Monday, April 29, 2013

ITÁLIA: AS ARMADILHAS QUE ESPERAM O NOVO GOVERNO




LA REPUBBLICA, ROMA – Presseurop – imagem Nath Paresh / Caglecartoons

Depois de dois meses de crise política, o novo Governo liderado por Enrico Letta parece responder, pelo menos em parte, ao apelo a favor de uma renovação da classe política em Itália. Restam algumas incógnitas, começando pela aliança com Silvio Berlusconi e os seus problemas judiciais.


Ninguém ignora as dificuldades que esperam o novo Governo. Baseia-se numa aliança que terá dificuldades em ultrapassar a sua natureza de quimera semi-progressista, semi-conservadora, com uma linha política obscura e um eleitorado de centro-direita em crise, confuso com o pacto com Berlusconi.

Este Governo é, de resto, fruto da urgência e de um resultado eleitoral no mínimo nebuloso. Sem maioria clara e com um Partido Democrata (PD) – primeiro partido do país – esfrangalhado, por causa da maneira calamitosa como geriu a eleição presidencial.

No entanto, este Governo representa, de certa maneira, uma viragem no remanso da política italiana. De uma só vez, quase todos os chefes de fila que lideraram e condicionaram a vida do país nos últimos vinte anos foram afastados. Não faltaram as pressões a favor do status quo – tanto da parte dos partidos como do exterior. Mas a necessidade de renovação e de sucessão acabou por prevalecer.

“Congelado” para a política

O Presidente da República, Giorgio Napolitano, desempenhou um papel determinante. Por agora, o resultado é surpreendente: o centro-esquerda perdeu os seus líderes históricos. Alguns tentaram, não sem insistência, ficar no novo gabinete, mas não conseguiram. Perdendo também, talvez, a sua última hipótese [de governarem].

Pela primeira vez, desde 1994, o centro-direita faz parte de uma equipa governamental sem Silvio Berlusconi. O símbolo dessa época ficou sem lugar. Tal como os seus antigos ministros. O primeiro-ministro anterior, Mario Monti, também ficou de lado. “Congelado” para a política sendo quase um septuagenário. Sem dúvida, assistimos ao fim de um ciclo. Resta saber se é o início de um New Deal.

A idade média dos membros da equipa de Letta é muito mais baixa do que a do Governo cessante. Com a nomeação, pela primeira vez na história de Itália, de um ministro de origem africana.

É a imagem mais marcante das mudanças que estão a acontecer na sociedade italiana e na sua estrutura demográfica. Assim sendo, o primeiro-ministro conseguiu constituir uma equipa melhor do que a aliança que a apoia. Se pensarmos nesta coligação, talvez tenha conseguido evitar o pior. Ainda assim, essas escolhas, apesar de, em parte, necessárias, marcam agora um ponto de não-retorno.

Difícil voltar aos símbolos da velha geração

A partir de agora será difícil, nas próximas eleições ou na formação de um novo governo, voltar aos símbolos da velha geração. A Itália fez uma limpeza profunda, como durante a “operação mãos limpas” dos anos de 1992-1994, mas sem processos. Uma operação que fez recuar um dos vícios típicos de Itália: a tutela quase feudal das posições dominantes – o ascensor social frequentemente bloqueado, a classe política agarrada ao poder.

Para Enrico Letta, no entanto, este foi apenas o primeiro obstáculo. E para o ultrapassar, teve de pagar um preço: confiou o poderoso Ministério do Interior a Angelino Alfano, o braço direito do Cavaliere. Um Ministério que é igualmente determinante para os problemas judiciais do líder do PDL. O Partido Democrata perdeu a quase totalidade dos grandes ministérios, apesar de ter segurado as pastas socioculturais. Uma situação que vai obrigar o novo inquilino do Palácio Chigi [sede da presidência do Conselho de Ministros] a fazer, diariamente, malabarismos entre as reticências do centro-direita e as exigências de mudança.

Cavaliere é o principal obstáculo

Porque o mal-estar reinante entre os simpatizantes e a opinião pública de centro-esquerda acabará por se manifestar. As contradições são demasiado evidentes e os confrontos dos últimos 20 anos estão demasiado abertos para se poder esquecer, de um dia para o outro, os conflitos de interesse, as leis feitas à medida e a política económica que reforçou as desigualdades e aumentou o fosso entre pobres e ricos deste país (10% das famílias mais ricas possuem atualmente cerca de 45% da riqueza total do país).

Enrico Letta sabe, sem dúvida, que o principal obstáculo no seu caminho será o Cavaliere. Sobretudo, a volubilidade política deste último, diretamente proporcional aos seus problemas judiciais. Essa será a verdadeira variável incontrolável para o palácio Chigi. Enrico Letta vai precisar de provar – mesmo ao seu eleitorado mais rebelde – que este casamento da carpa com o coelho é útil ao país e que a aliança com o centro-direita não terá efeitos nocivos para o contrato.

REAÇÕES

Otimismo em Bruxelas, preocupação em Berlim

Após a nomeação do Governo de Enrico Letta, “o sentimento predominante em Bruxelas oscila entre a prudência, o alívio e o otimismo”, escreve o jornal Il Sole 24 Ore. Para este diário económico,

a Itália é, em vários aspetos, considerada como decisiva na crise da dívida soberana. Por enquanto, os mercados confiam no establishment italiano. […] A esperança de Bruxelas é que o Governo se mantenha em funções pelo maior período de tempo possível, para evitar novas eleições demasiado rápido. […] O regresso, em Itália, de um Executivo com plenos poderes é igualmente útil para reequilibrar as relações de força no seio de um Conselho, no qual a fraqueza francesa, a fragilidade espanhola e a insegurança italiana deram à Alemanha um peso que não convém nem à Europa nem à própria Alemanha.

No entanto, apesar de o passado de Letta como deputado europeu contribuir para tranquilizar os seus parceiros europeus, as declarações que fez logo após a nomeação, segundo as quais “a UE deve mudar estas políticas demasiado centradas na austeridade, que não são suficientes”, irritaram profundamente o Governo alemão e, em especial, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, salienta o Linkiesta. Em Berlim, receia-se que o novo Governo venha a alimentar o debate lançado, na semana passada, pelas declarações do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, sobre os “limites da austeridade”.

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