Tuesday, May 28, 2013

LENINE ERA PORTUGUÊS E FOI MORTO EM ESTOCOLMO



Nuno Ramos de Almeida – Jornal i, opinião

A Suécia parecia o paraíso. A revolta dos jovens desempregados, pobres e imigrantes queimou mais que dezenas de carros, provou que o sonho europeu está a arder

Sabe-se pouco sobre ele: tinha 68 anos, emigrou para a Suécia em 1975. Era casado com uma finlandesa. Foi morto a tiro, em sua casa, pela polícia sueca. Segundo as autoridades, foi abatido porque, depois de arrombada a porta de sua casa, tentou agredir um agente com um objecto cortante. A família tem outra versão: o homem tinha sido agredido por um gangue, horas antes, quando passava na rua com a mulher. No momento em que a polícia lhe arrombou a porta, defendeu-se, convencido de que era o bando que lhe invadia a casa.

Do que não há dúvidas é que Lenine Relvas Martins era português e morreu abatido em Estocolmo.

Os arredores da capital nórdica ficaram a ferro e fogo. Jovens queimaram carros e atacaram polícias e veículos dos bombeiros. Parece que a idílica Suécia está mais perto dos negros policiais nórdicos que da bucólica imagem do paraíso que os media passam sobre ela.

A 20 minutos do centro de Estocolmo, o bairro de Husby é maioritariamente habitado por imigrantes de primeira, segunda e terceira geração. Depois de dez anos de governo de direita, o desemprego é aí muito superior ao dos dormitórios da classe média. Muitos jovens - os jornais falam em 20% - nem estudam nem trabalham. Para eles, o presente parece não ter futuro. Um jovem respondeu ao jornalista do "El País" que, "se as mãos não têm livros, enchem-se de pedras". As carcaças ardidas dos carros demonstram que a utopia sueca está em chamas.

Se o desespero já existe num país em que o desemprego nos bairros periféricos é de cerca de 9%, o que será nos países da periferia europeia, em que ele já passou há muito os 20%?

A violência de rua não expressa uma alternativa de sociedade, mas mostra claramente que esta sociedade já não é alternativa para ninguém. As suas saídas possíveis são apenas a destruição sem sentido ou encontrar um caminho para uma nova sociedade.

A violência por si própria é apenas um sintoma de que chegámos a um beco sem saída, mas não dá um sentido.

Há muitos anos, outro Lenine refugiou-se, na vizinha Finlândia, para escapar à repressão que se abateu sobre os bolcheviques depois dum conjunto de greves operárias em Julho de 1917. Aí ficou refugiado, disfarçado, com a barba rapada e uma peruca, até às vésperas da Revolução de Outubro. Na localidade de Kuokalla (fronteira da Finlândia) acabou de redigir o seu manuscrito "O Estado e a Revolução", aí defendendo que "o Estado representativo moderno é um instrumento de exploração do trabalho assalariado pelo capital. Há, no entanto, períodos excepcionais em que as classes em luta atingem tal equilíbrio de forças que o poder público adquire, momentaneamente, certa independência em relação às mesmas e se torna uma espécie de árbitro entre elas". Essas aparências dissipam-se quando se atingem momentos de crise, como a nossa, e verifica-se que os governos não são iguais para todos e que a sua lógica é a de garantir e reforçar os privilégios de uma minoria. Como diria Lenine, o Estado deixa de conseguir dar a ilusão de ser árbitro para mostrar a sua verdadeira face de instrumento de dominação.

Chegamos a esta situação com um sistema económico que privilegiou o capital financeiro em detrimento do produtivo e que apostou nos activos especulativos em vez dos investimentos de longo prazo.

A inversão desta lógica exige dar poder à maioria das pessoas. Mais que uma mudança cosmética, é preciso uma ruptura democrática que permita dar-lhes voz. Para isso, é preciso um longo e duro caminho. Não é apenas uma questão de eleições ou de governo, é uma questão de criar uma nova sociedade.

No próximo dia 1 de Junho vão sair à rua, em dez países da Europa, milhares de pessoas contra a troika. Serão ainda poucos para mudar a Europa, mas terão dado um passo importante na luta por um continente mais justo. Até porque a falta de futuro existe do Atlântico aos Urais e uma resposta verdadeira passa por dar poder e esperança às pessoas que cá vivem. E isso só pode ser feito em conjunto.

Editor executivo - Escreve à terça-feira

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