Sunday, September 1, 2013

Portugal: DE CARMONA A CAVACO E À “SALVAÇÃO NACIONAL”

 

Daniel Vaz de Carvalho
 
Implantando entre nós o sistema de enfeudar os serviços públicos a companhias de especuladores, o cabralismo obedecia ao princípio da sua formação: era uma clientela de ricos. (…) A sua grande falta, a sua fraqueza invencível, eram a ausência de um princípio moral, porque nem a ordem imposta pela força nem a riqueza criada contra a justiça chegam a ser princípios. - Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, vol.II, pág. 130 e 131. Ed. Europa América

O povo emudece; negam-lhe a palavra, não o consultam, nem se conta já com ele. Com quem se conta é com a aristocracia palaciana, com uma nobreza cortesã, que cada vez se separa mais do povo pelos interesses e pelos sentimentos e que de classe tende a transformar-se em casta. (…) Por isso decai também a vida económica: a produção decresce, a agricultura recua, estagna-se o comércio, desaparecem uma por uma as indústrias nacionais; a riqueza é uma riqueza faustosa e estéril, enquanto a miséria se alarga pelo país.
- Antero de Quental, Causas da Decadência dos Povos peninsulares, Ed. Contexto, p.22
 
1 – RECORDAR O PASSADO

É sabido que quem esquece as lições do passado está destinado a repeti-lo. Por isso vale a pena debruçar-nos sobre situações ocorridas aquando da instauração do fascismo salazarista e situações atuais. Trazer à memória aqueles tempos dramáticos não parece irrelevante tanto mais que persiste o seu branqueamento, parecendo que o único problema seria a "censura", apresentada sobretudo nos seus aspetos mais ridículos.

Perante o golpe militar de 28 de maio de 1926, no mesmo dia, um então pequeno partido, o PCP, é o único a caracteriza-lo como um golpe fascista. No golpe participavam o comandante Mendes Cabeçadas, um histórico da instauração da Republica, deseja manter o regime constitucional republicano, mas está conotado com a direita; o general Gomes da Costa, homem da Grande Guerra, assume-se como líder da direita, aspira a uma ditadura presidencialista.

Carmona só adere ao movimento a 2 de junho. É quase um burocrata militar, mas é o homem de confiança da oligarquia. Evidenciara-se como procurador no Tribunal Militar que julgou os responsáveis pelo golpe contra a Republica em 18 de abril de 1925, ao assumir não o papel de acusador mas de defensor: "Por que estão sentados no banco dos réus? Porque a Pátria está doente e manda julgar e acusar os seus melhores filhos". (TCP – 153 ou S FN, vol.1, p.288). Pode dizer-se que traía as suas funções, o Estado e a Constituição que tinha a obrigação de defender. Num julgamento similar, os sediciosos do "19 de julho" são também ilibados, ante os protestos da esquerda.

Mendes Cabeçadas assume de início a presidência e a chefia do governo, um golpe de Gomes da Costa demite-o e prende-o a 17 de junho; Carmona é nomeado chefe do governo. Gomes da Costa em 9 de julho é também demitido e exilado para os Açores. Carmona torna-se assim o chefe da ditadura fazendo-se eleger Presidente da Republica, como candidato único, em 1928. A então "Ditadura Militar" passa a "Ditadura Nacional". Estava escancarada a porta à instauração do fascismo.

O "paternal" Carmona intensifica a repressão, a máscara de tolerância que pusera para os golpistas absolvidos não se aplica aos democratas: milhares de adversários são presos, muitos deles deportados para Angola e Timor: políticos, militares republicanos, sindicalistas, comunistas.

Como se chegou aqui? Em 1924, o governo de direita de Álvaro de Castro para equilibrar as contas públicas aplica medidas de "austeridade", muito semelhantes às atuais: despedimento de funcionários públicos, fecho de tribunais, redução de efetivos e despesas militares, extinção ou redução de pessoal em consulados, cortes nas diversas despesas do Estado.
 
