Martinho Júnior, Luanda
1 – A implosão do socialismo real permitiu aos Estados Unidos assumir durante quase vinte anos um domínio unipolar incontestável, mas há cada vez mais sinais que essa perspectiva se está a esgotar, como também muitas das iniciativas norte-americanas começarem a resultar num “efeito boomerang” que está a trazer, no mínimo, a perda de capacidade ofensiva nos termos do que se conheceu com a dupla regência da administração republicana de George W. Bush.
A lógica capitalista neo liberal projectou as regras, mas os Estados Unidos foram sempre mais longe: uma vez que o dólar tinha curso universal e servia como padrão, fabricaram notas sem que houvesse uma correspondência de riqueza real… e puseram o resto do mundo a pagar por essa “iniciativa”, multiplicando as estratégias regionais manipuladas, em especial no que diz respeito aos acessos à exploração e transporte de petróleo e gás!...
O seu domínio propagou-se ao controlo dos media, da internet, dos “software” mais aliciantes de comunicação global, de tudo que fosse cibernética… salvo nas ilhas cultivadas por aqueles que, de sobreaviso, foram procurando fazer frente a um império cada vez mais arrogante, mais militarista, mais mercenário e… menos democrático.
As matrizes da desigualdade e do desequilíbrio que se foram paulatinamente instalando e são também uma das razões do deslocamento de imensos parques industriais atraídos pelos “mercados” que dessem melhores garantias de lucro, explicam a textura emergente dos BRICS, particularmente os que se situam na Ásia: a Rússia, a China e a Índia.
Essa textura emergente por seu turno possibilitou aumentar o nível das disputas pelo domínio energético num imenso jogo que abrange a Ásia Central e Ocidental (Médio Oriente), mas que tem também outros reflexos noutras partes do mundo, não só em relação ao petróleo e ao gás, como também em relação sobretudo aos minerais estratégicos.
Com gastos militares avassaladores, os Estados Unidos foram obrigados a fazer frente em termos de concorrência geo estratégica à Rússia, à China e à Índia, que foram incrementando a sua indústria militar salvaguardando-se ao mesmo tempo de exageros operacionais.
Desse modo os três emergentes euro-asiáticos foram consolidando interesses comuns e construindo suportes continentais alternativos, ainda que imbuídos de lógica capitalista em muitas das operações correntes, dentro e fora das suas fronteiras.
Em alguns casos coutadas próprias da hegemonia foram criadas sobre os escombros das fragilidades e vulnerabilidades acumuladas desde as trevas coloniais, como em África, um terreno fértil para todo o tipo de manipulações!
O que acontece no Atlântico em relação às “prerrogativas de domínio” por parte da hegemonia, é uma parte integrante do grande jogo global e o mundo, ao se tornar multipolar, vai definindo os contornos das esferas de influência!
Enquanto na Ásia o peso da Rússia, da China e da Índia começa a ser evidente a ponto de obrigar os Estados Unidos a recuar em mais uma iniciativa de guerra, neste caso em relação à Síria e ao Irão, à volta do Atlântico e em especial em África, o peso da hegemonia poucas hipóteses objectivas tem ainda de ser contrariado!
2 – Em princípios de 2011 assistiu-se ao primeiro corolário das iniciativas comuns entre a Rússia e a China: inaugurou-se o primeiro oleoduto entre a Sibéria e o nordeste da China e o primeiro produtor de petróleo do mundo, começava a fornecer por essa via ao maior consumidor!
Esse acontecimento para a Rússia marcou uma nova fase: pela primeira vez no seu território transcontinental os extremos ocidental e oriental se ligaram para além das vias marítimas, das rodovias e das ferrovias; desta feita o nó das ligações assentava nos imensos campos petrolíferos e de gás da Sibéria profunda.
