Ana Dias Cordeiro – Público – 26 setembro 2013
Manuel Nito Alves é menor, membro do Movimento Revolucionário. Foi preso por imprimir T-shirts contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Já lhe chamam "o rapaz que abalou o regime".
Um jovem de 17 anos está detido em Luanda há 14 dias sem acusação formal. Manuel Baptista Chegonde Nito Alves é activista do Movimento Revolucionário que contesta o regime do Presidente José Eduardo dos Santos. Mas foi o movimento de contestação ao anterior Presidente Agostinho Neto, liderado por Nito Alves e José Van Dunem e brutalmente reprimido em 1977, que lhe inspirou o nome.
Dias antes de ser detido, Nito Alves fez uma encomenda para a impressão de T-shirts com a fotografia de José Eduardo dos Santos e as palavras "fora", "ditador" e "nojento". Nas costas, dirigia-se ao "povo angolano" lembrando o título de um livro do jornalista Domingos da Cruz Quando a Guerra É Necessária e Urgente, escreve o site Maka Angola do defensor dos direitos humanos angolano Rafael Marques que, num outro artigo, se refere a Nito Alves como "O rapaz que abalou o regime". O jovem foi detido a 12 de Setembro junto à fábrica onde ia levantar as T-shirts.
Desde então, ninguém o viu. O telemóvel não está com ele. É a mãe que atende. Confirma que a família não o pode ver. “Mas a comida que levamos está a chegar a ele. Sabemos isso”, conta ao PÚBLICO antes de interromper a conversa. Não quer dizer mais nada, não conhece quem lhe faz perguntas do outro lado da linha. Pede para desligar e remete para os advogados.
Os advogados têm, nas duas últimas semanas, tentado saber junto da Procuradoria-Geral da República por que Manuel Nito Alves não tem acesso a advogado, nem teve o direito à presença de um no primeiro interrogatório, como determina a lei. Querem saber de que é acusado. Difamação?, como se chegou a dizer de forma informal. Atentado à segurança do Estado?
“Este jovem não cometeu nenhum crime”, garante Salvador Freire, um dos advogados da Associação Mãos Livres, que representa os jovens activistas em processos que se têm sucedido nos últimos meses. São detidos por tentarem organizar ou por participarem em manifestações pacíficas a exigir mais liberdade de expressão e pluralidade democrática. Dois activistas, Alves Kamulingue e Isaías Kassule, estão desaparecidos desde Maio de 2012, quando o movimento organizou uma manifestação pacífica em que também evocava o 27 de Maio de 1977 quando a revolta contra Agostinho Neto foi esmagada.
No poder desde 1979
“32 anos é muito” era um dos slogans contra os 32 anos de poder de Eduardo dos Santos em 2011, quando este movimento, inspirado na Primavera Árabe do Norte de África e Médio Oriente, começou a sair à rua, a imprimir cartazes e T-shirts, a fazer circular na Internet apelos à manifestação e vídeos a criticar o regime. “A revolução será televisada e vai triunfar”, diziam. “Exercer cidadania não é crime” ou “Basta de exclusão social em Angola” eram outros slogans.
Passaram mais dois anos, houve eleições em 2012, e o MPLA continua no poder com uma maioria que lhe permitiu reconduzir o Presidente no cargo. Estes jovens, que nasceram depois da independência, não identificam o MPLA como o partido da luta de libertação, Movimento Popular para a Libertação de Angola. Para eles que estudam e têm uma janela aberta para o mundo através da Internet, MPLA significa “Menos Pão Luz e Água”. Exigem o que é exigido noutros países.
São detidos por crime de desobediência ou distúrbio da ordem pública, ficam presos e são depois libertados provisoriamente. David Mendes, da Mãos Livres, diz que o objectivo do poder “é apenas desincentivar os protestos”. Enquanto estão detidos, alguns são torturados.
“Nito Alves está a ser torturado”, garante o advogado Salvador Freire. “Escreveu um bilhetinho que nos conseguiu fazer chegar.” A solidariedade com o seu caso nasce dentro das próprias paredes da instituição onde está preso. E os bilhetinhos vão chegando cá fora. "O rapaz que abalou o regime", como lhe chama Rafael Marques tem vocação de mensageiro. Em 2011, quando o movimento se entusiasmou com as revoluções da Primavera Árabe, Nito Alves tinha 15 anos. Distinguiu-se dos outros jovens do bairro do Chimuco (município de Viana, Luanda) onde reside, por colar num mural recortes de jornais e textos críticos do regime para os vizinhos lerem.
Juntou-se ao Movimento Revolucionário, às manifestações contra o Governo, e em 2012 tornou-se alvo de perseguições da polícia, lê-se no site Maka Angola que o elege como "figura de referência contra o regime" para uma geração.
"Ilegalidade da própria PGR"
O jovem está agora numa cela individual na Direcção Provincial da Investigação Criminal (DPIC), no centro de Luanda. Não se sabe em que condições. De isolamento? “Não sabemos nada”, diz Salvador Freire. “Mas dadas as condições péssimas das nossas cadeias, nessas celas, tudo pode acontecer.” Os advogados temem pela sua integridade. "Estamos perante uma ilegalidade cometida pela própria PGR”, diz. “Foi a Polícia que tomou a iniciativa de o deter, mas a Polícia Nacional não é responsável pela instrução do processo.”
A lei prevê que o interrogatório seja feito na presença de um advogado, [que haja] acusação para manter o suspeito preso e a transferência das celas da Polícia para uma cadeia, explicam os advogados que têm tentado obter esclarecimento do procurador junto da DPIC. Nada disto aconteceu. O que se verificou "viola o estabelecido no artigo 63.º da Constituição que impõe o dever de informar os presos, no momento da sua detenção, das razões e do crime cometido", consideram os advogados da Associação Mãos Livres. "Ao não informar os advogados, nem o preso, o crime que teria cometido Nito Alves, o procurador como fiscal da legalidade estaria a cometer um acto ilícito", acusam.
O PÚBLICO tentou contactar a Procuradoria mas sem sucesso.
Já o comandante-geral da Polícia Nacional, Ambrósio Lemos, confirmou ao PÚBLICO que Nito Alves está preso nas instalações da polícia, mas recusou falar sobre o caso. “O caso está com o procurador. Não podemos deter o jovem sem o seu aval.” Também recusou esclarecer a acusação e as razões por que o activista não tem acesso a advogado e direito a visitas. "Este é um caso da polícia. Este é um caso do país", disse ao PÚBLICO. E desligou.
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