Perante a contestação, o governo cai numa moção de confiança. A 22 de novembro de 1924 toma posse José Domingues dos Santos [1], um homem da esquerda republicana. A sua noção de equilíbrio das contas públicas é diferente. Promove a remodelação e intervenção no sistema bancário para "o desviar das operações especulativas" e "repatriar fortunas evadidas"; legisla a expropriação de terras declaradamente deixadas incultas; apresenta um projeto de reforma agrária; pretende canalizar os recursos do país para aplicações produtivas, tem um programa de justiça social, assistência e previdência. (TCP p.149 e S FN, vol1, 262) Revoga a "lei das associações", que proibia as federações sindicais e impunha autorização policial para reuniões sindicais. (HP vol.6 p. 230) Anuncia o reconhecimento da URSS. (idem p. 627)

PCP, Sindicatos, Cooperativas Operárias, o Socorro Vermelho, apoiam o governo em grandes manifestações em Lisboa. Numa delas, na praça do Município, Domingues dos Santos declara: "O governo da Republica colocou-se abertamente ao lado dos explorados contra os exploradores" "O povo tem sido explorado pelo alto comércio e pela alta finança". (TCP p.150)

A União dos Interesses Económicos (UIE) desencadeia intensa campanha de insídia contra o governo, Domingos dos Santos reage, a Associação Comercial de Lisboa é encerrada por rebelião. A UIE faz campanha contra os "políticos", "os exagerados impostos", protesta porque "o povo que vive mal" e proclama que "é preciso impormo-nos aos políticos". O populismo atual ao serviço da oligarquia não se exprime de maneira diferente.

Domingues dos Santos, procura construir um bloco baseado no antifascismo, porém a 11 de fevereiro o governo cai. A direita do seu partido, o Partido Democrático (PD), com o objetivo prioritário de "combater a Legião Vermelha" retira-lhe a confiança. (HP p.631e 628). O novo governo "moderado", também do PD, tenta conciliar medidas do anterior com os desejos da UIE. (TCP p.149) Nas eleições seguintes ainda em 1925 o PD tem maioria absoluta; monárquicos e católicos perdem lugares.

A direita "liberal" e a UIE apostam decididamente no golpe. Temem a ascensão da esquerda e a mobilização popular bem viva com Domingos dos Santos. Querem a passagem urgente do liberalismo oligárquico praticado pela maioria dos governos republicanos, anti-populares e instáveis, para a ditadura oligárquica, dominada pelos interesses dos monopólios e latifúndios. O seu lema era a "Salvação da Pátria", isto é, dos seus exclusivos interesses como se viu. Hoje, o lema é a "Salvação Nacional", os objetivos não são muito diferentes.

2 – O PAPEL DE CARMONA E OS OBJETIVOS DA OLIGARQUIA

Carmona foi PR de julho de 1926 a abril de 1951, data do seu falecimento. A propaganda fascista fazia dele uma personagem bondosa, um simpático e inofensivo "corta fitas" fazendo festinhas às crianças. Esta imagem é falsa. Carmona tornou-se de facto um adorno do salazarismo, depois de ter colocado Salazar no poder absoluto e ser instaurado o fascismo.

O papel político de Carmona foi o de um exemplar intriguista, eliminando a contestação republicana e simples vestígios de democracia até a ditadura ser implantada com o apoio da oligarquia financeira, monopolista e latifundiária e da hierarquia católica. Salazar contestado pelos sectores civis e militares republicanos deve a sua ascensão a Carmona: tinha sido o homem escolhido pela UIE e pela alta hierarquia católica, mesmo a nível do Vaticano.

Um padre encarregado de informar confidencialmente o Papa sobre a situação da Igreja e sobre as personalidades que pudessem ajudar a sua causa estava em Portugal. É este padre que diz a Salazar: "A mim não me enganas. Por detrás dessa frieza, há uma ambição insaciável". Perante as hesitações de Salazar em aceitar o cargo de ministro das Finanças em 1928, insta-o a "que não pode furtar-se ao cumprimento do seu dever" (S FN, vol 1, p.330 e 337)

A Republica deixara as contas públicas equilibradas, a ditadura entre 1926 e 1928 leva-as ao descalabro. Salazar, é promovido a "mago das finanças" com poderes absolutos, a democracia "suspensa" e a repressão assumida como forma de gestão pública.

