Thursday, August 29, 2013

PORTO RICO: A COLÓNIA MODELO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Segundo documentos filtrados por Edward Snowden, Porto Rico é um centro de espionagem da NSA e da CIA, utilizado contra alguns países latino-americanos. Na Base Naval de Sabana Seca, a NSA e a CIA interceptam milhares de milhões de chamadas telefónicas, mensagens SMS e correio eletrónico. O maior número de intercepções, no continente americano, ocorreu no Brasil e na Colômbia e assiste-se a um aumento do número de intercepções na Venezuela. 
 
Transformado numa base de rastreio de comunicações norte-americana, Porto Rico, colonizado pelos USA em 1898, é desta forma utilizado contra os movimentos sociais da região, assim como no combate às guerrilhas colombianas, ao mesmo tempo que serve de plataforma para espiar os governos dos países da ALBA, UNASUR e CELAC, que procuram criar novos modelos de desenvolvimento. Mas esta é também uma guerra ao movimento independentista porto-riquenho, pois as intercepções foram igualmente efectuadas aos colonizados cidadãos porto-riquenhos.
 
As movimentações sociais e os protestos contra a administração norte-americana aumentaram de intensidade no território. O governador Alejandro García Padilla acusou, recentemente, Washington de inacção e propôs a convocação de uma assembleia constituinte, sendo apoiado nesta decisão pelo Partido Independentista de Porto Rico (PIP) e por sectores da ala esquerda do Partido Popular Democrático (PPD), o partido a qual pertence. O território tem o estatuto de “Estado Livre Associado” e goza de um regime autonómico, (embora na nomenclatura oficial norte-americana, esse ainda não seja o seu estatuto) mas a proposta de convocar uma assembleia constituinte foi mal vista por Washington. A administração Obama associou a proposta de Padilla às declarações do presidente venezuelano, Nicolas Maduro, em Caracas, anunciando que a Venezuela iniciará os procedimentos para a admissão de Porto Rico na Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe.
 
O PPD assumiu na campanha eleitoral de 2012 a possibilidade de efectuar uma assembleia constituinte para encontrar uma solução politica que possa solucionar o problema de Porto Rico. No último referendo, 54% da população disse não ao estatuto colonial (na nomenclatura dos USA Porto Rico era considerado colónia) e 45% votou a favor da anexação (donde resultou o actual estatuto de Estado Livre Associado). Os resultados do referendo foram consignados pelo Comité de Descolonização da ONU e proporcionara o reconhecimento da CELAC. Da mesma forma a UNASUR pediu aos USA para colocarem um fim á condição colonial de Porto Rico.
 
Padilla relembrou ao Senado dos USA que o estatuto autonómico tem seis décadas e que Washington nunca o reconheceu, sendo o referendo uma forma de pressionar a Casa Branca, mas o Senado norte-americano teima em manter a condição territorial de colónia, alegando que tal questão levanta um “problema de moral politica” para os USA. Esta posição levou a que a ala “soberanista” do PPD exigisse uma posição dos “moderados“ do partido, liderados pelo governador, o que originou um período de fricções internas no PPD.
 
Por sua vez o PIP fez da assembleia constituinte um porta-bandeira e pretende uma frente ampla, que englobe sectores anexionistas e autonomistas, numa posição comum perante Washington. De fora fica o Novo Partido Progressista (NPP), anexionista, presidido por Pedro Pierluisi, Comissário Residente em Washington, que não quer ouvir falar na Assembleia Constituinte, propondo em alternativa um plebiscito sobre a anexação.
 
Cipaios e anacoretas movimentam-se, enquanto o sopro da emancipação se faz sentir…Na brisa da revolta sente-se a presença histórica de Marti...
 
II - A Norte do continente americano tudo é olhado com suspeita. A Casa Branca mergulha o país num clima de insegurança, suspeita e medo, que tem levado os mais diversos sectores da opinião pública a manifestarem as suas preocupações. Recentemente, num encontro em Atlanta, o ex-presidente Jimmy Carter respondeu desta forma a uma pergunta sobre Snowden: “America does not have a functioning democracy at this point in time,”
 
O secretismo e o ambiente de terror reinam em Washington. Os atropelos aos direitos humanos o amordaçar liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, a invasão da privacidade, o continuado esmagamento do individuo, o esquartejamento dos direitos sociais e os direitos cívicos cilindrados, dia-após-dia, transformam os USA num estado policial. A sobranceria com que o Senado tratou a questão de Porto Rico é apenas mais um exemplo da actual realidade norte-americana. A “democracia” tornou-se um produto exportável, altamente rentabilizado desde a administração Bush e as técnicas de exportação foram apuradas e levadas ao extremo durante a administração Obama.
 
