REGIME É UM GIGANTE MEDROSO
Orlando Castro, William Tonet – Folha 8 – 12 outubro 2013
O regime deteve, e assim continua, no dia 12 de Setembro um perigoso agente da luta contra a segurança do Estado. Sem acusação formal, sobretudo por se tratar de alguém altamente preparado em técnicas terroristas, o detido estará – dizem os advogados de defesa – a ser torturado. Trata-se de Manuel Nito Alves, um jovem, melhor, um puto de 17 anos de idade, activista do Movimento Revolucionário.
Tudo leva a crer que a detenção do jovem se insere no propalado diálogo que o regime diz querer manter com a juventude. Isto porque, como se percebe, o diálogo só é possível quando os interlocutores estão sempre de acordo com as teses oficiais. Os que discordarem e tenham ideias próprias, são enclausurados nas fedorentas e discriminatórias masmorras do “revolucionário” regime no poder.
Neste caso concreto, admite-se que o nome do jovem tenha accionado todos os fantasmas que ainda pululam numa maioria de altas figuras do regime, pondo em estado de alerta muitos dos que, impávida e serenamente, procuram ocultar o seu papel no 27 de Maio de 1977, o tal golpe em que morreram muitos milhares de angolanos, entre os quais o outro Bernardo “Nito” Alves Baptista.
E se os acontecimentos de 27 de Maio de 1977 foram o resultado de uma provocação, longa e pacientemente planeada, tendo como responsável máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder. Não se acreditando que o actual presidente esteja na mesma situação, o que o leva a temer vir a estar, na mesma posição?
Naquele tenebroso 27 de Maio, onde o actual presidente da República foi coordenador da Comissão de Inquérito, o preso mais novo tinha 12 anos; o Joy e escapou à morte “in extremis”. Nas purgas subsequentes, os menores conotados e catalogados com outras forças da oposição ou da sociedade civil foram igualmente detidos e muitos cobardemente assassinados. Hoje passa-se o mesmo.
Nito (Alves), activista do Movimento Revolucionário em Angola, detido no dia 12 de Setembro, tem apenas 17 anos de idade (de luta, a fazer fé nas autoridades, deve ter para aí 37 anos) e esteve três semanas em isolamento, provavelmente com aulas de reeducação política, nas instalações da Direcção Provincial da Investigação Criminal (DPIC).
Como se sabe, a reeducação política impõe um austero regime da aprendizagem onde, ao contrário do que diz, por exemplo, Salvador Freire da Associação Mãos Livres, a “tortura” é uma mera disciplina de dignificação do espírito e do necessário reconhecimento reverencial ao divino “arquitecto da paz e querido líder”
Manuel Baptista Chegonde Nito Alves sairá, se sair, da prisão já com um diploma de cidadão reeducado que jamais mandará imprimir T-shirts com palavras contra o Presidente José Eduardo dos Santos.
Já no fim de Maio, sempre no âmbito do diálogo juvenil superiormente orientado por Eduardo dos Santos, outro jovem - Emiliano Catumbela – foi detido quando participava numa vigília organizada em protesto contra o Governo e em memória de Elias Cassule e Alves Camulingue, dois membros do movimento e que desapareceram em combate.
Bem diz o advogado da Associação Mãos Livres, David Mendes, que as “detenções arbitrárias” apenas pretendem “desincentivar” os protestos pacíficos dos jovens que, aliás, cumprem quase todos os requisitos legais quando pretendem manifestar-se. Quase todos porque, reconheça-se, lhes falta o principal: estar de acordo com o regime.
Recorde-se que, na versão oficial, amplamente divulgada e todos os anos reiterada pela estratégia do MPLA que visa ir de mentira em mentira até à “verdade” final, os acontecimentos do 27 de Maio de 1977 não passaram de um golpe de Estado, cujo fim era destituir e assassinar o presidente Agostinho Neto.
Essa “verdade” oficial esbarra, contudo, na memória dos chamados “fraccionistas” que – ao contrário dos desejos dos carrascos de então - escaparam ao massacre. Assim, o que era uma demonstração cabal de solidariedade com Agostinho Neto mas contra o governo da então República Popular de Angola, onde grassava a incompetência e a corrupção (herdadas, segundo disse esta semana o Procurador-Geral da República, do sistema colonial) foi transformada em tentativa de golpe de Estado.
Se há expressão que se coaduna com a realidade dos acontecimento, ela é a de David Birmingham, historiador britânico, quando fala da “Insurreição desarmada de massas”. O romantismo da iniciativa, à qual aderiu maciçamente uma população que, como hoje, está sequiosa de justiça e equidade social, acabou por demonstrar que, afinal, Agostinho Neto estava manietado por um núcleo duro de extremistas.
Não será líquido que em caso de sucesso, Nito Alves deixasse Agostinho Neto continuar no poder. No entanto, também é crível a tese de que o então ministro da Administração Interna venerava o presidente a ponto de, ingenuamente, acreditar que ele seria incapaz de pactuar com os que faziam da razão da força a força da sua razão, de que é exemplo acabado Lúcio Lara.