Sob a mão de Carmona lugares chave nas forças armadas, no aparelho de Estado, nas forças de segurança, são entregues a apoiantes do fascismo. A nível político tratava-se de estabelecer um consenso anti-operário como a UIE pretendia, liquidando o sindicalismo e o PCP que alargava a sua influência.

De 1927 a 1933, portanto sete anos sob o domínio direto de Carmona, há registos de 1.972 presos e 1.511 deportados, um total de 3.483 pessoas; além de 200 mortos em combates e 990 feridos. Porém, pelo menos os quantitativos de presos e deportados estão grandemente subavaliados. Assim, por exemplo, em anos de intensa repressão, os registos são claramente insuficientes: em 1926 não há quaisquer registos de presos ou deportados; em 1930 20 presos e 20 deportados, que se referem unicamente a uma nota de 3 de dezembro; em 1932 ano de grande repressão, apenas quatro presos. Em 1928 contam-se 150 presos para o ano inteiro, porém ente número refere-se a uma única data: a revolta do 4 de julho!

Só com a criação da PVDE em 1933 (antecessora da PIDE) há registos mais ou menos sistemáticos das prisões. Assim, entre o golpe de 1926 e 1939, registam-se por motivos políticos mais de 13 mil presos e deportados, cálculo muito subavaliado que não tem em conta as prisões, espancamentos, brutalidade policial e outras vítimas extra judiciais no período. Há ainda registos de 1.500 deportados para as colónias ou para os Açores, 210 mortes em combates e 24 nas prisões. (HP vol 7, p. 208)

Era esta a "salvação nacional" e a "ordem nas ruas e nos espíritos" que o regime estabelecia. Carmona, concretizava assim um programa fascista, protagonizado por Salazar. A sua ação vai desenvolver-se em três frentes:

a) Repressão e perseguição aos democratas, destruir o movimento sindical organizado e o PCP "a grande heresia dos tempos modernos", no dizer de Salazar, justificando assim a instauração de uma nova, mas não menos cruel, inquisição.

b) Unir as direitas em torno de um projeto comum.

c) Neutralizar os militares republicanos mesmo de direita (SP p.70 e seguintes).

Ao contrário do que propaganda fascista veiculava, bem como o branqueamento atual, de 1926 a 1932-33, viveu-se um período de intensa contestação e luta contra o fascismo pelas correntes militares republicanas, pelo movimento operário, pela intelectualidade progressista. A sua derrota deve-se sobretudo a conceções de "golpismo" alheado das massas e voluntarismo anarquista.

Devido à intensa luta contra a ditadura, além das dissidências no seu interior, apenas em 1932 Salazar é chefe do governo. Carmona apoia-o sempre, até ao ponto de rutura com seus apoiantes da primeira hora. Em 1933, é plebiscitada nova Constituição, num ambiente de censura, perseguições, exílios. O "corporativismo" fascista é formalmente instaurado, com a designação de "Estado Novo".

3 - O QUE SE OBTEVE?

A teoria política de Salazar está bem expressa no seguinte: A "adulação das massas" pela criação do "povo soberano", não deu ao povo nem influência na marcha dos negócios públicos, nem aquilo que o povo – soberano ou não – mais precisa, que é ser bem governado". (HP vol 7, p. 198) Sabemos o que foi ser "bem governado", mas estas mesmas ideias estão presentes nas objurgatórias de certos "comentadores".

O "Estado Novo" exprimia confessadamente o ódio classista à iniciativa popular que a revolução republicana permitira. O país mergulha na repressão, atraso, miséria: foi o resultado da entrega do país aos "interesses económicos".

O lema do clerical fascismo salazarista era: Deus, assente na superstição e ignorância popular; Pátria, entregue à oligarquia nacional e estrangeira com o povo submetido a cruel repressão; Família, vegetando na pobreza, miséria, tuberculose e alcoolismo.

Eis a "ordem" oligárquica: A propaganda fascista chamava a isto: "Caminhando para uma vida melhor". Salazar falava na "restauração e desenvolvimento dos valores espirituais". Mas que valores espirituais? A propaganda esclarece: pretende-se "contra as ambições doentias do homem das cidades" a "simplicidade da vida nas aldeias" "onde a miséria total é mais rara, não há dinheiro, falta por vezes a roupa necessária, mas há sempre uma côdea de pão e um caldo" (António Ferro). (P 30, p. 157)

O que se obteve foi uma "onda lamacenta de miséria", como constatava a "Indústria Portuguesa" (P 30, p 123), e repressão policial. Eis o êxito do "mago das finanças".