Ao mesmo tempo o degelo está a progredir no Árctico e o binómio Rússia-China está a assumir protagonismo no norte, sem qualquer hipótese de acompanhamento por parte do poder anglo-saxónico e seus aliados:
Enquanto a frota estratégica da Marinha de Guerra russa cresce e explora o Árctico como nunca, quer a Rússia quer a China propõem-se em construir e lançar ao mar mais quebra-gelos e estabelecer as rotas para reduzir a distância entre os portos comerciais do Extremo Oriente asiático e da Europa para menos de metade!
Essas nervuras estratégicas, ao fugir ao controlo directo dos ocidentais, acicataram as motivações de sua concorrência e do seu protagonismo, quando o capitalismo a ocidente já estremecia atacado por sucessivas crises internas provocadas pela arrogância do lucro ao infinito…
A perda de ética, de moral e o universo unipolar que foi criado, fez elevar a fasquias dos riscos, através de fórmulas nunca antes experimentadas.
O terrorismo só beneficiou com essa conjuntura e, sendo uma “arma” inteligente, aparentemente contraditória, barata e prolífera, foi uma bênção secreta para as mãos que nunca deixaram de estar tintas de sangue: os lucros dos privados corporativos anglo-saxónicos e de seus aliados arábicos aumentam quanto ele mais se dissemina!
3 – A concorrência beneficiou de processos de estímulo, mas os estados que permitiram a absorção de tecnologias e indústrias, forçosamente tiveram que dar início às respostas para fazer face a um dólar que os obrigava a pagar em riqueza o que deixara de ser coberto pelas reservas de ouro, ao mesmo tempo que se assumiam no grande jogo do petróleo, do gás e das geo estratégias competitivas à procura de mais espaço e poder!
As tensões que começaram a surgir nas disputas em relação à produção de energia depois do episódio da Yukos na Rússia, acirraram-se em relação ao petróleo barato, explorado nas areias, nos mares interiores (como o Cáspio), ou ainda na Sibéria, o mesmo acontecendo em relação ao gás, bem como a todos os respectivos processos de transporte por terra ou por mar:
- Por terra na disputa de espaços para a construção e exploração de oleodutos e gasodutos;
- Pelo mar para garantir a segurança das vias de escoamento em direcção aos grandes pólos transformadores e consumidores.
Os interesses do estado russo que colidiram no post Yeltsin com os interesses concentrados na “Russia Open Foundation” de George Soros em 2003, continuam em rota de colisão agora na Síria, onde Murdoch e Lord Jacob Rothschield procuram tirar partido das alianças nas monarquias arábicas e dos seus desejos de domínio regional em acordo tácito com Israel.
4 – As veladas agressões promovidas pelos Estados Unidos utilizando processos terroristas com raízes num passado não muito distante em que os grupos radicais islâmicos haviam sido cooptados para servir os seus interesses durante a Guerra Fria, tiveram a partir do 11 de Setembro de 2001 um elevado grau de manipulação sem que houvesse na fase inicial concorrentes capazes de assumir oposição: no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, na Somália, na Líbia, ou seja, contornando a imensa Rússia transcontinental e jogando com o Cáucaso e a Ásia Central a sul: o caminho mais curto para atingir a Sibéria!…
As avisadas Rússia e China ampararam-se reciprocamente e procuraram consolidar suas posições comuns, enfrentando os radicais islâmicos em regiões tão nevrálgicas como as do Cáucaso, as da Ásia Central e as da China Ocidental, mantendo um grau elevado de aproximação à Índia, uma Índia que desde há muito se habituou a lidar com as tensões e os conflitos contra radicalismos islâmicos, de certo modo aliás conformes à dissolução da União Indiana e às sucessivas independências do Paquistão (1947) e do Bangladeche (1971), assim como dum seu remanescente como o Caxemira!…
Enquanto a Rússia e a China procederam sempre contra esses radicais, os Estados Unidos manipularam-nos pelo menos nos Balcãs, na Chechénia, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, na Líbia e na Síria…
Desde a década de noventa que o curso era livre para as iniciativas da hegemonia unipolar ocidental, com a sua panóplia de aliados e alianças, mas agora em que os Estados Unidos se vêem obrigados a enfrentar os efeitos em cadeia da crise do dólar e das dívidas, tal como os emergentes com seus próprios objectivos capazes de domínio no enorme continente euro-asiático e criando outras moedas para garantir maior estabilidade e equidade nas transacções comerciais, o seu poder perde fôlego e potencial.