Sabe-se hoje, até pela própria evolução (ou estagnação) do MPLA, que Agostinho Neto só valorizava todos aqueles que tinham total liberdade para pensar como ele. Exactamente como agora. Se assim não fosse o “cadafalso” era, como continua a ser hoje, a solução.
Que o digam, embora em épocas diferentes, Viriato da Cruz ou Rodrigues Miguéis e, entre outros, os comandantes da frente Leste (Paganini, Joaquim, Carlos, Roquete), da Rebelião da “Gibóia”, transformada em Revolta de Leste, encabeçada respectivamente pelo comandante Barreiro Freitas, “Gibóia”, substituído mais tarde por Daniel Chipenda.
A execução sem julgamento (mantém-se hoje a tese de que até prova em contrários os adversários são inimigos) de Paganini e companhia, oriundos do Leste, numa zona sob o comando do comandante Toca, natural do Norte, foi vista como uma pura eliminação de quadros da região pelos que vinham de fora.
Recorde-se que em 1965, Agostinho Neto mandou (e nem os extremismos coloniais chegaram a tanto) enterrar vivo Matias Miguéis, então vice-presidente que havia trocado o MPLA pela FNLA. Para dar enfâse a tão bárbara crueldade, a vítima ficou com a cabeça de fora para que os mabecos que ali o colocaram pudessem nele cuspir e urinar.
O assassinato de Deolinda Rodrigues, ordenado pelo comandante Gourgel da FNLA, à revelia de Holden Roberto, poderá ter sido uma retaliação ao que fora feito a Matias Miguéis.
Foi com este enquadramento que Barreiro Freitas, também conhecido por “Katuwa Mitwé”, encabeçou em Dezembro de 1969 um movimento de contestação de guerrilheiros “mbundu” (Sul de Angola), que partiu do Leste com a firme intenção de chegar a Lusaka e fazer contas com Agostinho Neto. A iniciativa gorou-se na fronteira por desentendimentos internos.
O “golpe” do 27 de Maio nada mais foi, na sua génese, do que uma manifestação que, como as de hoje, causou alergias ao regime. E o que era pequeno transformou-se em grande, em imenso. E eis quando, no dia seguinte, os corpos carbonizados de Eugénio Veríssimo da Costa (Nzaji), membro do Comité Central do MPLA e da Segurança das FAPLA; José Gabriel Paiva (Bula), chefe adjunto do Estado-Maior General; major Saydi Mingas (Lutuima), membro do Comité Central e ministro da Finanças; Paulo Silva Mungungu (Dangereux), membro do Comité Central e do Estado-Maior Geral; comandante Eurico Gonçalves, membro do Estado-Maior General, que se suicidou com um tiro na cabeça; António Garcia Neto, director da cooperação internacional; Cristino Santos e João Rodrigues são encontrados num jipe e numa ambulância, na zona da Boavista. De acordo com a versão oficial, que é verosímil, embora existam outras, e até em função dos cargos que ocupavam, a DISA de Onambwe vazou a informação, destes dirigentes terem sido mortos pelos apoiantes de Nito Alves, quando é consabido terem sido eliminados, por um agente infiltrado, precisamente, um dos assessores de Onambwe, que, tendo sido o único que matou, nunca tenha ficado preso, o célebre “Tony Laton”.
Durante os meses seguintes, milhares de angolanos desapareceram (apesar de estarem, supostamente, sob custódia das forças leais a Agostinho Neto), muitos foram torturados, outros mortos, sem qualquer julgamento ou ordem do tribunal militar, criado para o efeito, mas cujas semelhanças com um tribunal de Adolph Hitler, que matava indiscriminadamente judeus, não são mera coincidência.
NOTA DE IMPRENSA
A Associação Mãos Livres, tem vindo a acompanhar com bastante preocupação a forma como está a ser dirigido o processo Nº 9848/13 – OP, conhecido como “Caso Nito Alves”, cuja instrução está a cargo do instrutor Mateus André;
No dia 1 de Outubro de 2013, os advogados da Associação, remeteram um requerimento solicitando a liberdade provisória de “ Nito Alves” nos termos do Nº 2 do artº 10º da Lei Nº 18-A/92 de 17 de Julho – Lei da Prisão Preventiva, uma vez que o crime de que vem acusado, “ ultraje ao Presidente da República”, previsto e punível nos termos do art.º 25º da lei nº 23/10 de 03 de Dezembro - Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, a sua moldura penal abstrata, a pena, eventualmente, a ser aplicada, não ultrapassa os três (3) anos de prisão;
Os advogados que estão a acompanhar este processo: “Caso Nito Alves” contactaram a PGR e lamentavelmente, deles recebemos a informação dos autos terem sido remetidos para um órgão superior não identificado, por isso, não foi decidido o requerimento;
A Associação Mãos Livres, condena toda e qualquer forma de interferência de pessoas ou instituições, não ligadas à instrução na determinação de medidas de coacção processual e exige o cumprimento das normas processuais e a liberdade do jovem menor Nito Alves.
Luanda, aos 8 de Outubro de 2013
O Presidente - Dr. Salvador Freire dos Santos
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