Relatórios confidenciais das autoridades distritais dão conta "do enriquecimento de alguns, da grande falta de trabalho, da miséria cada vez maior" ou "da extrema situação de miséria da classe operária no Alentejo (PPG, p 169). Um relatório da DG Indústria falava da existência miserável dos operários, escaveirados e maltrapilhos vivendo sem quaisquer condições de salubridade (PPG, p. 208). Ao mesmo tempo diplomatas franceses falam da fome e da "população miserável" portuguesa, o embaixador britânico menciona a corrupção e as condições caóticas do mercado interno. (PPG, p. 276, 277)

"Centenas de milhares de indivíduos (os mendigos) fervilham por toda a parte, bandos de pedintes infantis, legiões de prostitutas, crianças a fazer a ronda dos caixotes do lixo" (PPG, p.343). Marcelo Caetano referia-se no início dos anos 40 a: "analfabetismo, alcoolismo, doenças contagiosas". (PPG, p. 368)

Em Braga o governador Civil relatava que a situação económica apenas se tinha agravado para os pobres "desencadeando calamidades quanto a habitação, mendicidade, jogo, prostituição, hospitalização". (PPG, p. 344, 345)

A "obra grandiosa do Estado Novo" refletia-se na carência de cuidados de saúde e hospitais, mortalidade infantil e maternal, esperança média de vida ao nível do "terceiro mundo". Eis o resultado do "equilíbrio das contas públicas" hoje aplaudido pela direita. A filosofia era que só eram pobres porque não queriam trabalhar; hoje porque lhes falta "empreendedorismo".

O ensino público regride para três anos. Salazar explica: "Considero até mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas" (SP, p.180) Vemos em todos estes aspetos, seja no ensino seja na questão da pobreza e do desemprego, esteios do atual pensamento da direita.

Em "Rumo à Vitória", de 1965, Álvaro Cunhal, traça exemplarmente o quadro da situação de atraso, repressão e miséria em que o país permanecia apontando causas e soluções. Centenas de milhares de portugueses emigram, em grande parte de forma clandestina, fugindo à miséria, à repressão, à guerra colonial, ao desemprego nos campos. O analfabetismo campeia. Em 1970, 15 % do PIB eram remessas de emigrantes.

O país sob o regime do "maior estadista" torna-se alvo de troça e desprezo na Europa. Mesmo nos finais dos anos 60 a escassos quilómetros de Lisboa, o ambiente era como se dizia "terceiro mundista". Um francês manifestava então ao autor a sua opinião sobre Portugal: "com este governo, vocês tornam-se o museu dos povos primitivos na Europa".

Hoje propagandistas da direita exibem na TV gráficos elogiando o "equilíbrio" das contas públicas nesse período…

4 – ONTEM E HOJE

As semelhanças entre a política de direita e a do fascismo são gritantes. Salazar definia então como princípio fundamental para o trabalhador consciente "trabalhar mais e consumir menos". (PPG, p.362) Eis em toda a linha expressas as políticas de austeridade.

O objetivo da direita de "Reestruturar o Estado", não anda longe do "Estado Novo", que se definia com "não parasitário nem social, no sentido de ter como finalidade distribuir a riqueza nacional", pois "o social não pode sobrepor-se aos "interesses nacionais". (PPG 367) Argumentos muito semelhantes aos de hoje para destruírem as funções sociais do Estado, sempre colocadas em termos de "não há dinheiro", exceto para satisfazer a especulação e a fraude e sem tributar o grande capital.

A filosofia era que "a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora é sobretudo um problema de aumento da produção e de organização dos mercados e não um problema de redistribuição de riqueza". Aos trabalhadores havia simplesmente que proporcionar "um salário humanamente suficiente" (!) "criando no operariado a função de colaborador consciente do seu chefe" (PPG 362) Formulações que em nada se distinguem das que atualmente a direita difunde.

Com o movimento sindical perseguido, os trabalhadores sujeitos a privações, o argumento dos "custos no trabalho" servia para os trabalhadores serem levados a aceitar o que quer que fosse para manterem o emprego.

