Miguel Urbano Rodrigues
Os inimigos do povo, encastelados no governo, recolhem os benefícios do conformismo de milhares de portugueses. Contemplar esse bando de políticos tal como é e não como, mascarado, se retrata e exibe, tornou-se hoje uma necessidade.
É difícil expressar o que senti ao acompanhar o programa da RTP em que Passos Coelho respondeu a perguntas de 20 cidadãos convidados por aquela emissora de televisão.
Alguns camaradas tendem a ver no atual Primeiro-ministro uma caricatura de Maquiavel sem a inteligência do autor do Príncipe.
Não os acompanho. A sua intervenção no referido programa permitiu-me confirmar a opinião que formei do político e do homem.
É minha convicção de que não pretende enganar o povo porque não tem consciência do papel que desempenha no exercício do poder político.
Passos faz-me lembrar aquilo a que a escritora sionista estadunidense Hannah Arendt chamou a banalidade do mal no seu livro sobre o julgamento de Eichmann. Mas, diferentemente dos carrascos nazis que de consciência tranquila praticavam rotineiramente crimes medonhos cumprindo ordens, o Primeiro-ministro julga-se investido de uma tarefa histórica. É ele quem, a serviço de um poder estrangeiro, elabora o plano para a execução dos crimes de que é vitima o povo português. Sente orgulho como intermediário. Vê-se como um predestinado incumbido da missão de salvar a pátria do atoleiro em que se encontrava quando, por via eleitoral, recebeu as insígnias do poder politico.
Admito que não tem a noção do mal que semeia.
A ideia que faz de si próprio melhorou provavelmente com a autoavaliação do seu desempenho no indecoroso programa, montado pela RTP para lhe envernizar a imagem que projeta através da resposta a perguntas quase todas inofensivas. A maioria, formulada por cidadãos sem experiência política, incidiu sobre temas pontuais ou locais. Com duas excepções, não foi questionado pela governação catastrófica da equipa a que preside, tendo Portas por lugar-tenente.
Registei apenas duas exceções: a primeira e a última perguntas.
A primeira incidiu sobre as suas insanáveis contradições e incoerência: incumprimento de compromissos assumidos, e o hábito banalizado de impor hoje o que na véspera garantia que jamais faria. Na última perguntaram-lhe se acredita ter condições mínimas para se manter à frente do governo após o desastre a que conduziu o país.
A ambas as questões respondeu quase eufórico, como um irresponsável. Aproveitou a primeira, para, numa pirueta, ignorando-lhe o conteúdo, repetir o seu bolorento e monocórdico discurso sobre os benefícios futuros da sua política de austeridade. O auditório (100 cidadãos selecionados pela RTP) teve de ouvir a lengalenga sobre os «sacrifícios» e a forma compreensiva como o povo os aceita, sua certeza de que o país está a caminho de vencer a crise. Manifestou alegria por indicadores fantasistas sobre a diminuição do desemprego e o crescimento da economia e a iminência de investimentos que vão chover sobre Portugal, etc, etc.
A última pergunta ofereceu-lhe a oportunidade, esperada, de esboçar o auto-elogio ditirâmbico da sua governação.
Foi categórico sobre a sua permanência no poder. Claro que fica. Conforta-o a certeza de que um dia, talvez não distante, o povo, finalmente grato, reconhecerá o significado histórico da sua obra.
Não é homem de dúvidas. Falou com a firmeza de Júlio César ao dirigir-se ao Senado no regresso triunfal a Roma depois de ter derrotado Pompeu em Farsala. Parecia, pela fogosidade, assumir o orgulho de Cromwell ao prever no Parlamento britânico que as suas reformas seriam o alicerce da futura grandeza da Inglaterra.
A VOCAÇÃO PARA A TIRANIA
Como é possível termos chegado a este pantanal, perguntam hoje, angustiados mas perplexos, milhões de portugueses. Como pôde esse homem e a sua equipa de inimigos do povo semear tanta destruição em dois anos?
Há políticos maléficos, mas que são dotados de uma inteligência diabólica.
Não é o caso de Passos. Além de inculto, é pouco inteligente. Mas não se apercebe da sua pequena dimensão humana e intelectual. Crê, repito, que está a fazer grandes coisas.
Ao fechar o televisor, meditei sobre a farsa a que tinha assistido.
Em Portugal cresce agora, a cada dia, a indignação provocada por uma política de desprezo pelo povo trabalhador, política que arruinou o pais e tripudia impunemente sobre direitos e garantias constitucionais.
