Sunday, May 12, 2013

PGR: "Cabo Verde precisa de uma autoridade independente para prevenir a corrupção"





Cabo Verde necessita de uma autoridade independente para supervisionar e coordenar práticas e políticas de prevenção à corrupção, tal como recomenda a Convenção de 2003 das Nações Unidas Contra a Corrupção (CNUCC) que a Cidade da Praia ratificou em 2008. O alerta é do Procurador-Geral da República, Júlio Martins no rescaldo de vários casos de desvio de fundos públicos que ultimamente abalaram país. O ministro da Justiça, José Carlos Correia, informa que o governo está a reforçar o MP enquanto entidade nacional de prevenção e combate ao fenómeno, ao mesmo tempo que trabalha na revisão do Código Penal para absorver as estatuições e recomendações constantes do mesmo convénio.

Cabo Verde tem sido, nos últimos dias, abalado por uma série de casos de corrupção, envolvendo funcionários de vários serviços públicos. O país, recorde-se, continuava até finais do ano passado, a ser, conforme o ranking de 176 países do mundo publicado em 2012 pela organização não-governamental Transparência Internacional, o PALOP com menos problemas de corrupção: melhorou três posições e vem cotado em 39º lugar – o segundo melhor em África só superado pelo Botswana, que ficou em 33ª posição.

Estudiosos das ciências sociais alertam, porém, que o governo necessita, neste momento, de tomar medidas institucionais e políticas de fundo para travar e prevenir esse fenómeno de carácter transversal, que tende a alastrar-se principalmente no funcionalismo público. Isto diante do índice da percepção de tal prática e os sinais exteriores de riqueza que hoje são exibidos por empregados dos sectores público e privado em todas as ilhas.

Para alguns analistas, o recente "rombo" de mais de 35 mil contos registado nos cofres do Ministério das Finanças veio pôr a nú a fragilidade da nossa contabilidade pública, ao mesmo tempo que mostra que as instituições públicas precisam de ter mais controlo e transparência enquanto os funcionários devem ser mais responsáveis na prestação do serviço público e na defesa dos interesses do Estado.

Este jornal apura, também, que o estatuto do funcionalismo público é vago em termos de normas específicas que previnam e penalizem a corrupção. Questionado sobre este particular, o Secretário de Estado da Administração Pública lembra tão-somente que os servidores do Estado são, conforme estabelece a Lei de Base da Função Pública, obrigados a respeitar os princípios éticos e deontológicos da profissão, que proíbem tal prática.

"Os funcionários devem sobretudo respeitar os princípios da justiça, responsabilidade, imparcialidade, prestação de serviço e defesa da função pública no desempenho da sua profissão. O funcionário está, portanto, proibido de tirar vantagem do cargo ou função que exerce em benefício próprio ou de terceiros", enfatiza Romeu Modesto, sem deixar de avisar que aqueles que violam essas normas gerais não só serão alvos de processo disciplinar como também conduzidos ao tribunal para o apuramento de responsabilidades criminais.

Leis duras

Leitura mais crítica e global do fenómeno tem o Procurador-Geral da República, para quem cabe ao Estado tomar um conjunto de medidas legislativas e institucionais que previnam e combatam a corupção.

Júlio Martins adverte para a necessidade de se adequar o Código Penal cabo-verdiano, aprovado em 2003, às exigências da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, que foi ratificada pela resolução nº31/VII/2007 da Assembleia Nacional. É que, de acordo com a mesma fonte, uma análise atenta das disposições da CNUCC permite concluir que, no ordenamento jurídico cabo-verdiano as leis que a concretizem são profusas.

Referindo-se aos pontos convergentes, o PGR destaca que, em conformidade com a recomendação contida no artigo 14º – medidas para prevenir a lavagem de dinheiro – da CNUCC, a lei que define os crimes de lavagem de capitais eliminou o elenco taxativo dos crimes antecedentes, que constava da legislação anterior (Lei nº 17/VI/2002, de 16 de Dezembro). O PGR cita ainda o Código Penal aprovado pelo Decreto-Legislativo nº 4/2003 que admite, no seu artigo 9º, a responsabilização criminal das pessoas colectivas, o que vai ao encontro do estipulado no artigo 26º – responsabilidade de pessoas jurídicas – da CNUCC.

Exceptuando os casos referidos, Júlio Martins salienta que existem no Código Penal várias disposições que divergem da CNUCC, pelo que Cabo Verde tem de proceder a alterações legislativas importantes sobre a corrupção, endurecendo as penas relativas a esse flagelo. Um desiderato que, na óptica de Martins, poderá ser conseguido seja com a revisão do Código Penal seja com a publicação de leis avulsas.

