Deutsche Welle
João Mosca do Observatório do Meio Rural de Maputo critica a falta de aposta na agricultura e a etnização de empresas. Em entrevista à DW fala da pobreza rural e afirma que o seu país está "numa encruzilhada".
DW África: Moçambique atravessa um período com tendências contraditórias: por um lado regista-se um aumento do produto interno bruto, na ordem dos 7% ao ano, com grandes investimentos na área dos recursos naturais; por outro lado vemos que a pobreza no país está a crescer. Isto tem uma explicação?
João Mosca (JM): A razão principal é que os grandes investimentos que impulsionam o crescimento económico são sobretudo investimentos externos virados para a exportação, com pouca criação de emprego local no mundo rural.
DW África: Em que zonas do país a pobreza está a aumentar?
JM: Os últimos estudos indicam que a pobreza aumentou sobretudo nas duas províncias mais populosas, nas províncias da Zambézia e de Nampula. O número de pobres tem aumentado mais nas zonas rurais do que nas zonas urbanas.
João Mosca (JM): A razão principal é que os grandes investimentos que impulsionam o crescimento económico são sobretudo investimentos externos virados para a exportação, com pouca criação de emprego local no mundo rural.
DW África: Em que zonas do país a pobreza está a aumentar?
JM: Os últimos estudos indicam que a pobreza aumentou sobretudo nas duas províncias mais populosas, nas províncias da Zambézia e de Nampula. O número de pobres tem aumentado mais nas zonas rurais do que nas zonas urbanas.
DW África: Há dez anos, vários governos africanos, inclusive o moçambicano, assinaram a denominada "Declaração de Maputo", em que se comprometem a investir mais na agricultura. Há muitos projetos de organizações não governamentais, inclusive da Alemanha, destinados ao mundo rural em Moçambique. Ao mesmo tempo a pobreza rural aumenta. Porquê?
JM: Moçambique ainda não aplicou esse princípio, de dedicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao desenvolvimento rural, no orçamento de Estado. Nos últimos oito, nove, dez anos, o Estado moçambicano dedicou apenas cerca de 4% do orçamento à agricultura.
Mas não apenas isso: a eficácia dos recursos utilizados é muito baixa. Se cerca de 70% da população trabalha na agricultura, sobretudo na produção de bens alimentares no espaço rural, e se essa área produtiva está numa situação de não crescimento ou de declínio, então é isso que justifica o aumento da pobreza, sobretudo em zonas rurais.
É verdade que tem havido melhorias nas áreas da saúde e da educação, no abastecimento de água e de energia elétrica, sobretudo nas vilas principais. Mas, por outro lado, existem grandes problemas de qualidade nesses serviços.
JM: Moçambique ainda não aplicou esse princípio, de dedicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao desenvolvimento rural, no orçamento de Estado. Nos últimos oito, nove, dez anos, o Estado moçambicano dedicou apenas cerca de 4% do orçamento à agricultura.
Mas não apenas isso: a eficácia dos recursos utilizados é muito baixa. Se cerca de 70% da população trabalha na agricultura, sobretudo na produção de bens alimentares no espaço rural, e se essa área produtiva está numa situação de não crescimento ou de declínio, então é isso que justifica o aumento da pobreza, sobretudo em zonas rurais.
É verdade que tem havido melhorias nas áreas da saúde e da educação, no abastecimento de água e de energia elétrica, sobretudo nas vilas principais. Mas, por outro lado, existem grandes problemas de qualidade nesses serviços.
DW África: Devia ser uma exigência lógica, para a política, apostar mais no meio rural. Pois é no meio rural que se concentra também grande parte dos eleitores. Porque é que isso não acontece?
JM: De facto, cerca de 70 a 75 % dos votos vêm, de facto, do meio rural. Mas o custo do voto é muito baixo. A população é pobre e, portanto, existem diferentes formas de cativar e mobilizar o voto com custos muito baixos.
Com pequenas obras de beneficência na área da saúde, com pequenas ofertas nos momentos das campanhas, camisolas, camisetas, etc. é fácil comprar votos. Também com um sistema de poder bastante dominador e com base em sistemas de controlo da população…
DW África: As pessoas que em Moçambique vivem no meio rural não têm lobby?
JM: Não, não têm lobby. Acresce-se que o seu nível de formação é muito baixo. A informação também é muito limitada. O nível de organização do meio rural, dos pequenos produtores, dos pequenos comerciantes, é muito básico ainda. Eles não possuem formas de organização capazes de influenciar o poder e de reivindicar os seus direitos e de formular as suas preocupações, referentes às suas necessidades de progresso e às suas atividades económicas, assim como aos seus níveis de vida, etc. Essa capacidade reivindicativa e de lobby não existe.
DW África: Através do Fundo Distrital de Desenvolvimento (FDD) o Estado moçambicano dá sete milhões de meticais a cada distrito por ano, portanto aproximadamente 170.000 euros para a redução da pobreza. Esta medida do governo tem funcionado?