O protesto nas ruas e lugares de trabalho adquiriu carácter permanente, abrangendo camadas da população que tradicionalmente não participavam em greves e manifestações. Mas essa ruptura de mecanismos de alienação não é generalizada.
A tomada de consciência das massas brota da conclusão, filha do sofrimento, de que isto não pode continuar como está, pelo que é urgente correr com este governo de pesadelo.
O alargamento da frente de luta é ainda, contudo, insuficiente. Uma parcela ponderável da população não participa da mobilização contra o monstruoso sistema de poder implantado no país.
A comunicação social, controlada pela engrenagem do grande capital, em vez de contribuir para ascensão das lutas populares, cumpre um papel desmobilizador. Os jornais ditos de referência, a televisão e a rádio criticam com displicência a obra devastadora de Passos & Companhia, mas não lhe contestam a legitimidade para a prosseguir.
Nesse jogo de astúcias, o papel dos analistas políticos – quase todos gente ligada ao poder – favorece a tendência de faixas importantes da população para aceitar com resignação, quase como fatalidade, a destruição do país.
Muitos cidadãos que condenam e desaprovam o desgoverno permanecem passivos. Cruzam os braços perante um suposto inelutável. Estabelecem clivagens entre os ministros. Alguns surgem-lhes no quotidiano como pessoas normais, ate bondosas.
Esses portugueses que assistem sem participar são, afinal, iludidos pela banalidade do mal.
Já lembrava Cervantes no Dom Quixote que a diferença entre el cuerdo y el loco é menos transparente do que muita gente imagina. Em muitos casos não é facilmente identificável.
Os inimigos do povo, encastelados no governo, recolhem os benefícios do conformismo de milhares de portugueses.
Contemplar esse bando de políticos tal como é e não como, mascarado, se retrata e exibe, tornou-se hoje uma necessidade.
Contrariamente a Portas, perverso e maléfico, mas dotado intelectualmente – Passos, repito, é pouco inteligente.
Não consegue sequer disfarçar o seu pendor para métodos autocráticos. Abomina a Constituição, desrespeita-a, viola-a com frequência. Desejaria poder despedaçá-la, revogá-la, mas não pode.
Enche diariamente a boca com a palavra democracia, apesar de incompatível com ela.
Identifico nele uma frustração indisfarçável por não estar ao seu alcance governar no quadro institucional do regime para o qual está vocacionado: a ditadura!
É difícil expressar o que senti ao acompanhar o programa da RTP em que Passos Coelho respondeu a perguntas de 20 cidadãos convidados por aquela emissora de televisão.
Alguns camaradas tendem a ver no atual Primeiro-ministro uma caricatura de Maquiavel sem a inteligência do autor do Príncipe.
Não os acompanho. A sua intervenção no referido programa permitiu-me confirmar a opinião que formei do político e do homem.
É minha convicção de que não pretende enganar o povo porque não tem consciência do papel que desempenha no exercício do poder político.
Passos faz-me lembrar aquilo a que a escritora sionista estadunidense Hannah Arendt chamou a banalidade do mal no seu livro sobre o julgamento de Eichmann. Mas, diferentemente dos carrascos nazis que de consciência tranquila praticavam rotineiramente crimes medonhos cumprindo ordens, o Primeiro-ministro julga-se investido de uma tarefa histórica. É ele quem, a serviço de um poder estrangeiro, elabora o plano para a execução dos crimes de que é vitima o povo português. Sente orgulho como intermediário. Vê-se como um predestinado incumbido da missão de salvar a pátria do atoleiro em que se encontrava quando, por via eleitoral, recebeu as insígnias do poder politico.
Admito que não tem a noção do mal que semeia.
A ideia que faz de si próprio melhorou provavelmente com a autoavaliação do seu desempenho no indecoroso programa, montado pela RTP para lhe envernizar a imagem que projeta através da resposta a perguntas quase todas inofensivas. A maioria, formulada por cidadãos sem experiência política, incidiu sobre temas pontuais ou locais. Com duas excepções, não foi questionado pela governação catastrófica da equipa a que preside, tendo Portas por lugar-tenente.
Registei apenas duas exceções: a primeira e a última perguntas.
A primeira incidiu sobre as suas insanáveis contradições e incoerência: incumprimento de compromissos assumidos, e o hábito banalizado de impor hoje o que na véspera garantia que jamais faria. Na última perguntaram-lhe se acredita ter condições mínimas para se manter à frente do governo após o desastre a que conduziu o país.
