Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
Foi preciso uma semana inteirinha para o governo esclarecer os cortes nas pensões de viuvez. 96% dos beneficiários respiraram de alívio: o corte só vai atingir os detentores de rendimentos superiores a 2000 euros, uma fortuna a preços actuais. Portas fez o seu papel de grande actor dramático inglês: “Houve quem quisesse assustar e alarmar sem escrúpulos os idosos”.
Esse “quem” tem nome: foi o próprio governo que quis assustar e alarmar sem escrúpulos os idosos e os deixou uma semana paralisados de maneira a que ontem suspirassem, na sua esmagadora maioria, de alívio.
Se a fuga de informação que deixou Portas “furioso”, como escrevia o “Expresso”, veio da ala PSD do governo (instituição onde, neste momento, se encontram os maiores inimigos de Portas) é uma prova cabal que o estado da coligação é tão gasoso como o era no dia 2 de Julho quando Portas anunciou a irrevogável demissão.
A teoria da conspiração alternativa – que vem do outro lado do ringue – é que a informação foi posta a circular pelo próprio CDS para poder proporcionar ontem o momento de alívio à grande maioria dos viúvos deste país. As duas teorias são exemplares da decadência a que o governo chegou em vésperas de entrega de um Orçamento do Estado impossível – e com todos os ingredientes para poder vir a ser novamente chumbado pelo Tribunal Constitucional.
Não há explicação para que o governo (a ala PSD, mais a ala CDS ou o “bando de adolescentes” como diz Marques Mendes) tenha deixado o país suspenso durante uma semana sem um esclarecimento decente sobre a dimensão do cortes das pensões de viuvez, que afectam um dos mais frágeis grupos da sociedade, neste momento encarregado de sustentar os filhos desempregados à conta de uma política económica desastrosa que conduz à recessão.
O Presidente da República cometeu um grave erro quando, depois de num primeiro momento ter manifestado desconfiança na solução avançada pelo PSD e CDS para a crise na coligação, não convocou eleições antecipadas no Verão. A “confiança” e a “solidez” quebraram-se para nunca mais voltar. Pedro e Paulo vão continuar a odiar-se em privado e já não o conseguem esconder convenientemente em público. As respectivas cortes estão tão acirradas como na semana que se seguiu à demissão de Vítor Gaspar. E não existe limite para a “falta de escrúpulos”: quando o Orçamento for público, ele revelar-se-á em todo o seu esplendor.
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