Sunday, April 28, 2013

IEMENITA NARRA NO SENADO DOS EUA O TERROR DOS DRONES




Ao invés de primeiro experimentar a América através de uma escola ou um hospital, a maioria das pessoas em Wessab, Iêmen, experimentou a América através do terror de um ataque de drone. Agora há uma raiva intensa e um ódio crescente em relação à América, contou o jovem Farea Al-Muslimi em depoimento ao Senado dos EUA.

The Independent - Carta Maior

Apenas seis dias após um drone estadunidense ter bombardeado seu vilarejo, matando cinco militantes no processo, um escritor iemenita de 23 anos chamado Farea Al-Muslimi viajou para Washington D.C. para mostrar ao Senado dos EUA o impacto que os ataques estão tendo em seu país.

Em um poderoso depoimento aos senadores reunidos nesta semana que passou, do qual alguns excertos estão citados abaixo, o Sr. Al-Muslimi disse que em vez de combater o terrorismo, os ataques americanos o estão alimentando ainda mais. Ele contou ao comitê que ele devia muito à América, tendo primeiro visitado como um estudante intercambista durante sua vida escolar, e mais tarde ao ganhar uma bolsa para estudar um semestre em uma universidade dos EUA. Mas ele veio com um simples pedido: que os EUA parassem de bombardear seu país.

“Meu nome é Farea Al-Muslimi. Eu sou de Wessab, um remoto vilarejo de montanha no Iêmen, cerca de nove horas de carro da capital do meu país, Sanaa. A maioria das pessoas nunca ouviu falar de Wessab. Mas seis dias atrás, meu vilarejo foi alvo de um drone, em um ataque que aterrorizou milhares de pobres e simples fazendeiros. O ataque e seu impacto rasgaram meu coração, assim como o trágico bombardeio em Boston na semana passada fez com os seus corações e com o meu também.

Estou aqui hoje para falar sobre os custos humanos e as consequências da matança dos Estados Unidos direcionada ao Iêmen.

Antecedentes 

Minha família vive de frutas, vegetais e animais que criamos em nossa terra. Nós criamos vacas, cabras, ovelhas e galinhas. Meu pai foi agricultor a vida toda. Sua renda raramente ultrapassa os 200 dólares por mês. Ele aprendeu a ler tarde na vida, e minha mãe nunca aprendeu.

Eu tenho 12 irmãos vivos. Eu deveria ter, na verdade, 19, mas nós perdemos 7 de nossos irmãos e irmãs. Alguns faleceram durante o resgate, devido à falta de serviços médicos de qualidade em nossa aldeia. Outros faleceram ainda jovens, pela mesma razão.

Minha vida mudou para sempre no 9º ano, quando fui premiado com uma bolsa de estudos do Departamento de Estado dos EUA. A bolsa me deu oportunidade de estudar inglês por um ano em Amideast, o Centro de inglês americano no Iêmen. Essa bolsa me deu novas oportunidades e me permitiu ver o mundo além da minha vila pela primeira vez. Mais tarde fui premiado com uma bolsa de estudos do Departamento de Estado para o programa de estudo Juventude e Intercâmbio, que visa construir a paz e o entendimento entre os povos americanos e as pessoas de países muçulmanos.

Essa bolsa me permitiu passar um ano morando com uma família americana e frequentando uma escola secundária americana. O ano que passei em Rosamond High School, em Rosamond, na Califórnia foi um dos melhores e mais ricos anos da minha vida.

A experiência mais excepcional foi conhecer alguém que acabou sendo como um pai e é meu melhor amigo nos Estados Unidos. Ele era um membro da Força Aérea dos EUA. A maior parte do meu ano passei com ele e sua família. Ele ia à mesquita comigo e eu ia à igreja com ele. Ele me ensinou suas experiências na América e eu ensinei a ele sobre a minha vida no Iêmen. Nós desenvolvemos uma amizade incrível que superou nossas origens tão diferentes.

O ataque de drone em minha vila

Hoje eu sou um escritor, orados e jornalista freelance. Uma das experiências mais gratificantes que tive foi trabalhar como um fixer para jornalistas internacionais no Iêmen e Beirute. A maior parte do meu trabalho com jornalistas internacionais foi nas províncias do sul de Abyan, Aden, Al-dhalea e Lahj – três das áreas em que os Estados Unidos têm centrado a sua chamada “Guerra ao terror”. 

