Jornal Notícias (mz), opinião
Na sequência dos raptos que vêm ocorrendo um pouco por todo o país, ouvimos, amiúde, familiares dos cidadãos sequestrados – de origem indiana – afirmarem que a Polícia nada está a fazer para parar com os sequestros. No rol das suas lamentações chegaram a figurar ameaças de greve (encerramento do comércio) como forma de manifestarem o seu descontentamento em relação a não actuação das autoridades policiais no sentido de pararem com o crime.
Neutralizados alguns gangues compostos de suspeitos de serem orquestradores/executores dos sequestros, os tribunais iniciaram os necessários e indispensáveis julgamentos para levar os até agora indiciados a cumprirem penas de prisão – caso sejam condenados. Chamadas as vítimas para perante o tribunal e os indiciados apresentarem as suas versões dos factos, eis que se furtam a tal sob várias justificações.
Esta situação levou o juiz que preside ao julgamento do segundo caso de sequestros – o primeiro foi o do rapto do proprietário da INCOPAL –a lamentar a falta de colaboração das vítimas.
Citado pelo Jornal “Notícias” – edição de 18 de Setembro –o Meritíssimo Juiz Malhope dizia: “Todas (as vítimas) dizem que estão fora do país, o que não é verdade. Não acredito que estejam fora de Moçambique, mas sim não querem colaborar no esclarecimento do caso. Por isso, lanço um rigoroso apelo para que todas as vítimas colaborem com o tribunal com vista a esclarecer os raptos. O mesmo apelo faço aos familiares e a outras pessoas que negociaram com os raptores, pois é difícil julgar um processo sem a colaboração das partes”.
Perante este desabafo do juiz da causa, perfilam dois aspectos a merecerem alguma análise:
Primeiro – O grito da comunidade muçulmana, lançado aquando do recrudescimento dos raptos era ou não real? Se era e é real, não seria de todo normal que uma vez detidos algumas pessoas indiciadas de organização e ou participação no crime, as vítimas e/ou seus familiares e outras pessoas testemunhas colaborem com as autoridades para o esclarecimento do (s) caso (s)? Sendo as vítimas dos sequestros os maiores interessados em ver responsabilizados os raptores, não seria normal que eles prestassem a maior colaboração possível?
Segundo – O crime de sequestro com exigência de pagamento de avultadas somas em dinheiro para a restituição das vítimas à liberdade é um fenómeno relativamente novo entre nós. Mas é praticado por indivíduos “batidos” no crime em geral. Pois tanto um como outro tipo de crime têm como denominador comum o acesso fácil, rápido e garantido ao dinheiro. Portanto, sendo os seus praticantes criminosos “de mão cheia”, não hesitam em exigir silêncio às suas vítimas sem o que poderão ser mortas…
Portanto, primeiro, estamos perante uma situação em que as vítimas, seus familiares, testemunhas e outras pessoas eventualmente envolvidas (negociadores e portadores dos valores de resgate), temendo pela sua vida e a dos seus, optam por “não conhecer” os indivíduos apresentados como prováveis raptores. Ao procederem desta forma as vítimas julgam-se a salvo de represálias. Só que, no meu entender, põem-se também a jeito para novo sequestro. Qual vaca leiteira sempre disponível…
Um segundo “portanto”. Estamos perante uma situação que exige das autoridades – policiais e judiciais –a tomada de medidas eficazes de protecção das vítimas. Medidas que devem passar por adopção de novas formas de actuação, nomeadamente no que tange aos procedimentos para a identificação dos malandros. Posso nomear aqui alguns dos procedimentos usados noutros quadrantes. Tais procedimentos passam por criar salas (nas esquadras e/ou nos tribunais), onde os indiciados ficam de um lado e as vítimas ficam do outro – separados de espelhos-vidros. A partir destes espelhos-vidros, com uma única face virada para a vítima, esta identifica o indiciado sem que aquele veja quem o identifica.
Perante a cada vez mais sofisticação do crime entre nós, é tempo de as nossas autoridades se prepararem para também com alguma sofisticação enfrentarem as artimanhas engendradas por indivíduos sem escrúpulos que não mais fazem do que procurarem (e conseguirem) espoliarem pessoas que vivem do seu esforço quotidiano. Sendo certo que as condições atrás sugeridas não existem neste momento no país, não deixa de ser certo que urge que elas sejam criadas como forma de ir-se melhorando a ferramenta a usar para o combate ao crime. Não se pode é continuar a fazer de conta que tudo está bem para depois lamentar “a falta de colaboração das vítimas”…
Marcelino Silva
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