Tuesday, May 28, 2013

Soares. "Portas tem sido chantageado pelo governo por causa do processo dos submarinos"



Ana Sá Lopes – Jornal i

Soares defende que Portugal pode vir a ser o primeiro país a acabar com a austeridade, como acabou com a ditadura

Depois de amanhã, quinta-feira, haverá uma reunião de esquerda contra a austeridade. Mário Soares conseguiu o feito de reunir na mesma sessão as direcções do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda - sempre desagradadas em participar em "frentes comuns" deste género, pela difícil relação que os partidos de esquerda mantêm entre si. A presidir à sessão, que decorre no dia 30 à noite, na Aula Magna, estará o reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa - que alguns vêem já como potencial candidato de esquerda a Presidente da República. Mário Soares gostaria que os partidos de esquerda e as centrais sindicais se entendessem com vista a um futuro governo. Mas isso, afirma, "já não é com ele".

Dr. Mário Soares, decidiu organizar uma reunião da esquerda para combater a austeridade. Pensa que isso pode dar força a um futuro governo de esquerda?

Eu gostaria, mas não posso dizer se sim ou não. É importante tão-só que se juntem pessoas indicadas ou não pelos partidos e das centrais sindicais que se reclamem da esquerda e se afirmem contra a austeridade, e considerem que é fundamental e urgente que o actual governo se demita.

Há quanto tempo estava a preparar esta reunião?

Há muitíssimo pouco. Falei com toda a gente dos chamados promotores e todos me disseram que sim. Não tive nenhuma recusa.

Teve encontros individuais com o secretário-geral do PCP e o líder do Bloco de Esquerda? Reagiram todos da mesma maneira?

Não falei pessoalmente com o secretário-geral do PCP, mas tão-só com dois dirigentes importantes que, julgo, o ouviram. Ficaram a pensar. Mas como todos querem a queda do actual governo, aceitaram a ideia, que estará aberta, livremente, na Aula Magna da Universidade de Lisboa a quem quiser ouvir, no dia 30 de Maio, a partir das 21 horas, o que pensam os oradores e os promotores, sendo todos a favor da queda do governo e contra a política de austeridade que está a arruinar o nosso país.

Mas há aqui um milagre. Se excluirmos as manifestações do 1.º de Maio, é a primeira vez que as direcções do PCP e Bloco de Esquerda aparecem juntas.

Todos sentem que é necessário acabar com a austeridade já e derrubar o governo, que tem vindo a arruinar a nossa pátria, criando mais de um milhão de desempregados, o empobrecimento geral e a destruição do Estado social.

Como é que o sr. dr. conseguiu que Pacheco Pereira, que foi seu apoiante no MASP (Movimento de Apoio Soares à Presidência), desse o seu apoio a esta reunião? Ele é militante do PSD e nós julgávamos que Pacheco Pereira já não era de esquerda.

Pacheco Pereira tem tido posições altamente críticas e muito corajosas sobre a forma como o governo tem estado a desgraçar o nosso país e o povo português, havendo já mesmo fome. É um autêntico social-democrata, como foi, aliás, Sá Carneiro e é ainda hoje a maioria do Partido Social Democrata, que está, como se sabe, contra a política desastrada do actual governo.

Quase de esquerda?

Sim, não é seguramente da direita ultra-conservadora e neoliberal como o actual governo. Além disso, Pacheco Pereira é um patriota. Tem dito claramente que a política deste governo conduzirá o nosso país para o charco. É um governo ultra-conservador e neoliberal, contra a ideologia social-democrata. Não respeita o espírito de Sá Carneiro, que sempre foi um social-democrata. É um governo de direita pura e dura, como quase todos os governos que hoje estão no poder na Europa. Ora, quem fez a União Europeia foram os socialistas e sociais-democratas e os democratas-cristãos. Agora, com a excepção da França e da Itália, não há nenhum governo destas famílias políticas na Europa! São todos neoliberais, republicanos no sentido americano do termo e ultraconservadores.

Sá Carneiro nunca se reveria neste governo?