Os emergentes passaram a procurar realizar capacidades que reduzissem o espaço da hegemonia unipolar, conforme os últimos acontecimentos na Síria, visando instalar e defender seus próprios interesses e abrindo caminho a soluções multipolares…
… Por isso os riscos se multiplicaram e as tensões atingiram níveis por vezes acima das fasquias típicas do período que se tem designado como de Guerra Fria!
No meio do ciclo, o Irão vai-se impondo na mais conturbada região, assumindo-se numa atitude que reforça o campo das emergências!
Para com o império hoje em dia o início do “efeito boomerang” é uma constante nas relações internacionais; lá diz o ditado: “quem semeia ventos arrisca-se sempre a colher tempestades”… em especial se a persistência unipolar for levada avante recorrendo à força, à mentira, à manipulação e ao ódio!
Artigos correlacionados:
. Novas tecnologias ao serviço da hegemonia e da morte;
. Cínicos ódios de Setembro;
. A prolífera Yukos enquanto falível “cavalo de Tróia” – publicado a 12 de Dezembro de 2003 no ACTUAL; (a seguir);
. A longa batalha por detrás dos cenários (a publicar).
Mapa: Circuitos de oleodutos e gasodutos russos em direcção ao ocidente; faltam no mapa os que foram construídos até ao oriente remoto, até Vladivostoque e ao nordeste da China!
A consultar:
. Zip, Zip – 35 – A dança das estações – Martinho Júnior – Maio de 2010 – Publicado no Página Um.
. A geopolítica dos oleodutos e dos gasodutos – http://www.pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2109:a-geopolitica-dos-ole...
. Yukos – http://en.wikipedia.org/wiki/Yukos
. Mikhail Khodorkovsky – http://en.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Khodorkovsky
. Open Russia Foundation – http://www.sourcewatch.org/index.php?title=Open_Russia_Foundation
. Russia Effectively Closes a Political Opponent's Rights Group – http://www.nytimes.com/2006/03/18/international/europe/18russia.html?_r=0
. The US Is Now In The Hands of a group of extremists – http://www.bibliotecapleyades.net/sociopolitica/esp_sociopol_rothschild06.htm
. Syrian Oil Positions – Murdoch & Rothschild Possess Crystal Ball – http://intellihub.com/2013/08/30/syrian-oil-positions-murdoch-rothschild-possess-crystal-ball/
. Israel Grants Oil Rights in Syria to Murdoch and Rothschild – http://www.craigmurray.org.uk/archives/2013/02/israel-grants-oil-rights-in-syria-to-murdoch-and-rothschild/
. Energia e geo-política: a batalha pela Ásia Central – http://outraspalavras.net/posts/energia-e-geopolitica-a-batalha-pela-asia-central/
. Iran, la bataille des gazoducs – http://www.voltairenet.org/Iran-la-bataille-des-gazoducs
. O Pan-Islamismo radical e a Ordem Internacional liberal – http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1416/1/NeD100_JoaoMarquesAlmeida.pdf
. Paquistão – http://pt.wikipedia.org/wiki/Paquist%C3%A3o
. Bangladeche – http://pt.wikipedia.org/wiki/Bangladesh
. Caxemira – http://pt.wikipedia.org/wiki/Caxemira
. Conflito na Caxemira – http://pt.wikipedia.org/wiki/Conflito_na_Caxemira
. Onde estava Ossama Ben Laden a 11 de Setembro de 2001? – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/onde-estava-ossama-bin-laden-em-11-de.html
. Do derrubamento de Mossadegh à ofensiva contra a Síria – http://resistir.info/mur/mossadegh_26set13.html
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