António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião
A instauração da democracia proporcionada pela revolução de 25 de Abril de 1974 trouxe profundas transformações na sociedade portuguesa e incomensuráveis benefícios para os portugueses. Mas há pelo menos dois domínios em que essa revolução democrática falhou rotundamente: nas reformas da justiça e no combate à pobreza. Sobre a primeira já todos os diagnósticos foram feitos, faltando apenas a coragem política para levar o espírito do 25 de Abril aos tribunais e ao sistema judiciário. Vejamos, então, o segundo grande falhanço da nossa democracia.
Tradicionalmente, o desenvolvimento económico é apresentado como sendo a melhor forma de combater a pobreza. Esse combate seria como que uma consequência indirecta do desenvolvimento no sentido de que quanto mais riqueza se criasse - mesmo que mal distribuída - mais a pobreza acabaria por diminuir. A luta contra a pobreza não possuiria um sentido político estratégico e, portanto, não constituiria uma prioridade ou sequer uma finalidade autónoma do estado. Dir-se-ia que o estado deixava esse objectivo ao livre jogo das forças económicas ou, como hoje sói dizer-se, ao crescimento gerado pela dinâmica do mercado.
É óbvio que essa perspectiva é antiquada e tributária de concepções que reduzem o estado a uma espécie de «guarda nocturno», apenas com a função de vigiar as leis do mercado e os movimentos sociais. Trata-se de uma visão retrógrada segundo a qual o estado apenas garante o respeito pelas regras que permitem a acumulação privada da riqueza criada, sem qualquer preocupação com a sua função social. Como a história tem demonstrado, essa concepção conduz ao agravamento das desigualdades e à injustiça social e, muitas vezes, mesmo ao aumento da pobreza relativa. Um crescimento da riqueza em proporção geométrica (2, 4, 8, 16, 32, 64, etc.) das classes mais favorecidas permitiria, como efeito colateral, uma diminuição da pobreza, ou seja, um «enriquecimento» em proporção aritmética (2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16, etc.) dos sectores mais desfavorecidos da sociedade, aumentando ainda mais as distâncias entre ricos e pobres.
Infelizmente, tem faltado às nossas elites o arrojo político para inverter esse velho paradigma e colocar o combate à pobreza como um factor determinante do próprio desenvolvimento. Com efeito, como alguns países, sobretudo na América Latina (Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros), recentemente demonstraram, a luta contra a pobreza conduz, numa primeira fase, ao consumo de bens de primeira necessidade e, consequentemente, ao aumento da produção e ao alargamento do mercado interno. Libertando largos sectores da população dos grilhões da miséria e da marginalidade social, dar-se-á um contributo decisivo para uma espiral de desenvolvimento económico, social e cultural. Foi como políticas assim, assentes na justa repartição da riqueza, que, no início do século passado, alguns dos países mais avançados da Europa puseram termo à pobreza e criaram as condições para o desenvolvimento de que hoje beneficiam.
Portugal, pelo contrário, esbanjou, nos últimos 25 a 30 anos, consideráveis somas de dinheiro (vindas da Europa) em consumismo supérfluo sem ser capaz de lançar as bases de uma economia saudável e, logo, de um desenvolvimento sustentável. Traiçoeiramente, a Europa pagou milhões e milhões de euros aos armadores portugueses para abaterem os seus barcos de pesca e aos agricultores para deixarem de produzir e abandonarem as suas terras. Tudo isso com a cumplicidade criminosa das nossas elites políticas interessadas apenas em ganhar eleições fosse a que custo fosse ou então no seu próprio enriquecimento pessoal. Mas também com o beneplácito das nossas elites económicas grande parte das quais deslocaram o eixo do seu enriquecimento para a especulação financeira. A «economia de casino» substituiu com euforia a solidez da produção económica. Foram tempos de esbanjamento insensato, de novo-riquismo provinciano e de despesismo eleitoralista.
O resultado de tudo isso está hoje bem visível: empresas, empresários e consumidores estão sobre-endividados ao sector financeiro mas parece que ainda ninguém aprendeu nada com isso.
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