Verdade (mz)
A multinacional Kenmare, que explora as areias pesadas de Moma, no posto administrativo de Topuito, no distrito de Moma, é acusada de destratar a população daquela região da província de Nampula e violar os seus direitos. A firma está para implementar um projecto fora dos limites cedidos pelas famílias e estas exigem novas indemnizações, o que não é aceite pela companhia. O executivo local, em vez de intermediar o impasse entre as partes, ameaça os líderes que defendem os interesses das suas comunidades.
Em 2006, a Kenmare interessou-se pelo espaço que hoje está na origem da contenda nos bairros de Topuito e Namalope, naquele posto administrativo. As pessoas que se encontravam nos lugares onde devia ser implementado o plano de exploração das areias pesadas foram ressarcidas. Além de outras actividades, naquelas terras praticava-se agricultura, da qual inúmeras pessoas dependiam para sobreviver.
Entretanto, o processo de compensações só ficou concluído em 2008, mas a empresa não explorou imediatamente as áreas que acabava de adquirir junto dos nativos. Volvidos cinco anos, ela pretende ocupar as suas terras, todavia, neste momento, as obras em curso abrangem zonas não previstas para o efeito quando houve atribuição das compensações. Ou seja, vão para além dos limites acordados. Algumas machambas estão a ser destruídas sem que haja compensação.
Por isso, a população exige que o processo seja revisto e haja novas compensações, porém, a Kenmare não aceita, facto que gera pandemónio, pois certas famílias queixam-se de terem sido ludibriadas pela companhia. O executivo local quando age sai em defesa da firma e ameaça os líderes comunitários.
Na altura em que a população se exasperou, uniu-se, recorreu à força para tentar coibir que tal acontecesse e dirigiu-se às instalações da Kenmare para exigir explicações e novos ressarcimentos, principalmente porque algumas machambas e casas estavam a ser destruídas durante a ocupação ilícita das suas terras. Foi necessária a intervenção da Polícia e do governo distrital para amainar os ânimos, pese embora tenha havido intimidações.
Na semana passada, o @Verdade esteve no terreno para junto de algumas famílias aferir os marcos que foram extrapolados mas não foi possível aceder ao local por causa das obras em curso. Neste momento em que as máquinas já estão a “roncar” em Topuito, por exemplo, fica claro que dificilmente os lesados irão conseguir impedir a materialização do plano de extracção das areias pesadas nas suas áreas supostamente tomadas à força.
A chefe do Departamento de Relações Comunitárias da Kenmare, Regina Macuácua, não revela a dimensão de terra que a companhia ocupou nem quantas famílias foram compensadas, tão-pouco fala dos valores envolvidos, mas explica que os espaços em alusão em Topuito – hoje na origem do descontentamento – não foram imediatamente explorados pela empresa, apesar de que o processo para o efeito estava concluído porque havia outro plano em curso em Namalope.
Os agitadores da população
Na tentativa de resolver o problema que agasta as comunidades, os secretários dos bairros do posto administrativo de Topuito reuniram-se com os dirigentes da Kenmare e com os membros do governo distrital de Moma, porém, não houve entendimento entre as partes e os representantes da população foram acusados de estarem a promover agitação e serem militantes de um partido da oposição. “Os líderes comunitários têm estado a colaborar com os protagonistas das manifestações”, afirmou Regina Macuácua.
Em 2006, Fernando Silvano, secretário do bairro de Topuito, testemunhou a demarcação da área que a Kenmare devia ocupar e acompanhou todo o processo de indeminizações, incluindo pelas culturas perdidas. Este ano, quando a empresa pretendia iniciar o seu projecto ele foi novamente chamado para confirmar os limites e constatou que houve extrapolação dos mesmos.
“As brigadas do governo incumbidas de fazer as consultas públicas para colher diversas sensibilidades nas comunidades apenas deixam ordens em vez de ouvir a própria população”, disse Fernando Silvino, que também é considerado agitador e indiciado de estar contra o desenvolvimento social e económico em Topuito, onde as comunidades se queixam do custo de vida devido, em parte, à falta de meios de subsistência desde que as suas machambas foram destruídas.