JM: De facto, cerca de 70 a 75 % dos votos vêm, de facto, do meio rural. Mas o custo do voto é muito baixo. A população é pobre e, portanto, existem diferentes formas de cativar e mobilizar o voto com custos muito baixos.
Com pequenas obras de beneficência na área da saúde, com pequenas ofertas nos momentos das campanhas, camisolas, camisetas, etc. é fácil comprar votos. Também com um sistema de poder bastante dominador e com base em sistemas de controlo da população…
DW África: As pessoas que em Moçambique vivem no meio rural não têm lobby?
JM: Não, não têm lobby. Acresce-se que o seu nível de formação é muito baixo. A informação também é muito limitada. O nível de organização do meio rural, dos pequenos produtores, dos pequenos comerciantes, é muito básico ainda. Eles não possuem formas de organização capazes de influenciar o poder e de reivindicar os seus direitos e de formular as suas preocupações, referentes às suas necessidades de progresso e às suas atividades económicas, assim como aos seus níveis de vida, etc. Essa capacidade reivindicativa e de lobby não existe.
DW África: Através do Fundo Distrital de Desenvolvimento (FDD) o Estado moçambicano dá sete milhões de meticais a cada distrito por ano, portanto aproximadamente 170.000 euros para a redução da pobreza. Esta medida do governo tem funcionado?
JM: Inicialmente esses meios eram utilizados sobretudo para fins que não eram diretamente produtivos. Nos últimos dois, três anos penso que já houve uma certa mudança. Começa a haver alguns investimentos locais ligados ao comércio, ao artesanato e aos transportes.
Mas os investimentos na agricultura – e sobretudo na produção alimentar – têm diminuído. Esses dinheiros são alocados através das comissões distritais que são dominadas, naturalmente, pelo sistema do poder.
Esses dinheiros são praticamente a fundo perdido. O nível de reembolso desse dinheiro é de cerca de 5% a nível nacional. Não existe nenhum mecanismo para a devolução do dinheiro. Portanto, trata-se de recursos que o Estado injeta no meio rural para ganhar domínio sobre a população. O que conta é também a questão do voto. O mais importante para os governantes é consolidar ao nível local, no meio rural, as tais alianças do poder.
Mas os investimentos na agricultura – e sobretudo na produção alimentar – têm diminuído. Esses dinheiros são alocados através das comissões distritais que são dominadas, naturalmente, pelo sistema do poder.
Esses dinheiros são praticamente a fundo perdido. O nível de reembolso desse dinheiro é de cerca de 5% a nível nacional. Não existe nenhum mecanismo para a devolução do dinheiro. Portanto, trata-se de recursos que o Estado injeta no meio rural para ganhar domínio sobre a população. O que conta é também a questão do voto. O mais importante para os governantes é consolidar ao nível local, no meio rural, as tais alianças do poder.
DW África: Existe agora uma tendência para o deslocamento do centro económico do país de sul para norte. Referimo-nos às descobertas de carvão, na província de Tete, e de gás e petróleo, na província de Cabo Delgado. Quais as consequências que esta deslocação do pólo de investimentos do sul para o norte poderá trazer?
JM: O grande risco, que isso pode ter, tem a ver como os grandes grupos económicos, associados aos grupos internos que se vão movimentar. Existirá ou não uma certa etnização, uma certa regionalização dos grupos económicos em relação aos territórios de origem dos sócios nacionais? Penso que esse risco existe…
DW África: E qual seria o risco concretamente?
JM: O risco pode ser o eclodir de conflitos, como acontece em muitos países africanos. Em casos extremos pode haver o risco de divisão do território nacional, como acontece, por exemplo, no Sudão, como houve tentativas várias noutros países, como na Nigéria, em Angola, etc…
É um risco que pode existir. Não há razões muito fortes para que esse risco não possa existir em Moçambique. Há também o risco de uma certa desigualdade do crescimento económico territorial, que já existe. E agora nota-se uma certa alteração do desenvolvimento territorial: as zonas mais pobres poderão passar a ser as mais ricas.
JM: O grande risco, que isso pode ter, tem a ver como os grandes grupos económicos, associados aos grupos internos que se vão movimentar. Existirá ou não uma certa etnização, uma certa regionalização dos grupos económicos em relação aos territórios de origem dos sócios nacionais? Penso que esse risco existe…
DW África: E qual seria o risco concretamente?
JM: O risco pode ser o eclodir de conflitos, como acontece em muitos países africanos. Em casos extremos pode haver o risco de divisão do território nacional, como acontece, por exemplo, no Sudão, como houve tentativas várias noutros países, como na Nigéria, em Angola, etc…
É um risco que pode existir. Não há razões muito fortes para que esse risco não possa existir em Moçambique. Há também o risco de uma certa desigualdade do crescimento económico territorial, que já existe. E agora nota-se uma certa alteração do desenvolvimento territorial: as zonas mais pobres poderão passar a ser as mais ricas.
