Friday, June 28, 2013

Portugal: OS TRABALHOS DE PASSOS




Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

Diz o primeiro-ministro, em resposta à greve geral de ontem, que este país precisa é de trabalho. Sem trabalho, é certo, nada de jeito se faz. Mas é de trabalho digno, tratado com dignidade, que precisamos. Se há trabalho não digno? Então não há: o dos escravos, por exemplo. Podem os escravos ser dignos, e Epicteto, a grande referência da escola estoica, bem o demonstra, mas são-no apesar de serem escravos, da indignidade que tal implica.

Mas não é só o trabalho forçado que é indigno; há trabalhos voluntários, até entusiásticos, igualmente indignos. Como aquele que Passos, Portas, Gaspar e, não esquecer, Cavaco (se porque quer ou porque foi a isso forçado de qualquer forma é indiferente) estão a levar a cabo: o trabalho que tem como principal objetivo diminuir, escarnecer, defraudar, castigar, precisamente, o trabalho.

Disse Carlos Silva, o atual secretário-geral da UGT, em resposta a Passos, algo como "para falar sobre trabalho, é preciso saber o que é". Deu como exemplo os portugueses que trabalham pelo salário mínimo. Ora o problema não reside na questão populista de saber se Passos alguma vez na vida teve de se levantar às seis da manhã para ir para as filas de transportes públicos e para ganhar 485 euros antes de impostos. Sabemos que não, mas o essencial não é que nunca o tenha feito, mas que desrespeite quem o faz. O essencial é que, havendo muitos tipos de trabalho e de trabalhadores, o que Passos e companhia estão há dois anos a fazer é a trabalhar para que o valor daquilo que fazem, do que são, seja depreciado.

Para Passos, na sua cabeça povoada por slogans pseudoliberais, o salário deve ser idealmente uma coisa que depende do défice e dos juros da dívida e dos movimentos do mercado (a começar pela taxa de desemprego), flutuando de acordo com as conveniências do empregador e imune a quaisquer estipulações legais - essas só contam para contratos com bancos e consultoras financeiras. É esse o exemplo que dá, o sinal que transmite, enquanto empregador do sector Estado. O exemplo de quem quer, um a um, anular todos os direitos conseguidos em décadas de luta (luta, sim), do horário máximo de trabalho às férias pagas, do subsídio de desemprego ao salário mínimo.

O que Passos pensa do trabalho, de resto, ficou muito claro numa proposta que o seu PSD na oposição apresentou, a de obrigar os de-sempregados a trabalhar de graça. O trabalho como um castigo para madraços, como penitência; o trabalho como algo que se impõe, não livre escolha mas sentença. Eis a essência do seu pensamento - se tal se lhe pode chamar.

E por assim ser, concordemos com ele nisto: precisamos de trabalho, do trabalho. Trabalhemos juntos para o defender. E se greves gerais não resultam, puxemos pela cabeça. Porque temos um Governo a trabalhar, dia e noite, contra ele - contra nós.

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