Claro que não, como é óbvio. Ele quis que o seu partido entrasse para a Internacional Socialista. Foi o Partido Socialista que se opôs, porque tinha chegado primeiro.

António José Seguro viu com bons olhos a sua ideia da grande reunião de esquerda?

Claro que sim. Foi a primeira pessoa a quem falei, na qualidade de líder do Partido Socialista, do qual sou militante número um, mas onde não tenho qualquer responsabilidade. Expliquei-lhe e ele disse-me que iria mandar alguém. Como já fez.

Foi calmo?

Foi tudo calmo. Não recebi nenhuma recusa, nem das centrais sindicais, nem do PCP, nem do Bloco de Esquerda, nem até de alguns sociais-democratas.

Recentemente, uma sondagem do Instituto Europeu da Universidade de Direito mostrava que mais de 80 por cento dos portugueses querem a denúncia ou a renegociação do Memorando da troika.

É evidente. E querem que o governo se demita. Mas para isso é preciso coragem e ser capaz de bater com o punho na mesa da troika. Este governo é subserviente em relação à troika e à sra. Merkel. Mas a sra. Merkel, agora, está a mudar, porque a Alemanha corre o risco de entrar em recessão. Os neoliberais ainda vão ser surpreendidos...

E agora culpa Durão Barroso?

É verdade. E tem alguma razão nisso. Durão Barroso tem variado muito, segundo os ventos. E, hoje, poucos dos seus pares o tomarão a sério...

O sr. dr., há uns dias, afirmava que era possível uma coligação entre o PS e o Bloco, mas já não seria tão fácil fazê-la com o PCP. Uma emergência nacional pode levar ao poder uma grande coligação de esquerda?

Todos estão contra a austeridade, todos querem que o governo caia. É do que se trata agora. Depois, cabe aos partidos e aos parceiros sociais dizerem o que querem. Tarefa difícil! Mas não é disso que se trata, mas sim, e agora, lutar contra a austeridade e obrigar o governo a demitir-se.

Mas há um problema complicado. Há um ano, o sr. dr. defendeu que o PS devia romper com o Memorando da troika. Mas a verdade é que o PS não rompeu com o Memorando da troika. E isto pode conduzir-nos a um beco sem saída: este governo cai, já quase toda a gente o dá como moribundo, mas depois é substituído pelo PS, que vai ter de se submeter ao mesmo Memorando da troika?

Pois, mas isso não é comigo. Não tenho responsabilidades partidárias, hoje, nem as quero ter. Isso é com os partidos, com as centrais sindicais e com o povo, que é quem mais ordena.

Mas o que eu não percebo é como a austeridade vai poder acabar neste país sem uma revolução na Europa?

Veja que, em Portugal, aconteceu o 25 de Abril antes das outras ditaduras europeias do Ocidente: a Grécia e a Espanha. Nós fomos os primeiros. Graças ao MFA! Mas, note-se, no exílio não sabíamos se o golpe contra Caetano era de esquerda ou de direita. Ramos da Costa, Tito de Morais, Oneto, a minha mulher e eu, quando nos metemos no Sud Express, de regresso, não sabíamos o que nos podia acontecer. Os nossos camaradas de Lisboa diziam-nos, pelo telefone, para não virmos. Mas viemos. Fomos os primeiros exilados a chegar, e recebidos em apoteose. Agora podemos ser os primeiros, de novo, a acabar com a austeridade e, para isso, é preciso que o governo se demita ou caia. Quanto antes. Quanto a uma revolução (pacífica!) na Europa, para acabar com a crise, acontecerá a seu tempo. É inevitável. E espero que Portugal, por exemplo, contribua para isso.

O sr. dr. tem esperança de que aconteça uma coisa desse género na Europa?

É inevitável. Em Portugal, toda a gente queria acabar com a guerra. E acabou-se. Como agora toda a gente quer que o neoliberalismo e os mercados a mandar nos Estados desapareçam. Porque a crise do euro não é só financeira e económica, é também social, política, ética e ambiental. O neoliberalismo, a ideologia que provocou a crise, contra as pessoas e em favor do dinheiro, está moribunda e não vai poder perdurar muito.