Órgão independente para prevenir a corrupção

Uma das preocupações do Procurador-Geral da República tem a ver com a necessidade de se criar um órgão independente incumbido de prevenir a corrupção e coordenar políticas para essa área (ver caixa). Isto em conformidade com o disposto nos artigos 5º (políticas e práticas de prevenção da corrupção) e 6º (órgão de prevenção à corrupção) da CNUCC.

Júlio Martins esclarece que essas não são atribuições do Ministério Público, que é um órgão essencialmente repressivo. "Constitucionalmente, não é função do Ministério Público coordenar e supervisionar políticas e práticas que previnam a corrupção", faz questão de realçar o PGR.

Tipificação de novos crimes

Face ao disposto no artigo 16º (suborno de funcionários públicos estrangeiros) da CNUCC, Júlio Martins defende que também se deve considerar a possibilidade de tipificar o crime de corrupção passiva praticado por funcionário público estrangeiro ou por funcionário de organização internacional pública que labora em Cabo Verde.

O magistrado lembra, por outro lado, que não estão tipificados no ordenamento jurídico nacional os crimes mencionados nos artigos 19º (abuso de funções ou cargo), 20º (enriquecimento ilícito) e 21º (suborno no sector privado) da CNUCC.

Tendo em conta o disposto no artigo 29º (prescrição) da CNUCC, o PGR entende que o artigo 111º do Código Penal deve ser revisto no sentido de estabelecer como causa de interrupção da prescrição a fuga, quando um presumível delinquente se tenha evadido à administração da justiça. Será uma medida para pôr termo à prática actual que dribla a justiça: acontece que pessoas suspeitas de crime de corrupção fogem para o estrangeiro e voltam ao país anos depois sem qualquer penalização. Tudo porque, recorda Martins, o actual prazo de prescrição dos crimes de corrupção previstos nos artigos 363º a 370º do Código Penal é de 15 anos, isto por imposição do nº 4 do artigo 108º do mesmo Código.

Mas as propostas para mudanças no ordenamento jurídico nacional não ficam por aí. O PGR propõe que, em cumprimento do disposto no artigo 40º (sigilo bancário) da CNUCC, deve ser alterada a legislação processual penal no sentido de o Estado eliminar o sigilo bancário, no âmbito da investigação criminal relativa aos crimes de corrupção.

Isso à semelhança do que já acontece com a lei de lavagem de capitais de 2009 (Lei nº 38/VII/2009, de 27 de Abril), que eliminou, em conformidade com este dispositivo da Convenção, a possibilidade de o sigilo bancário não se aplicar ao MP.

Uma ideia inovadora, expendida por Júlio Martins para combater a corrupção, é a que sugere mecanismos especiais de investigação, como a isenção ou dispensa de pena ao corruptor activo, quando este colaborar com a justiça, permitindo a identificação do corruptor passivo ou a descoberta de provas do crime de corrupção.

Feitos os correctivos na legislação cabo-verdiana e criada uma autoridade independente para essa área, o Procurador-Geral da República assegura que o Estado reforçará a sua acção de combate e prevenção a esse fenómeno que tende a alastrar-se em Cabo Verde.

A convenção da ONU

Cabo Verde ratificou, em 2008, aConvenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (CNUCC) de 2003, mas tem ainda por implementar partes importantes desse tratado. Em causa estão sobretudo a ausência de uma autoridade independente e várias outras medidas preventivas contra esse fenómeno de carácter transversal, que tende a ganhar corpo no país.

A cidade da Praia deve implementar com urgência o artigo 5º da Convenção da ONU, que incide sobre políticas e práticas que previnem a corrupção. É que o nº1 dessa cláusula estabelece que cada Estado subscritor do documento deverá, em conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico, formular, aplicar ou manter em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção. Essas medidas devem promover a participação da sociedade e reflectir os princípios de um Estado de Direito Democrático. No fundo esta lei tem várias frentes: assegurar uma gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de prestar contas.

O segundo item do mesmo artigo preconiza que o Estado subscritor da CNUCC procurará estabelecer e fomentar práticas eficazes de prevenir a corrupção. Já o ponto três deixa claro que cada Estado aderente do referido tratado deve avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as medidas administrativas pertinentes. Tudo para adaptar tais normas às novas e cada vez mais sofisticadas caras da corrupção.

