Tuesday, April 30, 2013

O ESTADO SOCIAL E A HORA DA ESQUERDA





Os dias que se seguiram ao trigésimo nono aniversário da Revolução dos Cravos criaram uma paralisação e uma confusão política, económica e social do Governo Passos Coelho, que tem vindo a acrescentar-se todos os dias.

Como se sabe, os capitães de Abril recusaram-se a estar presentes na cerimónia tradicional da Assembleia da República, por acharem que o Governo Passos Coelho tudo tem feito contra o Estado social e contra os valores de Abril. Por isso, pela segunda vez, se recusaram - e bem - a estar presentes. E Manuel Alegre e eu próprio fomos solidários com os militares de Abril, a quem tanto devemos, ausentando-nos também.

Mas o mais extraordinário não foi isso. Foi o discurso partidário e anticonstitucional do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, que indignou o PS, toda a Esquerda e a esmagadora maioria da população portuguesa, que se manifestou na tarde do mesmo dia, por forma clara e direta.

Na verdade, parece que o Presidente deixou de ser de todos os portugueses e partidariamente neutral - como manda a Constituição - para passar a ser o chefe efetivo do Governo, como tinha já dito Sócrates. Governo que, aliás, nem sequer tem a ver com o PSD, na sua maioria, ou com o CDS/PP, mas apenas com partículas ínfimas (que mal se entendem entre si) dos dois referidos partidos. Pôs assim em evidência, como a Esquerda entendeu, que é quem manda no Governo, primeiro como a visita apressada de Vítor Gaspar e de Passos Coelho, no dia anterior, comprovou. E depois, no dia seguinte, procurou salvar o Governo - contra todos - quando este se encontra moribundo, desarticulado entre os ministros, estando há muito tempo completamente paralisado.

Foi um discurso que revelou uma personalidade de alguém que raramente fala, que cai em contradições e que os portugueses, como as sondagens revelam, não tomam, nos últimos tempos, muito a sério.

No entanto, o que é interessante é que o discurso teve consequências em absoluto contrárias às que o seu autor porventura pretendia: irritou grande parte das pessoas, provocou no Partido Socialista uma posição contrária à pretendida, desagradou profundamente aos parceiros sociais no seu conjunto e, como disse António José Seguro, "em vez de unir os portugueses dividiu-os".

O Governo, como os dias seguintes têm vindo a comprovar, está não só paralisado - como tem vindo a acontecer - mas mais: desarticulado, com cada ministro a pensar pela sua cabeça nas últimas reuniões. Não houve qualquer mudança do seu interior, exceto a nível dos secretários de Estado. Apesar de a ministra da Justiça ter dito querer abandonar a sua pasta e haver ministros que não aprovam francamente os novos cortes que o ministro das Finanças está a preparar e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, apesar das humilhações a que se tem sujeitado, e segundo alguma imprensa diz, ter ameaçado já demitir-se, mais de uma vez.

Sem ainda se conhecer a proposta do Orçamento retificativo, vale a pena, de resto, tentar perceber o que deseja o ministro Paulo Portas, quando agora lhe foi imposto um jornalista sem qualquer experiência, Francisco Almeida Leite, como secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, e para onde está a arrastar o seu partido (que foi CDS, depois PP e agora CDS/PP)...

Na verdade, Portas tem estado calado e deixa correr o que o chefe do Governo lhe impõe, fazendo contra ele alguma chantagem, como se viu, ou tem sido agarrado (com viagens, por exemplo). Paulo Portas, no entanto, nos últimos dias parece ter-se imposto e ameaçado o presidente do Governo e o ministro das Finanças de abandonar o Governo o que seria o fim, por perder a maioria da Coligação...

Enquanto Portas tinha alguma esperança de se associar ao PS, o que seria um conforto para ele, foi deixando andar. Mas agora estará desiludido dessa possibilidade. É bem possível que procure ser de novo democrata-cristão, perante um Papa progressista, que gosta dos pobres, os quer ajudar e abomina o capitalismo selvagem. É possível que, no contexto atual, a Democracia-Cristã volte a aparecer, como está a acontecer já há algum tempo com o Socialismo Democrático.

Assim sendo, Paulo Portas não pode continuar, no contexto atual - e sem se desacreditar totalmente - a dar uma no cravo e outra na ferradura, sem destruir o seu partido. No interior do CDS/PP há quem pense assim e queira deixar cair o PP e fique só o CDS.

Por outro lado, a definição à Esquerda - contra a austeridade e em favor do pleno emprego e do Estado social - do PS, no Congresso do último fim de semana em Santa Maria da Feira, não só restabeleceu a unidade da esmagadora maioria dos militantes do PS como deu força aos parceiros sociais (em especial à UGT, agora com um novo líder, Carlos Silva, que saúdo, e à Intersindical) como ao empreendedorismo das empresas em dificuldades, e mesmo dos bancos. Todos reclamam contra as políticas de austeridade e querem mais emprego e mais desenvolvimento económico e que se impeça (embora tarde) a destruição da classe média. Os dois discursos de António José Seguro - que inauguraram e encerraram o Congresso - foram geralmente aplaudidos e refizeram a unidade do partido, de António Costa a Francisco Assis e a Pedro Silva Pereira. O PS só ganha em dar um impulso à Esquerda, dialogando com o Bloco, a Inter e com o próprio PCP (se ele se tornar mais flexível), assim como com as empresas, principalmente as que estão em dificuldades, e os bancos que já perceberam que a política de austeridade nos leva à catástrofe.

A Europa está a dar também uma volta à Esquerda, para se salvar. Os partidos à Esquerda dos Estados em dificuldades ou não, como os sociais-democratas alemães, estiveram presentes no Congresso do PS ou enviaram mensagens ao seu líder. Seguro dialogando com os socialistas europeus - como tem feito desde o início do seu mandato - foi de alguma maneira pioneiro da política europeia que hoje está em curso. A presença física e as mensagens que chegaram a Santa Maria da Feira são a prova disso. O que implica que agora cultive o diálogo com o Bloco, a par dos sindicatos, e com o PCP. Porque a hora é da Esquerda e para salvar o euro e a União Europeia esse é o único caminho possível, com o auxílio da Democracia-Cristã, que pensa de novo aparecer, para vencermos a crise.

José Sócrates tem feito sucessivos comentários na RTP de uma simplicidade e clareza que se deve salientar. E tem tido um comportamento exemplar, em relação ao PS e ao seu líder, que vale a pena referir. Ainda no domingo passado voltou a fazê-lo, dizendo a verdade aos portugueses, criticando, com verdade e lucidez, o Presidente da República e manifestando uma discrição em relação ao PS e ao seu líder, que devem ser, a meu ver, correspondidas.

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