o que obrigou muitos empregadores a transladarem-se para zonas de menor custo, como o Bangladesh e o Camboja.
É manifesto que a taxa de aumento salarial dos trabalhadores não acompanha as taxas de aumento salarial dos sectores de topo (directores, engenheiros, quadros superiores, etc.) o que provoca uma disparidade nos salários. Por sua vez o aumento do custo de vida obriga a que os trabalhadores com salários mais baixos despendam uma parte maior do seu salario para cobrir as despesas com alimentação, habitação e transportes. O fosso entre ricos e pobres aumenta e o descontentamento social torna-se evidente e manifesto, o que tornou este fenómeno numa das principais prioridades da nova direcção política do país.
Em Fevereiro deste ano, o Conselho de Estado decretou uma série de políticas tendentes a diminuir o fosso entre ricos e pobres, onde se incluía a melhoria dos salários mais baixos e colocou tectos salariais ao nível dos executivos. Mas é pouco provável que estas medidas possam produzir os resultados desejados, por uma razão simples e básica: não descem á raiz do problema.
Uma questão fundamental, por exemplo, é a ausência de uma rede de segurança social e de uma rede pública de saúde eficaz, que permita aos mais necessitados gastar mais em bens e serviços, em vez de terem de poupar (o que na maioria dos casos torna-se impossível) para assegurarem uma velhice tranquila e para as eventualidades da saúde. Outra questão prende-se com a necessidade de desenvolver um sistema de negociação colectiva, ao nível da empresa, que permita que as negociações entre trabalhadores e corpos directivos das empresas decorram em pressupostos realistas, baseados nos factores de rentabilidade da empresa, produtividade dos trabalhadores e custos locais de vida.
O aparecimento de novas estruturas organizativas de trabalhadores, autónomas e afastadas da direcção politica e da ineficaz e incipiente burocracia sindical - completamente amarrada ao aparelho de estado e afastada do mundo do trabalho - é uma marca dos novos tempos e uma consequência da cultura da nova geração de trabalhadores. Estas organizações são as mais capazes para dar resposta aos problemas, porque nasceram no turbilhão das alterações políticas e económicas sofridas pelo país nas últimas décadas e espelham as necessidades e aspirações dos trabalhadores no actual quadro socioeconómico e politico.
Existe ainda uma outra vertente, produto das políticas macroeconómicas desenvolvimentistas chinesas: o desemprego. As bolsas de desemprego ainda não são permanentes, mas já perderam, em algumas regiões (as assimetrias do desenvolvimento), o seu carácter residual. Este é um fenómeno que irá afectar a sociedade chinesa de forma crescente e inevitável, se as políticas macroeconómicas, centradas no desenvolvimentismo, não forem alteradas e substituídas por políticas integradas de desenvolvimento.
Enquanto isso, os novos ventos geram incontornáveis redemoinhos e o olhar de Mao continuará a vaguear, perdido, na praça de Tiananmen.
Fontes
China Labour Bulletin January-June 2013
Anuário Estatistico da China, 2012
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