Cabo Verde tem ainda por criar uma autoridade independente que irá dedicar-se em exclusivo a prevenir a corrupção e o enriquecimento ilícito. O seu alvo é não só a classe política mas também os próprios funcionários públicos, do topo à base. Esta é uma das grandes exigências que consta do artigo 6º da convenção de 2003. "1. Cada Estado-Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, garantirá a existência de um ou mais órgãos, encarregues de prevenir a corrupção com medidas, tais como: a) A aplicação das políticas, às quais se faz alusão no artigo 5º da presente Convenção, e a supervisão e coordenação da prática dessas políticas; b) O aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da corrupção", lê-se nesse tratado internacional que vimos referindo.

O nº 2 do mesmo artigo estabelece que, montada que está tal autoridade, esta deverá ser dotada de independência e recursos necessários, para que possa desempenhar, em articulação com as instituições internacionais da área, as suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida.

Ou seja, além dos aspectos relevantes referidos, o nosso país ainda tem muito que fazer para implementar os 71 artigos que enformam esse convénio da ONU contra a corrupção. Cabo Verde precisa ainda, conforme recomendou o Procurador-Geral da República, de agilizar o cumprimento dos artigos 19º (abuso do poder), 20º (enriquecimento ilícito), 21º (suborno no sector privado), entre outros aspectos desse acordo internacional contra a corrupção. Cabo Verde deve, por outro lado, respeitar vários outros acordos e normas internacionais sobre a matéria que já subscreveu. A nível da Lusofonia, destaca-se o Guião de Boas Práticas para a Prevenção e Combate à Corrupção na Administração Pública, aprovado em Novembro 2011 pelos Organismos Estratégicos de Controlo da CPLP.

MJ intensifica luta contra a corrupção e anuncia: Reforço do MP e revisão do Código Penal

O Ministro da Justiça garante que o sistema jurídico cabo-verdiano reforçou os poderes do Ministério Público, enquanto autoridade nacional de combate à corrupção, e está a rever o Código Penal (CP) para absorver as estatuições e recomendações da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. José Carlos Correia faz ainda questão de lembrar que o actual executivo tem adoptado uma política de tolerância zero a esse mal, cujo combate exige mudança cultural e de atitude.

O titular da pasta da Justiça assevera que Cabo Verde já tomou um conjunto de medidas para implementar os termos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. "Entre estas medidas consta o reforço do Ministério Público, nomeadamente quanto à sua orgânica, de modo a estar dotado de serviços dedicados à prevenção e combate à corrupção", focaliza o ministro. Quanto à necessidade de haver uma autoridade independente para prevenir a corrupção, José Carlos Correia defende que, no nosso contexto, o Ministério Público é a autoridade nacional de combate a esse fenómeno. Isto sem prejuízo de serem tomadas medidas transversais em toda a Administração Pública no sentido de reforçar a transparência e a integridade dos servidores públicos. O governante destaca que a tolerância zero à corrupção, medida política que vem sendo seguida pelo actual Governo, deve reflectir uma disponibilidade também do público em geral para denunciar casos e ajudar a esclarecer situações suspeitas.

Referindo-se ao Código Penal em vigor, o ministro da Justiça informa que o CP está a ser revisto para absorver as estatuições e recomendações da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. "Aliás, a própria Conferência dos ministros da Justiça da CPLP tem recomendado uma harmonização entre a legislação dos países-membros, e destes com os padrões estabelecidos pelo direito internacional. Contamos, por isso, poder finalizar a revisão do Código Penal durante o ano de 2013", assegura José Carlos Correia.

Instado a analisar a experiência da extinta Autoridade Contra a Corrupção, que foi criada no governo do MpD, o ministro da Justiça recorda que na altura Cabo Verde seguiu a perspectiva, modelo e meios em voga nas duas últimas décadas. Mas José Carlos Correia é de opinião que a experiência não surtiu os efeitos positivos esperados, seja porque esse modelo levou à sobreposição de instituições e/ou afectação de recursos, seja pelos defeitos na abordagem então assumida pela designada alta autoridade.

"Afigura-se que é hora de investir nas instituições. E no caso cabo-verdiano, o que deve ser feito é o reforço da cultura institucional que perdura no tempo, para além dos titulares dos cargos e dos mandatos políticos", propõe o responsável da pasta da Justiça.

O MJ fundamenta que prevenir a corrupção pode até ser confiada a uma instituição especialmente criada para o efeito, mas o essencial é que se deve cultivar a transparência, a legalidade e o hábito de prestação de contas em todos os sectores e a todos os níveis. "Isso quer dizer que a prevenção à corrupção deve e pode ser feita de forma transversal, ou seja, é uma questão de cultura e atitude", conclui o ministro da Justiça de Cabo Verde.

ADP

No comments:

Post a Comment