Mas estão a passar três anos da crise do euro e não se vê solução à vista. O dr. é um optimista, acredita que isto ainda tem salvação?

Sou, digamos, um optimista que procura ser realista. Acredito que a crise que, como disse antes, não é só financeira e económica, tem salvação. A América, que foi quem nos contagiou, estava pior do que nós e hoje está a sair dela, apesar dos republicanos. Estou confiante em que Obama - um presidente que só tem paralelo com Roosevelt; como se sabe, sou um grande admirador de ambos - tem perfeitamente consciência de que os únicos amigos fiéis da América são os Estados europeus. Não pode deixar que a crise do euro e da União Europeia caiam no abismo e, porventura, dêem origem a um novo conflito mundial.

Mas acha que Obama pode influenciar uma mudança na Europa?

Acho que Barack Obama não pode deixar morrer a União Europeia. E temos agora outra grande figura moral. Sou agnóstico, mas acho que este Papa é uma dádiva. Não sei de quem (risos), mas é uma dádiva. Todos os dias fala contra a austeridade, contra a globalização sem regras e contra o fim do Estado social. Pede auxílio em favor dos pobres, fala com a mesma simpatia a crentes e não crentes e estende a mão aos judeus e aos muçulmanos. Isto vai ter consequências. Há aqui um conjunto de ideias que eu acredito que vão ter resultados muito positivos. É amigo do grande presidente italiano Giorgio Napolitano e felicitou--o pela escolha do novo primeiro-ministro Enrico Letta.

Porquê o prof. Sampaio da Nóvoa a presidir à sessão? Já há quem tenha defendido que o prof. Nóvoa deveria ser o candidato presidencial da esquerda?

O prof. Sampaio da Nóvoa é uma grande personalidade académica, cultural e humana. Fiquei encantado por ter aceitado o meu convite para presidir à sessão pública e aberta que terá lugar no dia 30 às 21 horas, na Aula Magna da universidade de que é reitor. Agora, se vai ser ou não candidato presidencial, não sei. Mas é evidente que tem gabarito para o ser, se assim o quiser.

Também convidou o seu amigo Manuel Alegre. Esta vai ser a primeira grande sessão em que vão estar juntos depois da reconciliação, a discutirem os dois a esquerda ao mesmo tempo.

É verdade. Participámos em muitas manifestações e acções no passado. Estamos bem sincronizados politicamente para o voltar a fazer.

Pensam praticamente o mesmo sobre isto?

Politicamente, sim. E agora voltámos a ser amigos, desde que eu estive a morrer e ele, preocupado, todos os dias falava aos meus filhos e à minha mulher. Quando melhorei, fiquei reconhecido e telefonei-lhe. O futuro é o que conta. Almoçámos já, um dia, telefonamos, falamos e somos amigos. Como no passado. A amizade é tão importante - ou mais - do que a política. O que lá vai, lá vai. O que nos interessa é o futuro.

Mas já está recuperado.

Estou no bom caminho, mas não posso esquecer que tenho 88 anos. O prof. António Damásio, grande amigo, que esteve sempre em contacto com os médicos do hospital e a minha família, passou agora por Lisboa e ficou convencido de que estou em franca recuperação. Mas tenho ainda de ter cuidado.

Nunca foi possível um governo que juntasse em coligação a esquerda em Portugal. Acha que hoje isso já será possível? Esta sessão pode contribuir?

É verdade. Trata-se de um encontro em que se fala da liberdade, contra a austeridade, e se reclama a queda do governo. É importante, mas esgota-se nisto. Em 30 de Maio. O que se passar a seguir, já não é comigo. Gostaria, obviamente, que os partidos de esquerda, as centrais sindicais e o povo, que é quem mais ordena, se pudessem entender.

Acha que o que se passou a seguir ao 25 de Abril nunca mais se ultrapassou?

