Tiago Mota Saraiva – Jornal i, opinião
Um foi banqueiro, o outro guarda-freio. Pouco terão tido em comum para além de terem morrido há poucos dias. Na hora da morte, o primeiro mereceu um comunicado de um Presidente da República que confunde amizades com o cargo que ocupa; o outro mereceu o respeito de quem o conheceu.
No caso do banqueiro, os seus amigos ocuparam as televisões para falar da sua inteligência e dos seus sucessos profissionais, que tão caros nos vão saindo. Um alcoviteiro do regime não hesitou em revelar o detalhe de que, mesmo com um cancro do pâncreas, ainda viajou na sua última semana de vida. O banqueiro conseguiu, o que vai sendo cada vez mais raro em Portugal perante os caros tratamentos contra o cancro, ter qualidade de vida até ao último momento.
O outro, João - como tantos Joões heróis da vida de cada um -, deu entrada nas urgências de um hospital público duas semanas antes de morrer. Tinha uma infecção mas no hospital não havia o antibiótico para lhe ministrar. No turno seguinte ao da entrada, uma promissora gestora de camas de hospital de nome Doutora já se prestava a dar-lhe alta, ainda que não se conseguisse suster em pé e a idade desaconselhasse, declarando o quadro clínico estável e prescrevendo "caldinhos". Perante a resistência da família conseguiu passar a noite vigiado, mas a alta chegou logo na manhã seguinte. Esteve algumas horas fora do hospital. Na sua última semana de vida não trabalhou como o banqueiro. Esteve acamado e sedado. Aliás, nos seus últimos anos de vida não trabalhou. Estava reformado. Era um daqueles casos clínicos que os que nos governam declaram economicamente insustentáveis. Para eles, tudo fazer para prolongar a vida ou proporcionar uma morte tranquila, que não aos da sua casta, é coisa de país que vive acima das suas possibilidades.
Escreve ao sábado
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