Há apenas seis dias, essa guerra veio direto para a minha aldeia. Enquanto pensava sobre o meu depoimento e me preparando para viajar para os Estados Unidos para participar desta audiência, eu fiquei sabendo que um míssil de um drone dos EUA tinha atingido a aldeia onde eu fui criado. Para quase todas as pessoas em Wessab, eu sou a única pessoa com qualquer conexão com os Estados Unidos. Eles ligaram e me mandaram mensagens naquela noite com perguntas que eu não podia responder: Por que os Estados Unidos estavam os aterrorizando com aqueles drones? Por que os Estados Unidos tentam matar uma pessoa com um míssil quando todos sabem onde ela está e poderia facilmente ter sido presa?

Meu vilarejo é bonito, mas é muito pobre e em uma parte remota do Iêmen. No passado, a maioria dos moradores de Wessab sabia pouco sobre os Estados Unidos. Minhas histórias sobre minhas experiências na América, meus amigos americanos, e os valores norte-americanos que eu vi com meus próprios olhos ajudaram os moradores com quem conversei a entender a América que eu conheço e amo. Agora, no entanto, quando se pensa em América, eles pensam do terror que sentem dos drones que pairam sobre suas cabeças prontos para disparar mísseis a qualquer momento.

Ao invés de primeiro experimentar a América através de uma escola ou um hospital, a maioria das pessoas em Wessab experimentou a América pela primeira vez através do terror de um ataque de drone. O que radicais anteriormente falharam para alcançar em meu vilarejo, um ataque de drone realizou em um instante: agora há uma raiva intensa e um ódio crescente da América. 

Visita às vítimas

No meu trabalho com jornalistas estrangeiros, já visitei muitas áreas atingidas por drones ou aviões de guerra que os moradores acreditam que foram enviados como parte do programa de assassinato intencional conduzido pelo Estados Unidos. Eu viajei com mais freqüência para Abyan, uma área no sul do Iêmen, que havia sido tomada no início de 2011 por Ansar Al-Sharia, um grupo aliado com AQAP.

Em Abyan e em outros lugares no Iêmen, visitei muitos locais onde os moradores estavam sofrendo com as conseqüências de operações de assassinato. Encontrei-me com parentes de pessoas que foram mortas por ataques aéreos, bem como numerosas testemunhas oculares. Eles disseram-me como esses ataques aéreos mudaram suas vidas para pior.

No início de março de 2013, eu estava trabalhando com a revista Newsweek em Abyan quando me encontrei com a mãe de um menino chamado Muneer Muhammed. Muneer, um rapaz de 18 anos de idade, transportava mercadorias para as lojas usando seu jumento no mercado local da cidade de Ja'ar. Recentemente, ele havia noivado e estava se preparando para seu casamento. Muneer estava no trabalho quando um míssil o atingiu e ele foi morto em maio de 2012. Sua mãe me disse, em lágrimas, que se ela algum dia encontrar o indivíduo que disparou o míssil, ela vai "triturá-lo em pedaços" com sua boca.

As pessoas com quem falamos em Abyan nos disseram que Muneer não era um membro da AQAP. Mas isso não impediu a AQAP de tentar usar sua morte para recrutar simpatizantes para sua causa.

Dias depois de Abyan ser liberta do controle da AQAP em junho de 2012, eu conheci um pescador chamado Ali Al-Amodi em um hospital em Aden. Um dia antes, a sua casa em Shaqra, no litoral de Abyan, tinha sido alvo de um ataque aéreo dos EUA. Al-Amodi me disse que ficou impotente quando seu filho de 4 anos de idade e sua filha de 6 anos morreram em seus braços no caminho para o hospital. Al-Amodi não tinha ligações com a AQAP. Ele e outros moradores, disseram que sua casa foi alvo por engano. No mesmo ataque, outras quatro crianças e uma mulher foram mortas. Testemunhas disseram que não eram militantes.

Mais tarde, em Junho de 2012, visitei Al-Makhzan, uma cidade nos arredores de Ja'ar, onde um ataque de drones visando Nader Al-Shadadi ocorreu. Al-Shadadi é identificado pelo governo iemenita como um terrorista e líder da Ansar Al-Shariah. Ele foi alvo pelo menos três vezes em diferentes lugares, mas os ataques erraram ele todas as vezes. Desta vez, o alvo foi a casa de sua tia. Vizinhos dizem que ele não estava lá, e só o filho de sua tia foi assassinado. Não há nenhuma evidência de que o filho era afiliado com a AQAP.

