Monday, May 20, 2013

França: “COUBE A MIM SER PRESIDENTE NO PIOR MOMENTO”, diz Hollande




O ano II de François Hollande começa com a mesma política que o primeiro, mas com outra argúcia para comunicá-la. Apesar disso, as linhas traçadas não se moverão: disciplina orçamentária e esforço zero do Estado em favor do poder aquisitivo da população. Em suma, a ortodoxia complexa da União Europeia, envolta como um caramelo de luxo em papel suave e decorado. O presidente francês admitiu que a si coube “ser presidente no pior momento”. Por Eduardo Febbro, de Paris.

Eduardo Febbro - Carta Maior

Paris - Mudança de estilo sem mudança de rumo. Na segunda coletiva de imprensa de seu mandato o presidente francês, encurralado pela crise, o descontentamento massivo da população, a alta do desemprego e a hostilidade crescente da esquerda, encenou uma dessas tradicionais missas políticas de que a França tem o segredo: falar é como uma promessa de mudanças. No entanto, o chefe de Estado ratificou a política centrista que aplica desde que chegou, há um ano, ao poder, e seu eixo motor: redução dos déficits. Quando lhe perguntaram o que era, o presidente respondeu: “sou socialista”. 

Antes e depois desenvolveu um argumento preciso, de uma clareza sem voltas, sobre o que é e será sua política: tudo se resume numa apresentação de duas horas e 45 minutos, diante de 400 jornalistas, da qual não se depreende qualquer anúncio maior nem, tampouco, pistas a respeito das decisões difíceis que terá de tomar: a reforma da previdência, a redução suplementar dos déficits públicos ou a reforma trabalhista. Apenas um par de frases deixam entrever novos sacrifícios e cortes, sobretudo nas aposentadorias: “se vivemos mais é lógico que trabalhemos mais”, disse o presidente.

Quem esperava um “recurso ao futuro” (Libération) ou um novo desenho para sair do presente ficaram sem ter para onde ir. Não haverá transformações rotundas na linha adotada até agora, e menos ainda um giro à esquerda. Afável, com uma dose de humor delicado e eloquente, o Presidente defendeu sua ação e adiantou uma série de ideias e propostas para a França e a Europa. O chefe de Estado defendeu uma ofensiva para tirar a Europa de sua “apatia”, ao mesmo tempo em que propôs a Alemanha um acordo para avançar negociações em torno da união econômica e polícia. Também defendeu a ideia de um governo econômico da zona do euro encarregado de harmonizar o controle público-legal, a convergência de uma agenda social e um dispositivo de luta contra a fraude. 

“Se a Europa não avançar, desaparecerá do mapa do mundo e do imaginário coletivo. Não se trata de ser conservador ou progressista, mas de superar egoísmos nacionais e de salvar o projeto. Chegou a hora de dar um novo impulso a Europa, e meu dever é liderar esse desafio”, disse o presidente francês. Disse, claro, mas não explicou na realidade como, já que, globalmente, o que defendeu de fato é seguir caminhando pela mesma rota centro-liberal com a qual, em 2012, iniciou seu mandato. 

Neste contexto, o presidente evitou também provocar novos ruídos com a Alemanha. Algumas semanas após a divulgação de documento em que o partido socialista evocava a “intransigência egoísta de Angela Merkel”, Hollande reconheceu que Merkel e ele não “tinham as mesmas ideias, mas as mesmas responsabilidades”. Hollande recusou, assim, “enfrentar” a direita europeia e, em particular, a Alemanha, como sugeriram os socialistas, no polêmico documento que circulou há alguns dias.

Com a bíblia do realismo orçamentário numa mão e a pedagogia para vendê-lo na outra, François Hollande se comprometeu mais uma vez a baixar o desemprego antes do fim do ano e anunciou um plano de investimentos destinado a fomentar o mercado de trabalho em setores como o digital, o de energia, a saúde e as infraestruturas de transporte. O dirigente socialista admitiu contudo que “no longo prazo não se poderá ganhar a batalha se o crescimento econômico não voltar”. Por ora, essa perspectiva é impossível. A França ingressou no começo do ano numa fase recessiva. O Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (INSEE) indicou que o PIB do país tinha retrocedido 0,2% no quarto trimestre de 2012 e que a atividade tinha voltado a cair ao mesmo nível, ao longo do primeiro trimestre de 2013. As luzes vermelhas se acenderam em todos os setores da economia. 

O presidente francês tem assim dois horizontes recessivos: o de seu país e o de sua própria popularidade, a mais baixa (25%) que um presidente da Quinta República já teve. Este último detalhe não o preocupa. “Não busco ser popular, mas tomar as boas decisões”, disse e reiterou seu credo inicial: “peço que me julguem pelos resultados”.

François Hollande aposta no trabalho de longo prazo, no resultado positivo que terá o arrocho orçamentário e nos efeitos benéficos acarretados pela manutenção do custo da dívida em níveis baixos. Menos técnico que outras vezes, Hollande reapareceu com a convicção que que havia mostrado durante a campanha eleitoral de 2012. Pela primeira vez desde que assumiu a presidência em maio do ano passado, o Chefe de Estado pareceu encarnar um projeto, com uma perspectiva a um só tempo nacional e europeia. Inclusive, se em substância não há ingredientes novos nem um golpe de mestre à esquerda, a forma de comunicação deu à sua intervenção um caráter mais convincente. O ano II de François Hollande começa com a mesma política que o primeiro, mas com outra argúcia para comunicá-la. Apesar disso, as linhas traçadas não se moverão: disciplina orçamentária e esforço zero do Estado em favor do poder aquisitivo da população. Em suma, a ortodoxia complexa da União Europeia, envolta como um caramelo de luxo em papel suave e decorado. O presidente francês admitiu que a si coube “ser presidente no pior momento” e, de passagem, apresentou um novo rosto da esquerda. 

Resumindo sua política, Hollande disse que antes a esquerda “gastava” e perdia as eleições: “agora, vamos arrochar e vamos permanecer”.

Tradução: Katarina Peixoto


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