O mesmo argumento encontramos hoje nas confederações patronais para manterem a precariedade sem limites legais e liquidarem a contratação coletiva já que, ontem como hoje, a direita considera ser melhor ter emprego precário e mal pago que não ter nenhum.

Como se vê, o objetivo ideológico da direita é sempre procurar nivelar pelo mais baixo possível e que os explorados assumam como estratégia de sobrevivência os critérios dos exploradores.

O "diálogo corporativo" com "sindicatos nacionais" de obediência ao governo e a prepotência patronal com o poder do seu lado, foi uma ficção: desrespeito pelos horários de trabalho, baixa de salários, despedimentos arbitrários, condições de saúde e segurança desprezados.

A atual concertação social do governo da direita já pouco ou nada se distingue da conciliação de classes que o corporativismo pretendia. A negociação é inexistente ou mera cosmética para o governo impor os ditames da oligarquia, agora escudada na troika.

Os ordenados mínimos fixados em 1935, serviram (ontem como hoje) para o patronato baixar salários. Em 1947 e em 1949, um homem do regime, Daniel Barbosa, evidenciava que os salários tinham descido abaixo do mínimo de sobrevivência. (PPG 356 e 357)

Numa "Mensagem ao sr. Presidente do Conselho" os Sindicatos Nacionais nos anos 40 exprimiam "a miséria de muitos em contraste com poderio financeiro e o enriquecimento desenfreado de um reduzido escol" e "o crescimento da riqueza de alguns à custa de todos". Pediam então para o governo "mudar de políticas". (PPG 364) Faz-nos lembrar a UGT, nos seus apelos ao governo no mesmo sentido. Mas a UGT, com linguagem muito mais suave…

Apesar da repressão fascista, as greves e reivindicações sucedem-se, os grevistas são acusados de "minar a ordem económica e social estabelecida". As gentes da "situação" procuravam demonstrar a "sem razão" das reivindicações operárias, "ainda por cima por parte de sectores dos mais bem pagos". (PPG 377)

Eis o que nos traz aos dias de hoje, com a propaganda contra as greves e lutas de "privilegiados" que têm contratos coletivos de trabalho e salários acima da média, prejudicando os desempregados. A hipocrisia política da direita parece não ter limites…

A crise que a oligarquia originou não é um acidente, é uma consequência direta das suas políticas neoliberais tornando-se uma oportunidade para combater a democracia, as iniciativas e ações populares.

Ontem como hoje temos o "elogio da pobreza virtuosa", que o desenvolvimentista Ferreira Dias contestava (PPG 424), com o governo a elogiar "os sacrifícios dos portugueses", escamoteando, que esses sacrifícios não são apenas inúteis mas contraproducentes.

Apesar das duras condições em que eram realizadas, as lutas dos trabalhadores conseguem melhores condições e melhores salários, obrigam o regime a recuar. O temor pelo seu recrudescimento e pela crescente influência do PCP, obriga o governo a cedências.

Certos sectores industriais compreendem que o aumento da produtividade e da produção de mais-valia, não era compatível com as condições de semi-escravatura dos trabalhadores e vão aceitando reivindicações de melhores condições de trabalho e salários. Compare-se com a atual situação na "concertação social" acerca do aumento do salário mínimo: apesar do acordo das confederações patronais não é aceite pelo governo.

5 - HOJE E ONTEM

Cavaco e a sua "salvação nacional" foi uma tentativa de comprometer o PS num mesmo programa político dominado pela direita, instituindo o partido único neoliberal. Declara então: "os portugueses tirarão as suas ilações sobre os agentes políticos se não houver acordo". A direita diz que "foram lançadas sementes"…De quê?

Cavaco tentava assim criar um sucedâneo da União Nacional salazarista ou da ANP marcelista, com políticas à partida definidas pela agenda de total submissão à troika e aos "mercados" da especulação e usura, sempre em nome do "superior interesse nacional".

Passos Coelho, a quem o PS dispondo-se ao "consenso" ofereceu credibilidade e uma renascida segurança, tirando o governo e o próprio PR do atoleiro para onde as suas políticas os tinham levado, fala sem pudor em "união nacional". Não é uma maneira de falar, é muito pior: é uma maneira de pensar, associando-se ao branqueamento e à difusão de expressões conotadas com o salazarismo.

