José Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião
É o país sob intervenção da troika que vai a votos este domingo. As eleições autárquicas não ocorrem num país a fingir, em que os municípios são imunes ao choque social e económico dramático que os credores nos impõem com cada vez mais severidade (apesar dos "sinais" e da "volta" vislumbrados em sonhos idílicos pelos membros do Governo). E é claro que no domingo à noite será à luz da realidade política desse país verdadeiro que serão lidos os resultados eleitorais. Nos muitos concelhos em que estive nestas últimas semanas ouvi, martelado vezes sem conta, o discurso de "um país, duas realidades": o país da troika no Terreiro do Paço e o país das estradas esburacadas, dos hospitais a fechar e dos centros urbanos desertos e em degradação nas cidades e nas vilas.
Ora, não há dois países: o país da troika é o país das cidades e das vilas. É nas cidades e nas vilas que o desemprego tem rostos concretos, é nas cidades e nas vilas que a falta de horizontes dos jovens e o desespero dos velhos tem nomes concretos, é nas cidades e nas vilas que a emigração tem vidas concretas. É nas cidades e nas vilas que as políticas da troika zelosamente aplicadas pelo Governo entram no quotidiano das pessoas. As estradas esburacadas, os hospitais a fechar e os centros urbanos desertos e em degradação são o país da troika. O país da troika é aqui, em cada terra que vai a votos no domingo.
Esta realidade é convenientemente ignorada pelos aristocratas do populismo justicialista. Dedicam-se a exercícios de aritmética sem alma para justificarem o seu apoio agora a candidatos que, num passado nada longínquo, criticaram por incom- petência extrema ou mesmo por promiscuidade com negócios obscuros. Os aristocratas do populismo profundo são assim: escolhem sempre o que há de mais velho no sistema porque têm horror ao que o transforma a sério.
No país da troika que vai a votos no domingo são precisamente escolhas fortes que têm de ser feitas. Aponto três. Primeira: a escolha entre mais democracia ou menos no país das cidades e das vilas. Num momento em que a troika esvazia a democracia portuguesa de conteúdo material, estas eleições vieram recolocar, pela voz de partidos e de movimentos, a exigência contrária de mais democracia participativa, responsabilizando mais os eleitos pelas suas decisões mas responsabilizando também mais os cidadãos pelo exercício do poder que muda as vidas. Segunda: a escolha entre a cedência, satisfeita ou disfarçada, aos interesses mais poderosos e a coragem de defender sem transigências o interesse público. O país das cidades e das vilas é uma montra de violações grosseiras de planos municipais e de servilismo para com o betão especulativo. Estas eleições, pela mão de partidos e de movimentos, trouxeram para o centro do debate a pergunta decisiva da democracia: mandam os cidadãos ou mandam os poderes fácticos não controlados? Terceira: a escolha entre tratamento do aspeto superficial e serviço difícil aos mais pobres. Contra as velhas estratégias de multiplicar obras sem sentido e criar nichos fictícios de afirmação local, partidos e movimentos trouxeram a urgência da resposta social à agressão ao povo para o centro da escolha de domingo.
Por muito que custe aos aristocratas do populismo conservador, estas são as escolhas irrecusáveis que se farão no domingo no país das cidades e das vilas que é o país da troika.
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