A ambas as questões respondeu quase eufórico, como um irresponsável. Aproveitou a primeira, para, numa pirueta, ignorando-lhe o conteúdo, repetir o seu bolorento e monocórdico discurso sobre os benefícios futuros da sua política de austeridade. O auditório (100 cidadãos selecionados pela RTP) teve de ouvir a lengalenga sobre os «sacrifícios» e a forma compreensiva como o povo os aceita, sua certeza de que o país está a caminho de vencer a crise. Manifestou alegria por indicadores fantasistas sobre a diminuição do desemprego e o crescimento da economia e a iminência de investimentos que vão chover sobre Portugal, etc, etc.
A última pergunta ofereceu-lhe a oportunidade, esperada, de esboçar o auto-elogio ditirâmbico da sua governação.
Foi categórico sobre a sua permanência no poder. Claro que fica. Conforta-o a certeza de que um dia, talvez não distante, o povo, finalmente grato, reconhecerá o significado histórico da sua obra.
Não é homem de dúvidas. Falou com a firmeza de Júlio César ao dirigir-se ao Senado no regresso triunfal a Roma depois de ter derrotado Pompeu em Farsala. Parecia, pela fogosidade, assumir o orgulho de Cromwell ao prever no Parlamento britânico que as suas reformas seriam o alicerce da futura grandeza da Inglaterra.
A VOCAÇÃO PARA A TIRANIA
Como é possível termos chegado a este pantanal, perguntam hoje, angustiados mas perplexos, milhões de portugueses. Como pôde esse homem e a sua equipa de inimigos do povo semear tanta destruição em dois anos?
Há políticos maléficos, mas que são dotados de uma inteligência diabólica.
Não é o caso de Passos. Além de inculto, é pouco inteligente. Mas não se apercebe da sua pequena dimensão humana e intelectual. Crê, repito, que está a fazer grandes coisas.
Ao fechar o televisor, meditei sobre a farsa a que tinha assistido.
Em Portugal cresce agora, a cada dia, a indignação provocada por uma política de desprezo pelo povo trabalhador, política que arruinou o pais e tripudia impunemente sobre direitos e garantias constitucionais.
O protesto nas ruas e lugares de trabalho adquiriu carácter permanente, abrangendo camadas da população que tradicionalmente não participavam em greves e manifestações. Mas essa ruptura de mecanismos de alienação não é generalizada.
A tomada de consciência das massas brota da conclusão, filha do sofrimento, de que isto não pode continuar como está, pelo que é urgente correr com este governo de pesadelo.
O alargamento da frente de luta é ainda, contudo, insuficiente. Uma parcela ponderável da população não participa da mobilização contra o monstruoso sistema de poder implantado no país.
A comunicação social, controlada pela engrenagem do grande capital, em vez de contribuir para ascensão das lutas populares, cumpre um papel desmobilizador. Os jornais ditos de referência, a televisão e a rádio criticam com displicência a obra devastadora de Passos & Companhia, mas não lhe contestam a legitimidade para a prosseguir.
Nesse jogo de astúcias, o papel dos analistas políticos – quase todos gente ligada ao poder – favorece a tendência de faixas importantes da população para aceitar com resignação, quase como fatalidade, a destruição do país.
Muitos cidadãos que condenam e desaprovam o desgoverno permanecem passivos. Cruzam os braços perante um suposto inelutável. Estabelecem clivagens entre os ministros. Alguns surgem-lhes no quotidiano como pessoas normais, ate bondosas.
Esses portugueses que assistem sem participar são, afinal, iludidos pela banalidade do mal.
Já lembrava Cervantes no Dom Quixote que a diferença entre el cuerdo y el loco é menos transparente do que muita gente imagina. Em muitos casos não é facilmente identificável.
Os inimigos do povo, encastelados no governo, recolhem os benefícios do conformismo de milhares de portugueses.
Contemplar esse bando de políticos tal como é e não como, mascarado, se retrata e exibe, tornou-se hoje uma necessidade.
Contrariamente a Portas, perverso e maléfico, mas dotado intelectualmente – Passos, repito, é pouco inteligente.
Não consegue sequer disfarçar o seu pendor para métodos autocráticos. Abomina a Constituição, desrespeita-a, viola-a com frequência. Desejaria poder despedaçá-la, revogá-la, mas não pode.
Enche diariamente a boca com a palavra democracia, apesar de incompatível com ela.
Identifico nele uma frustração indisfarçável por não estar ao seu alcance governar no quadro institucional do regime para o qual está vocacionado: a ditadura!
Vila Nova de Gaia, 10/Outubro/2013
O original encontra-se em http://www.odiario.info/?p=3054
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.
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