Eu sei que alguns formuladores de políticas nos Estados Unidos e Iêmen dizem que a AQAP não usa os ataques aéreos como uma ferramenta para recrutar mais pessoas para a sua causa. Isso é incorreto. O caso da família Toaiman em Mareb, conforme relatado pela NPR baseado em uma viagem em que eu participei, é um exemplo específico. O filho mais velho dos Toaiman se juntou a AQAP esperando vingar a morte de seu pai, um civil inocente morto por um ataque de drones em outubro de 2011. O filho tem 28 irmãos esperando para fazer isso também. Um de seus irmãos mais novos, de 9 anos de idade, carrega uma imagem de um avião no bolso. O menino abertamente afirma que ele quer vingança e identifica assassino de seu pai como "América".

Parem com os assassinatos

Eu não sei se há alguém na Terra que se sinta mais grato a América do que eu. Em meu coração eu sei que eu só tenho a retribuir as oportunidades, amizade, calor e exposição que seu país me proporcionou por ser seu embaixador para iemenitas pelo resto da minha vida, assim como eu era um embaixador para iemenitas na América. Eu acredito fortemente que eu ajudei a melhorar a imagem dos Estados Unidos, talvez de forma que um embaixador oficial ou outro diplomata não conseguiria.

Eu tenho que dizer que os ataques aéreos e o programa de assassinatos fizeram a minha paixão e missão de apoio à América quase impossíveis no Iêmen. Em algumas áreas do Iêmen, a raiva contra os Estados Unidos resultante dos ataques torna perigoso para mim até mesmo admitir ter visitado a América, quem dirá testemunhar o quanto minha vida mudou graças a bolsas de estudo do Departamento de Estado. Às vezes é muito perigoso até mesmo admitir que eu tenho amigos americanos.

No ano passado, eu estava com um colega americano de um meio de comunicação internacional em uma turnê de Abyan. De repente, os moradores começaram a ficar paranóicos. Eles estavam se movendo erraticamente e freneticamente apontando para o céu. Com base em suas experiências passadas com os ataques aéreos, disseram-nos que a coisa pairando acima de nós - fora da vista e fazendo um estranho zumbido - era um drone americano. Meu coração se afundou. Eu estava impotente. Foi a primeira vez que eu sinceramente temia pela minha vida, ou pela vida de um amigo americano no Iêmen. Eu estava ali à mercê de um drone.

Eu também não pude deixar de pensar que o operador do drone só poderia ser meu amigo americano, com quem tive a amizade mais calorosa e mais profunda nos Estados Unidos. Minha mente estava correndo e meu coração estava dividido. Eu estava dividido entre o grande país que eu conheço e amo e o zumbido acima da minha cabeça que não poderia diferenciar entre mim e alguns militantes da AQAP. Foi um dos sentimentos mais divisivos e difíceis que já presenciei.

Por ser alguém que viveu e trabalhou com esta questão muito de perto, eu não posso evitar sentir que os governos americano e iemenita estejam perdendo a guerra contra a AQAP. Mesmo quando o drone atinge sua meta e mata as pessoas certas, é à custa da criação dos muitos problemas estratégicos que discuti hoje. Cada sucesso tático é à custa da criação de mais problemas estratégicos. Eu, no entanto, acredito que as coisas ainda podem ser corrigidas. Se os Estados Unidos querem ganhar a batalha contra a AQAP no Iêmen, eu sugiro fortemente que considerem tomar as seguintes medidas:

* Parem com os todos os ataques.

* Anunciem os nomes das pessoas já na "lista de morte", de modo que os civis inocentes possam ficar fora do caminho do mal.

* Emitam um pedido oficial de desculpas às famílias de todos os civis mortos ou feridos por ataques.

* Compensem as famílias de civis inocentes mortos ou feridos por ataques realizados ou autorizados pelos Estados Unidos.

* Em cada vila, onde houve um assassinato, construam uma escola ou hospital, de modo que a experiência dos moradores com a América não seja apenas a morte e destruição causada por um míssil americano.

Muito obrigado.”

Tradução: Lúcia Dal Corso

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