O actual regime norte-americano não é mais do que um culminar de atropelos cometidos desde proclamação da independência. Através dos tempos os USA tornaram-se um imenso Imperio, gerido como se tratasse de uma poderosa multinacional, com os seus accionistas e com os seus Conselhos de Administração. Nos USA já não se elegem mais presidentes da Republica, nem senadores ou congressistas, mas apenas Administradores e vogais, Conselhos Fiscais e grupos de trabalho, tudo para gerir um enorme Casino trucidador de indivíduos, pobres, povos e nações.
 
Os dois partidos são apenas duas listas representativas dos diversos interesses dos vários grupos de accionistas e a democracia termina resume-se ao exercício do voto. Os eleitores escolhem e depois, na pele de cidadãos, obedecem às consequências da sua opção. Simples e eficaz como as Bolsas de Valores. Compra-se e vende-se, oferece-se e adquire-se, ganha-se e perde-se. Perde-se o quê? A vida, os sonhos, os filhos, os maridos, os entes queridos, nas guerras constantes. É o pesadelo do American Dream.      
 
“Não existe censura nos USA” proclamam os sonâmbulos. Claro que não, por uma razão muito simples: não é necessária.        A realidade é filtrada e a indústria mediática só passa a filtração, tornando obsoleta e inútil a figura do censor e o acto da censura. Censurar para quê se o Big Brother em Washington observa tudo e todos através dos sofisticados sistemas de vigilância? Hobbes coraria de vergonha, pensando em como era tímido, afinal, o seu Leviatã e Maquiavel enroscar-se-ia no seu Príncipe, se percorresse os corredores da Casa Branca e os subterrâneos do Pentágono. Todos os cidadãos norte-americanos são suspeitos e todas as nações para lá das fronteiras da sede do Imperio são potenciais inimigas. São estes os pressupostos de Washington e dos seus sequazes, que enveredaram pelo caminho da “segurança acima de tudo”, criando um ambiente de paranoia tenebrosa e asfixiante.
 
E que se prepare o Povo norte-americano para a próxima emenda constitucional: o célebre preambulo “Nós, o Povo, decidimos”, será substituído por “Nós, os vigilantes, controlamos”.  
 
III - Todos os que acreditam que as políticas de segurança se devem sobrepor aos direitos liberdade e garantias podem ser perfilados em duas diferentes categorias: lunáticos e imbecis. O problema, no entanto, não está nos que acreditam (estão fora dos preceitos da racionalidade) mas sim nos que não acreditando praticam, ou seja os Estados e a corja de vendedores de banha da cobra que rodeia os aparelhos de estado.
 
Sempre que um serviço de segurança penetra na nossa conta de Facebook vigia uma rede que engloba os nossos amigos e os amigos dos nossos amigos. Desta forma vigiam-se um complexo de redes imensas, compostas por milhões de pessoas, nos mais diversos pontos do globo.
 
Em 2011 um grupo de investigadores da Universidade de Milão elaborou uma escala de relacionamentos. Através desta escala é revelado que um usuário assíduo das redes sociais tem um padrão de relacionamentos muito acima de qualquer outro. Por exemplo um usuário do Facebook que tenha 100 amigos na sua conta e que cada um dos seus amigos transportem mais um para a conta, os seus relacionamentos, só nessa conta, abrangem um universo de 10 mil pessoas. Se NSA vasculhar um milhão de contas de usuários do Facebook com este perfil de relacionamentos (100x100) abrange um universo de 10 mil milhões de pessoas.
 
É o fim da velha ordem liberal e democrática formada por oposicionistas armados de flores e de Direito, que marchavam pacificamente sem grandes cordões policiais. Acabou a época em que os polícias eram bem-educados e os elementos dos Serviços de Informação e Segurança eram cavalheiros cínicos e inteligentes. Entrámos numa era em que a autoridade sobrepõe-se á Lei e onde o polícia deixou de ser o agente da lei para passar a ser o legislador de ocasião.
 
Enganam-se pois os que acreditam estarmos na presença de regimes neoliberais. Já passaram! Esta é uma fase de transição para um regime global que tenta legitimar o poder através do terror, utilizando de forma manipuladora os diversos medos colectivos e que transforma tudo num fascizante segredo de estado. A institucionalização do secretismo é uma gangrena que alastra por todo corpo político e que o tornará numa imensa chaga.
 
Digam, pois, adeus á Democracia (mesmo á versão estandardizada da representatividade) e á sua aplicabilidade como regime e como praxis. Dela restará apenas uma embalagem, existindo somente como produto de exportação. E esqueçam-se, também, do vosso papel como cidadãos. Daqui a uns tempos seremos todos porto-riquenhos. Colonizados, anexados e vexados…mas votantes, para exportar o produto.  
 
Fontes
 

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