Situação que conduziria, tal como no salazarismo, a eleições sem permitirem alternativas políticas, à Constituição alterada de acordo com os desejos da oligarquia, podendo ainda ser subvertida por leis avulsas.

O PS não entende que a UE é uma entidade reacionária, que já se encaminhou para o domínio neocolonial-neofascista da potência hegemónica, a Alemanha. Os tratados da UE estabeleceram uma "contra revolução preventiva" "uma construção visando contrariar preventivamente os reveses que a ordem capitalista poderia ter da parte dos movimentos sociais e políticos da classe trabalhadora" " A UE é "uma entidade política de soberania fragmentada, que não vê a sua unidade política senão garantida pela burocracia de Bruxelas submetida à finança internacional" (EFFE p.27 e 90)

A Revolução de ABRIL trouxe para Portugal respeito, admiração, progresso. Hoje, a política de direita faz-nos regressar a situações da ditadura. O desprezo pelo nosso país exprime-se no qualificativo de PIGS, preguiçosos e gastadores, que a direita europeia pôs a circular para os povos mais vulneráveis submetidos às suas iníquas políticas.

P. Coelho, assume-se como defensor dos interesses dos especuladores internacionais: "O país não precisa de gente que acalente a perpétua vontade do Norte da Europa passar a pagar as nossas dívidas" – declarou em julho perante o CN do PSD, a que a comunicação social assistiu. Sublinhe-se a expressão de conteúdo fascista: "o país não precisa de gente". Eis como um governo sem legitimidade real trata os que se opõem às suas políticas de submissão aos interesses estrangeiros.

O governo neoliberal de Cavaco criou nos anos 80 as condições para a destruição da indústria e da agricultura e o desmantelamento das pescas, a troco das transferências de verbas da CE (UE). A condecoração de ex-pides e a recusa de subvenção a Salgueiro Maia, mostraram ser o homem com que a oligarquia mais podia contar.

Neste contexto, não surpreende que António Borges (ex-assessor do governo e ex-quadro superior da megafraudulenta Goldman Sachs), que afirmara "não ser possível fazer reformas com a gritaria da oposição", tenha merecido elogio fúnebre como "um dos maiores economistas da sua geração". No entanto, a morte de Urbano Tavares Rodrigues, um dos maiores escritores da sua geração, internacionalmente prestigiado, tenha sido ignorada em Belém.

Hoje, um governo com o apoio de Cavaco, assume-se perante a atual "UIE" como o garante do projeto anticonstitucional, formalizando a destruição do projeto económico e social da revolução portuguesa. Um governo que encaminha o país para o subdesenvolvimento económico, político, social e cultural, numa via semelhante à do fascismo: um país sem cidadãos, ou antes, cidadãos marginalizados, potencial ou realmente perseguidos.

Pelo espírito de sacrifício e dedicação sem limites à causa da liberdade e do progresso do nosso povo e do nosso país, o PCP tornou-se "na longa noite fascista" o Partido da esperança. Esperança que hoje se expressa na defesa dos valores de ABRIL.
 
[1] Domingues dos Santos participa em 1927 num golpe contra a ditadura, reprimido num banho de sangue. Na sequência desta derrota vai para Paris. Só regressa a Portugal em 1954, morrendo em 1958 com 73 anos. Até ao fim da vida lutou contra o fascismo.
FFE –
En finir avec l'Europe , Cédric Durant , Ed. La Fabrique, 2013
HP – História de Portugal, coord. José Matoso, Ed. Circulo de Leitores 1994
P 30 – O Estado Novo Anos 30, Fernando Rosas, Ed. Estampa, 1986
S FN - Salazar, Franco Nogueira, Atlântida Editora, 1977
SP – Salazar e o Poder, Fernando Rosas, Ed. Tinta da China, 2012
PPG – Portugal entre a Paz e a Guerra, Fernando Rosas, Ed. Estampa, 1990
TCP – Tesouros da Caricatura Portuguesa (1856 - 1928), Paulo Madeira Rodrigues, Ed. Circulo de Leitores 1977

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
 

No comments:

Post a Comment