Matheus Espíndola - Universidade Federal Minas Gerais (br)
No cenário configurado pelas manifestações políticas que se espalharam pelo Brasil ao longo das últimas semanas, as redes sociais e outras mídias colaborativas têm sido fundamentais na tarefa de assegurar ao público outro tipo de acesso às informações sobre os protestos. Isso porque a transmissão feita pelos veículos tradicionais, detentores da maior audiência, é superficial e carregada de interesses.
Essa é a opinião compartilhada pelos professores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG Carlos D’Andrea e Joana Ziller, que participaram de debate sobre o tema na semana passada, na Fafich.
“Na cobertura tradicional, o processo produtivo é massivo, pois há a necessidade de estar sempre no ar, ainda que não haja nada de interessante ou enriquecedor a ser divulgado. Além disso, as rotinas são frágeis e as coberturas ruins. Na maioria dos sites convencionais, inexiste a revisão do conteúdo; o editor só vê o texto quando já foi para a rede”, argumenta D’Andrea.
Para Joana Ziller, os meios tradicionais camuflam uma opinião moralista. “A TV mostra um embate entre polícia e manifestantes, quando na verdade se trata de um massacre imposto pelas autoridades. Recria-se uma paisagem na qual as manifestações são criadouros de vândalos. Fala-se de demanda difusa ou mesmo de luta sem causas, em vez de retratar a multiplicidade de reivindicações”, exemplifica.
A professora também observa que as ações pacíficas perdem foco para as violentas na mídia convencional, embora as últimas sejam absolutamente minoritárias. “Não convém à grande mídia divulgar quando tudo corre bem”, reflete.
Nas palavras de D’Andrea, nessa "batalha comunicacional", a superexposição da violência tem o intuito de deslegitimar os protestos. “Muitas vozes políticas que influenciam os meios de comunicação aproveitam-se do cenário de conflitos e fazem com que as impressões sobre o movimento caminhem para uma direção oposta, conforme seus interesses”, argumenta.
Liberdade de expressão absoluta
Além dos dois professores, o debate contou com a participação de representantes dessa mídia que constitui um movimento conhecido pela sigla Ninja – Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação.
A PósTV é uma das principais experiências protagonizadas pela mídia Ninja. Trata-se de um projeto de emissora livre, criado em São Paulo, que utiliza a tecnologia do streaming (transmissão de vídeo pela internet) para fazer frente à mídia tradicional.
“Ao contrário das TVs comerciais, a PósTV baseia-se na liberdade de expressão absoluta, já que não temos anunciantes nem padrinhos”, explica o jornalista Rafael Vilela, presente ao debate.
A emissora promove debates em estúdio e nas ruas. “Como estamos na internet e sempre ao vivo, a interatividade contribui para o sucesso da iniciativa. Os telespectadores mandam comentários e perguntas e, às vezes, participam do papo via skype”, descreve.
Telespectadora da emissora alternativa, Joana Ziller relata episódios que acompanhou durante a cobertura das manifestações em Belo Horizonte no dia 26 de junho. “A PósTV mostrou quando um membro da Guarda Municipal adentrou o galpão de uma empresa invadida por manifestantes. Por recomendação de um elemento desse grupo, o guarda foi poupado de qualquer violência. Em outro momento, os radicais interromperam o ataque a um pequeno comércio, atendendo à súplica da proprietária. Isso a mídia tradicional não mostra, porque interessa a ela apenas estabelecer a ‘dicotomia emburrecedora’ entre vândalos e não vândalos”, analisa.
Sucesso instantâneo
Mais de 90 mil usuários do Facebook recebem atualizações da comunidade virtual BH nas Ruas. Trata-se de cobertura interativa das manifestações que ocorrem na capital mineira organizada por estudantes de Comunicação Social e outros colaboradores. Para o aluno de jornalismo da UFMG Gustavo Magalhães, o "Caçamba", um dos criadores da página, a rápida popularização do veículo foi surpreendente.
“Criamos um meio somente para reunir as informações que circulavam entre os estudantes. Mas a ideia se propagou de maneira tão vultosa que ficou até difícil administrar”, comenta ele. O perfil foi criado em 16 de junho e no dia seguinte seus idealizadores já estavam nas ruas cobrindo a segunda manifestação de rua da atual leva de protestos em Belo Horizonte.
Segundo "Caçamba", o grupo de internautas que dinamiza o BH nas Ruas conta com muito mais colaboradores do que os veículos tradicionais entre os que acompanham a situação pela rede e os que vão atrás das notícias in loco, no seio das manifestações. “Durante os protestos, chegou a 400 o número de colaboradores que nos enviaram informações, dicas e fotos de todas as partes da cidade”, descreve.
Embora a linguagem e identidade visual da página guardem semelhanças com veículos consolidados – a ponto de a BH nas Ruas já ter sido cogitada como um "braço" da Rede Globo –, "Caçamba" conta que a experiência ainda é incipiente e sem estrutura. “Certa vez, fiquei fora do ar porque a bateria do equipamento esgotou. O público ficou preocupado, temeroso de que algo havia me acontecido”, relata.
“Caçamba” admite que a ficha ainda não caiu. “Somos um simulacro dos meios tradicionais, sem experiência e know-how suficientes. Confesso que estou tentando entender esse fenômeno”, afirma o estudante.
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