DW África: Acha que existe o risco de Moçambique se tornar uma segunda Angola, um país em que uma pequena elite política detém também todo o poder económico e em que o alto crescimento económico beneficia apenas poucos e em que a larga maioria vive na miséria?
JM: Sim. Esse fenómeno está em curso. Existem muitas evidências de que esse processo já se iniciou. Existe uma grande concentração de recursos em certos grupos da elite moçambicana. A constituição de empresas, a capacidade de investimento, o envolvimento em negócios internos e com capital externo, as relações do poder político com o setor financeiro com o setor ferro-portuário.
Surgem pessoas com grande capital e capacidade financeira, da elite moçambicana. Não é toda a elite que beneficia disso, mas existe uma grande concentração de renda. É um grupo de pessoas muito restrito. Portanto, o fenómeno de Angola está a emergir em Moçambique, inclusive ao nível das famílias de poder. Em Angola é a família de José Eduardo dos Santos [Presidente de Angola]; em Moçambique está a aparecer a família Guebuza [Presidente de Moçambique].
DW África: É possível evitar a "angolanização" de Moçambique com a não reeleição do Presidente Guebuza?
JM: Tudo isso é uma grande incógnita. Não há respostas definitivas. Se o Presidente Guebuza deixar de ser Presidente, isso não significa que ele deixe automáticamente de ter influência sobre o poder, uma vez que ele continuará a ser presidente do partido no poder, a FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique].
Sabemos que é a FRELIMO que comanda e dirige o Estado e a governação, portanto as grandes decisões são tomadas na FRELIMO e não na governação e, se assim é, continuará a haver a possibilidade de grande influência de Guebuza em tudo o que é atividade governativa e atividade económica, mesmo que seja a partir da sua presidência do partido.
O maior elemento dispersador que poderia surgir seria a formação de novas elites de intelectuais, de académicos, de gente formada, de técnicos em grande quantidade, que não seriam absorvidos pelo sistema do poder. Eles, de fora do poder, poderiam exercer uma atividade política e social e de intervenção mais forte e constituir realmente novas alternativas de poder mais sérias.
Mas isso dependerá também de todo o processo de como está sendo constituído o sistema educativo em Moçambique, particularmente ao nível das universidades. Também aí há uma grande luta. Portanto, tudo está em aberto e tudo está numa encruzilhada.
As oportunidades são grandes, mas os riscos também são muito grandes!
JM: Sim. Esse fenómeno está em curso. Existem muitas evidências de que esse processo já se iniciou. Existe uma grande concentração de recursos em certos grupos da elite moçambicana. A constituição de empresas, a capacidade de investimento, o envolvimento em negócios internos e com capital externo, as relações do poder político com o setor financeiro com o setor ferro-portuário.
Surgem pessoas com grande capital e capacidade financeira, da elite moçambicana. Não é toda a elite que beneficia disso, mas existe uma grande concentração de renda. É um grupo de pessoas muito restrito. Portanto, o fenómeno de Angola está a emergir em Moçambique, inclusive ao nível das famílias de poder. Em Angola é a família de José Eduardo dos Santos [Presidente de Angola]; em Moçambique está a aparecer a família Guebuza [Presidente de Moçambique].
DW África: É possível evitar a "angolanização" de Moçambique com a não reeleição do Presidente Guebuza?
JM: Tudo isso é uma grande incógnita. Não há respostas definitivas. Se o Presidente Guebuza deixar de ser Presidente, isso não significa que ele deixe automáticamente de ter influência sobre o poder, uma vez que ele continuará a ser presidente do partido no poder, a FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique].
Sabemos que é a FRELIMO que comanda e dirige o Estado e a governação, portanto as grandes decisões são tomadas na FRELIMO e não na governação e, se assim é, continuará a haver a possibilidade de grande influência de Guebuza em tudo o que é atividade governativa e atividade económica, mesmo que seja a partir da sua presidência do partido.
O maior elemento dispersador que poderia surgir seria a formação de novas elites de intelectuais, de académicos, de gente formada, de técnicos em grande quantidade, que não seriam absorvidos pelo sistema do poder. Eles, de fora do poder, poderiam exercer uma atividade política e social e de intervenção mais forte e constituir realmente novas alternativas de poder mais sérias.
Mas isso dependerá também de todo o processo de como está sendo constituído o sistema educativo em Moçambique, particularmente ao nível das universidades. Também aí há uma grande luta. Portanto, tudo está em aberto e tudo está numa encruzilhada.
As oportunidades são grandes, mas os riscos também são muito grandes!
*João Mosca do Observatório do Meio Rural de Maputo esteve na Alemanha a convite do Comité Coordenador Moçambique Alemanha – Koordinierungskreis Mosambik (KKM).
Autoria: Johannes Beck – Edição: António Cascais
Na foto: Mercado de alimentos produzidos por pequenos agricultores em Mopeia, Moçambique
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