QUEM COMETE CRIMES E É FILHO DO REGIME NÃO É CONDENADO
William Tonet – Folha 8 – edição 12 outubro 2013
A seguradora AAA, que surgiu como um monstro no ramo dos seguros e resseguros, foi à falência devido não só à má gestão atribuída ao seu presidente do Conselho de Administração, o economista São Vicente, culminado com o desemprego de mais de um milhar de trabalhadores, como também por outros motivos “Emepeliários” recorrentes.
Ao que parece, o busílis da questão foi uma zanga entre comadres, quando o principal cliente-investidor, SONANGOL, através do seu presidente, decidiu bater com a porta, deixando o economista São Vicente com as calças nas mãos, assistindo, “pávido e insereno”, ao esvair da sua imperial utopia.
E, como é de utopia que estamos a falar, socorri-me de um especialista na matéria, o meu companheiro e amigo do peito, António Setas, para subsídios sobre a psique deste economista, cujo “desmérito” foi arrastar para a lama milhares de famílias e uma empresa, sem que lhe sejam assacadas responsabilidades, pela única razão e mérito de andar mancomunado com o regime, sendo um dos beneficiários do lema “jobs for the boys”.
Mas vamos ao que interessa, na forma megalómana do pensamento do economista São Vicente.
Recordemo-nos do magnífico monumento editorial publicado pela Fundação Agostinho Neto, intitulado “Agostinho Neto e a liderança da luta pela independência de Angola 1945-1975”, que se apresenta a público sob forma de uma colectânea em cinco volumes, alguns dos quais com mais de 900 páginas preenchidas com documentos da PIDE/DGS e que mereceu da parte desse escritor, pensador, colunista e homem de negócios, São Vicente, um prefácio que ele próprio classificou de «versão parcial, resumida e compacta para servir de introdução à presente colectânea (…)». Ao que ele acresce, «A versão completa, com fotografias, será publicada brevemente em livro com o mesmo título, “Agostinho Neto e a liderança da luta pela independência de Angola 1945-1975».
O “monumento” em si, tem no total mais de 4 mil páginas, das quais 465 são consagradas a essa dita introdução, que, de facto, é muito mais do que isso. A ela, sem qualquer forma de transição, segue-se a exposição pura e simples, sem comentários nem adendas, de todos os documentos oriundos da PIDE/DGS e encontrados até hoje na Torre do Tombo em Lisboa, Portugal, relacionados com as actividades de nacionalista atribuídas a António Agostinho Neto.
Eis uma primeira surpresa, uma introdução com mais de 400 páginas!
Outra enorme surpresa, no entanto, apresenta-se antes, na introdução à obra, feita pelo próprio punho da senhora Eugénia Neto, “presidenta” da Fundação Agostinho Neto e ex-esposa do presidente Agostinho Neto.
No último parágrafo da segunda página da referida apresentação, a Senhora Eugénia Neto escreve uma frase que, tomada por ter sido voluntária, denota grande coragem da sua parte, na medida em que se inscreve em contramão a todas as teorias dos historiadores oficiais do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Atentemos à sua revelação: “Parte para Luanda (Agostinho Neto) em 1959 e aí chega em finais do mês de Dezembro comigo e com o filhinho de dias. Abre consultório médico e inicia também o trabalho político de aglomerar todos os grupos nacionalistas num só movimento, a que se deu posteriormente o nome de Movimento Popular de Libertação de Angola. Foi eleito seu presidente, lugar que não chegou a ocupar por ter sido preso a 8 de Junho de 1960 pelo próprio director da PIDE”.
Isto quando foge a boca pra verdade é um problema levado da breca…
Ao escrever o que aqui transcrevi, Eugénia Neto confirma simplificadamente e em linha recta, que a propagada data de fundação do MPLA, tida como sendo o 10 de Dezembro de 1956, não passa de uma efeméride simbólica que nada tem a ver com factos, do mesmo modo que o dia 25 de Dezembro celebra simbolicamente a nascença de Jesus Cristo.
Seja dito aqui e agora que São Vicente, mais adiante no seu texto de “introdução” (!?), abunda igualmente numa argumentação que desmistifica a data tradicional de fundação do MPLA. A História de Angola agradece.
No que toca ao extenso texto que serve de introdução a esta magnífica colectânea – a mania das grandezas deste passageiro regime -, à parte o facto de a sua exagerada extensão denotar alguma ambição de levar para o cunho pessoal a autoria de um trabalho de História e não um prefácio, ou seja, aquilo que ele próprio classificou de «versão parcial, resumida e compacta para servir de introdução à presente colectânea (…)» apresenta-se, ademais, com a ameaça de vir a ser a breve trecho completado e seguramente aumentado, o que nos levará a um “prefácio” de 500 ou 600 páginas, quiçá 700 ou mesmo mil, se se lhe juntarem as anunciadas fotografias, aberração que escapa a todas as normas e entra de rompante no clube de tudo aquilo que é atípico e quase sempre estrambólico em Angola!
Estamos em crer que São Vicente avançou nesta empreitada, talvez, preso pela falta de tempo. Não teria tido tempo de rever o seu manuscrito numa leitura mais atenta, o que lhe teria dado a descobrir um certo número de aproximações, gralhas e mesmo erros que poderiam ter sido evitados facilmente. Por outra, o seu texto logo de entrada afasta-se e muito de uma obra de historiador, para enveredar alegremente pela prosa panegírica e descritiva.
Portanto, aqui chegados, forçados somos a constatar que o tipo de abordagem optada por São Vicente para apresentar uma resenha de documentos relacionados com a actividade de agitador social e de líder atribuída a António Agostinho Neto, enquanto estudante agregado ao MUD (organização ligada ao Partido Comunista de Portugal), nacionalista, em seguida guerrilheiro, militante e, finalmente, presidente de um movimento de libertação, por um lado dificilmente pode ser catalogado de prefácio, dada a sua exageradíssima extensão de mais de 400 páginas, por outro, também não será nada cómodo inseri-lo na categoria de texto histórico e para isso basta ler a primeira página na qual podemos ler expressões e frases como, “Agostinho Neto é a maior e mais importante figura da história angolana da 2ª metade do século XX”, “A independência era um objectivo épico (…)”, “E tornou-se o gigante angolano da história africana”, que distanciam São Vicente do patamar de equidade e rigor mínimos exigidos a um historiador.
Vai de si que o seu posicionamento se compreende, dada a sua origem e militância política, mas quem sofre é a credibilidade do texto das mais de 400 páginas restantes que se seguirão a esta entrada em matéria, claramente compreensível, mas, a meu ver, partidária.
Definitivamente o homem gosta de projectos megalómanos, principalmente, quando o dinheiro é dos outros.
E depois se esfumam com um simples estalar de dedos.
No comments:
Post a Comment