A Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) completa 50 anos no dia 2 de agosto. Desde a sua fundação, no Congo Brazzaville, o movimento luta pela separação do território, rico em petróleo, do resto de Angola.
Ao longo dos anos, a organização independentista dividiu-se e multiplicou-se em diferentes fações. Meio século depois, a fação da FLEC de Nzita Tiago é a única que ainda mantém a resistência armada contra a administração de Luanda.
“A história é muito longa", recorda Nzita Henriques Tiago, o líder histórico da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, quando evoca o dia em que ajudou a fundar o movimento. A FLEC foi criada oficialmente num congresso que se realizou de 2 a 4 de agosto de 1963, ainda antes da independência de Angola. A cidade de Ponta Negra, no Congo Brazzaville, foi o berço da sigla que se viria a tornar famosa.
A FLEC resulta da fusão de três organizações: o Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC), de Luís Ranque Franque; o Comité de Acção da União Nacional de Cabinda (CAUNC), de Nzita Tiago; e a Aliança Nacional Mayombe (ALLIAMA), de António Sozinho. Franque assume a presidência da FLEC, Sozinho é eleito secretário-geral e Nzita é o vice-presidente.
"Cabindas não podem aceitar o neo-colonialismo"
“Eu próprio abri o escritório da FLEC em Cabinda", afirma Nzita Tiago, acrescentando que foi "preso em São Nicolau por causa da independência de Cabinda". "Quando os angolanos tiveram a independência deles, em 1975, os cabindas reclamaram a sua independência aos portugueses. E esse processo continua hoje. Tem que continuar", considera.
Nzita Tiago tem hoje 86 anos e vive na capital francesa. Mas muito antes de se exilar em Paris, a luta independentista custou-lhe uma estadia na cadeia de São Nicolau no Bentiaba. A única prisão a céu aberto em Angola, onde a PIDE-DGS, a então polícia política portuguesa, torturou muitos nacionalistas.
Quando é posto em liberdade, em 1974, abre um escritório da FLEC na cidade de Tchiowa, capital de Cabinda. Um ano depois, a FLEC forma um governo provisório que proclama a independência de Cabinda de Portugal. Mas quem ganha terreno no enclave é o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), na altura liderado pelo primeiro Presidente do país, Agostinho Neto.
Nzita Tiago explica que “os portugueses entregaram Cabinda aos angolanos. Mas os angolanos devem saber que os cabindas não podem aceitar o neo-colonialismo".
50 anos, inúmeras FLECs
No final da década de 1970, a FLEC divide-se em várias fações. Além daFLEC-Nzita, surgem a FLEC-Ranque Franque e a FLEC-Lubota, líderes históricos entretanto falecidos. E a multiplicação continua nos anos seguintes. FLEC-FAC, FLEC- Posição Militar, FLEC-Renovada, FLEC-Nova Visão… A lista de FLECs vai crescendo, sobretudo na Europa, onde vivem muitos antigos quadros despromovidos que anseiam por protagonismo.
“Há FLECs que provavelmente serão duas ou três pessoas” que, aproveitando as novas tecnologias, "aparentam algo que não são", explica o analista político Orlando Castro. A FLEC-Lopes, por exemplo, chega até a emitir passaportes de Cabinda e “nomeia chefes militares que ninguém sabe se existem ou não".
De acordo com o analista, "há muito oportunismo nestas situações, que eventualmente se poderá compreender numa tentativa única de subsistência e que normalmente acontece com pessoas que estão no exterior e que deixaram de comer farelo como come o povo e passaram a comer durante algum tempo lagosta". "E para se manterem à mesa da lagosta inventam tudo e mais alguma coisa", conclui. Uma multiplicação que Orlando Castro vê também como "uma estratégia do MPLA para dividir a resistência para a tornar mais fraca."
"Falta capacidade aos dirigentes", diz MNC
Hoje, a única fação que ainda mantém a resistência armada contra a administração de Luanda é a FLEC de Nzita Tiago, que não poupa críticas aos restantes grupos: “Mas o que é que eles têm feito?", questiona Tiago. "Estão a fazer o comércio deles. Mas depois de receberem o dinheiro de José Eduardo dos Santos, o que é que eles fazem no terreno?”.
Foi precisamente a multiplicidade de siglas e dissidências que acabou por dar argumentos ao Governo angolano de que não existe um “interlocutor válido” com quem possa negociar a questão de Cabinda.
Mas o Movimento Nacional Cabinda (MNC), que se demarca da FLEC, não considera que esse tenha sido o principal problema. Até porque nessa mesa se podem sentar várias FLECs, como defende Bartolomeu Capita. O representante do grupo, que luta pela independência do território através de meios diplomáticos e pacíficos, chegou a ser militante da FLEC dirigida por Ranque Franque nos anos 70.
“A principal causa do fracasso é talvez a falta de capacidade dos próprios dirigentes", afirma Capita, explicando que "Cabinda é um pequeno território entre os dois Congos. Durante a época colonial tinha pouca abertura com o exterior. Houve uma espécie de clausura em Cabinda que impediu, sobretudo os jovens, de terem contactos com o exterior e de terem um espírito político e revolucionário".
Questiona-se se um possível desaparecimento de Nzita Tiago, que tem 86 anos, poderá provocar novas lutas pela liderança do movimento. Para já, a escolha do seu sucessor continua no segredo dos deuses. Mas certamente será alguém que continuará a fazer passar a eterna mensagem da FLEC, nas palavras do líder histórico: “Cabinda não é Angola. Vamos continuar a luta até nos libertarmos da escravatura angolana".
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