Fernanda Mestrinho - Jornal i, opinião
Toca o telefone em casa dos meus pais. Duas da madrugada. “Vem trabalhar. Começou a Revolução.” Lá fui, jovem, no meu carocha para o “Diário de Lisboa”. Não falarei, desta vez, dos vencedores, mas dos vencidos.
Cadeia de Caxias (escrevi isto na altura). Uma enfermeira fardada aproxima-se do director da cadeia, já sob prisão: “Venho solicitar autorização para abandonar o serviço.” Resposta: “Não vê que eu já não mando?” O respeitinho ainda se mantinha.
26 de Abril de 74, entrevisto a presidente do Movimento Nacional Feminino, Supico Pinto. A pergunta provocadora era se não ia para a rua apoiar os soldados, como fazia na guerra colonial. Era uma mulher em pânico. Em qualquer dos casos, o mundo desabava, entre o medo e a perplexidade.
O poder, quando perde a ligação à realidade, vive em circuito fechado e pensa que não tem fim, isto em ditadura. Em democracia faz-me impressão, nomeadamente quando dispõe de media e opinião pública informada.
É um pouco o que se está a passar em Portugal. Jardins da Presidência em Belém fechados no 25 de Abril, residência oficial do primeiro-ministro com trancas à porta e mesmo na Assembleia as galerias bem controladas. Ressalvo: o bom discurso da presidente do parlamento, Assunção Esteves. Conseguiu representar todos os portugueses.
Vive-se um clima de queda. Os dirigentes com discursos desconexos e desorientados dizem que vão mudar a política para que tudo fique na mesma. Os cidadãos não confiam. Tal como no 25 de Abril, o impasse não pode durar sempre.
Jornalista/advogada - Escreve ao sábado
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