O governo é culpado
Segundo o nosso interlocutor, a Kenmare está a desgraçar a população de Topuito. Os programas de responsabilidade social são apenas para enganar. E quando as pessoas despertarem será tarde demais porque todos os recursos se terão esgotado. “A responsabilidade pelas irregularidades cometidas pela companhia deve ser imputada ao governo de Moma que vendeu as nossas terras”.
O secretário do comité de zona do partido Frelimo, no bairro de Topuito, Dover Boavida Massiele, lamenta o facto de o governo não estar preocupado com a população. Além das ameaças a que os secretários dos bairros são sujeitos, os responsáveis pelo sector das Actividades Económicas em Moma sugeriram, sem dó, à Kenmare para reduzir o preço de indemnização para cada cultura alimentar ou fruteira no acto das compensações.
Comunidades “oportunistas”
Regina Macuácua indica que a população de Topuito está a exigir que seja ressarcida pelas áreas que já foram compensadas, em 2006. Isso é oportunismo. “O que temos assistido é que as pessoas inventam machambas nos locais onde não existiam, apenas para receber indemnizações. A população está com ganância de dinheiro”.
Recursos escasseiam
Em Topuito, os residentes não olham com agrado os feitos da Kenmare e vandalizam algumas infra-estruturas sociais construídas nos diferentes bairros, tais como fontanários e lavandarias públicos. O saneamento do meio é também precário porque a população não observa as regras básicas de higiene colectiva e individual. As campanhas de sensibilização para o feito estão a fracassar e o lixo aumentou consideravelmente de há tempos para cá.
A Kenmare tem o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) válido até o ano de 2050. E no âmbito da sua responsabilidade social construiu uma unidade sanitária, algumas salas de aulas e canalizou água potável para os bairros. Anualmente, em média, dez alunos recebem bolsas de estudo para frequentar o ensino secundário geral e técnico-profissional em diferentes escolas da província de Nampula.
Esses projectos não irão garantir um futuro promissor aos beneficiários caso os seus parentes continuem a viver nas condições precárias em que actualmente se encontram naquela região. O grosso dos residentes do posto administrativo de Topuito depende das actividades agrícolas, pesqueiras e de pequenos negócios para sobreviver mas as suas machambas foram destruídas. Alguns solos estão a ficar empobrecidos e as famílias associam o facto à exploração das areias pesadas, sobretudo porque começam a não ter recursos para sobreviver. Aliás, moradores do bairro de Namalope referem que não sabem qual será o futuro dos seus descendentes.
Porém, neste momento, o comércio informal está a florescer e constitui a principal fonte de renda e subsistência. Para além de as áreas de cultivo estarem a ficar inférteis, no mar, as zonas onde os pescadores conseguiam pescado para venda e consumo está lotado de navios e pequenos barcos que transportam os recursos explorados dia e noite. As oportunidades de emprego na Kenmare não passam de uma miragem para a população de Topuito e do distrito de Moma, pois, para além de cidadãos estrangeiros, a maior parte da mão-de-obra é proveniente de outros distritos ou províncias do país.
Administrador não se pronuncia
Na semana em que a nossa Reportagem esteve em Moma tentou, sem sucesso, ouvir a versão do administrador Momade Shale em relação às queixas da população, alegadamente porque ele se encontrava no distrito de Mossuril a participar em cerimónias fúnebres de um familiar. Na altura em que as machambas das pessoas a que nos referimos foram destruídas, há meses, também contactámos Momade Shale mas ele não nos disse nada porque se encontrava na província de Cabo Delgado.
Tentativa de deturpar os factos
No dia 12 de Setembro passado, o @Verdade veiculou, na sua plataforma online, que a Kenmare estava a destruir machambas nas comunidades de Topuito, Naholokho e Namalope sem o consentimento dos proprietários para dar lugar à segunda fase do projecto de extracção das areias pesadas. Nesse contexto, um quadro da direcção daquela empresa telefonou-nos a dizer que o que publicámos era mentira. Entretanto, para além de condenarmos a tentativa de descredibilizar o nosso trabalho, reafirmamos tudo o que dissemos nessa altura.
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