Fernando Dacosta – jornal i, opinião
Vai em cacos a vida pelos lados de São Bento e Belém – e não só. A entrevista “escacha pessegueiro” de Mário Soares ao DN e à TSF no último domingo (conduzida por João Marcelino e Paulo Baldaia) teve efeitos de furacão num país amodorrado, amarrado pelo poder tricéfalo do PSD/CDS/PR.
Ao chamar com todas as letras os nossos principais dirigentes “delinquentes”, e ao preconizar o seu julgamento, “depois de saírem do poder”, Soares provocou ondas de choque parecidas, há já quem diga, às de Humberto Delgado quando, em 1958, afirmou demitir, obviamente, Salazar se ganhasse as eleições.
Nunca ninguém foi tão longe em relação a governantes como ele; nunca um político com o seu prestígio, a sua obra, a sua cultura, a sua experiência, a sua projecção ousou dizer na praça pública o que ele afirmou. Frontal, Mário Soares tornou-se o líder da oposição (moral) que nos faltava, a bandeira da nossa traída dignidade, a energia contra o nosso medo – como o foi, em jovem, ao enfrentar o fascismo e o colaboracionismo, não hesitando em propor, hoje como ontem, rupturas (não pagamento da dívida, por exemplo) e saltos para o futuro.
Tornado há muito demasiado sólido para ser destruído, ou difamado, ou ridicularizado (as insinuações sobre a sua saúde mental, devido à idade, tornaram-se gratuitas), demasiado visível para o calarem (os comentadores pediram na TV 24 que a comunicação social passasse a censurá-lo!), só resta aos poderes estabelecidos seguirem, repetindo-a, a decisão do saudoso Dr. Salazar: exilá-lo. África, pois, com ele – já! Rui Machete dará uma preciosa mãozinha nisso.
Escreve à quinta-feira
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