Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
O rigor apresentado pelo governo, pela Alemanha, pela troika, pela Comissão Europeia e pelo Conselho Europeu por unanimidade é hoje provadamente o rigor mortis. Os cadáveres somos nós, os europeus do Sul esmagados por várias armas de destruição em massa: uma política de austeridade assassina, uma moeda disfuncional, que, não sendo apátrida, é fundamentalmente alemã, e a Alemanha é um país onde não existe qualquer apoio político para desencadear os mecanismos de resolução da crise, como a mutualização da dívida, vulgo eurobonds.
Depois de três longos anos de crise, os europeus do Sul já deviam ter percebido que o que os espera é a dizimação – e agir em conformidade. Não será nunca possível esperar que o governo de Lisboa (que entregou a Frankfurt a pasta das Finanças) dirija qualquer levantamento contra as políticas de austeridade dentro do euro. Afinal Passos queria "ir além da troika", desmantelar o Estado e deixar Portugal com o nível salarial do Bangladesh para obter "competitividade". Mas é duvidoso que outros sinais de desagrado mais evidentes – que chegam da Itália, do novo primeiro-ministro Letta, ou até da Grécia – consigam obter qualquer tipo de resultado.
Gaspar condena-nos ao rigor mortis (a queda de 1700 milhões nas prestações sociais é um indicador claro) e depois descobre "a retoma", baseado provavelmente na mesma calculadora que usou desde o princípio e falhou todas as previsões em que se meteu. Segundo o Documento de Estratégia Orçamental, o consumo interno vai aumentar em 2014 – apesar de ser o ano, segundo o mesmo documento, que vai registar a maior taxa de desemprego de sempre. A menos que Gaspar tenha incluído nas previsões os eventuais prémios de Euromilhões que venham a cair em Portugal, é totalmente incompreensível até para um leigo porque diabo a procura interna há-de subir se não há dinheiro – o que acontece sempre que não há emprego. Se um dia se descobrir que Gaspar tinha um problema psiquiátrico que lhe toldou o pensamento e as contas, talvez os portugueses manifestem alguma compreensão.
Passos Coelho avisa que a alternativa ao rigor mortis é sair do euro, fazer uma desvalorização da moeda e de salários reais e ficar sem dinheiro para comprar coisas importadas. Cada vez mais são os que estão disponíveis para aceitar esse tipo de condições a troco de mais emprego (a taxa de desemprego era de 8% nos anos negros de 1983-85), que virá do aumento das exportações com uma moeda mais fraca. Catástrofe é o que existe e que, por variadíssimas razões, é irreversível: o statu quo europeu, a guerra Norte-Sul, a impossibilidade de transformar a Europa numa espécie de Estados Unidos. Alguém já escreveu que para salvar o que resta das aquisições da União Europeia é preciso acabar com o euro. Esse deveria ser o objectivo dos próximos Conselhos Europeus: uma estratégia para acabar com o euro com o mínimo de danos possível.
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