Ultrapassou-se, pelo menos uma vez: quando Álvaro Cunhal, depois de ter apoiado Zenha, como candidato, me apoiou na segunda volta, indicando que tapassem a minha cara, mas pusessem a cruzinha no lugar que me pertencia. Tinha uma grande flexibilidade táctica e uma enorme rigidez estratégica. Por isso o elogiei publicamente quando fez 80 anos.

Mas o PCP nunca ultrapassou?

É verdade. O secretário-geral do PCP, em cada um dos seus discursos, faz uma diatribe contra o PS. Não ganha nada com isso, só perde. Lembre-se dos comunistas alemães que, no tempo de Hitler, atacavam os social-democratas. Ambos, comunistas e social-democratas, morreram nos campos de concentração.

Com o Bloco de Esquerda é diferente?

Não me cabe fazer comparações. Mas é óbvio que são partidos diferentes e ambos se reclamam da esquerda.

Mas, esta reunião, vê-a mais como um combate ao governo ou como uma preparação do que pode ser uma alternativa à austeridade?

É um encontro, aberto ao público, para salientar que a austeridade nos leva necessariamente ao abismo, a muito mais desemprego e à ruína do Estado social. Uma tragédia para Portugal. Que, por isso, temos de demitir o governo e mostrar ao Presidente da República, em nome da Constituição que jurou, que não pode continuar a legitimá-lo.

O sr. dr. acredita numa maioria absoluta do PS?

Em consciência, não sou capaz de lhe responder. Mas o líder do PS, António José Seguro, tem-me dito que é uma possibilidade. Por isso, era bom que dialogasse com a esquerda, quer sejam militantes dos partidos ou não. Também com os militantes e antigos militantes do PSD que estão críticos do governo e que representam, de longe, a maioria. Não esqueçamos que quase dois terços dos militantes do PSD são contra o governo, e os candidatos a presidentes dos diferentes municípios também. E ainda com os militares e a Igreja. Sem isso, não podem ganhar.

Tem criticado muitas vezes o Presidente da República por não estar à altura da situação. O Presidente devia dissolver o parlamento?

Acho que devia demitir o governo porque, como se tem visto, a legitimação do governo está a destruir em absoluto a sua imagem junto da esmagadora maioria dos portugueses. O que é um perigo que nunca aconteceu.

Mas, recentemente, o Presidente fez uma declaração a dizer que o governo tem toda a legitimidade?

É verdade que disse e foi terrível para ele. Um governo que não fala com o povo que o elegeu - nem pode sair à rua sem ser vaiado - não tem legitimidade. Ou então é porque já não estamos em democracia.

Como acha que se encontra neste momento a situação de Paulo Portas no governo?

Paulo Portas tem sido chantageado pelo governo por causa do processo dos submarinos e dos carros de combate Pandur. Quando, pela primeira vez, Portas admitiu que estava a ponderar se ficava ou não, o caso dos submarinos voltou à primeira linha. E isso obriga-o a continuar no governo. O medo é que manda na vinha...

Dr. Soares, o governo não chegou a tocar nas subvenções dos ex-Presidentes da República. O senhor é o mais bem pago dos ex-Presidentes?

Não sou. Recebo o mesmo que os outros ex-Presidentes. A imprensa confundiu certamente o que ganho como ex-Presidente e os meus rendimentos pessoais, herdados dos meus pais. E que são, aliás, partilhados com a minha mulher, porque somos casados com comunhão de bens.

Que pensa deste novo patriarca? O sr. dr. é um admirador deste novo Papa? Acredita mesmo que vai mudar a Igreja?

Acredito que a Igreja vai mudar e muito, para melhor. O novo Papa é uma grande personalidade, amigo dos pobres e falando com todos, sejam crentes ou não, judeus ou muçulmanos. É contra o capitalismo selvagem e a política de austeridade, como tem dito e repetido. Que se pode exigir mais? Quanto ao novo patriarca português - que conheço bem e estimo -, penso que é uma pessoa aberta, de grande cultura, e humanamente muito conhecido como tal. Acho que estará muito próximo do actual Papa e vai dar um novo impulso à Igreja portuguesa, que desde o 25 de Abril se tornou muito aberta - incontestavelmente, muito mais do que a Igreja espanhola.

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