Saturday, May 11, 2013

O BRASIL E AS MUDANÇAS NO COMANDO DA OMC




Paulo Kliass, São Paulo – Opera Mundi

Sem otimismo ingênuo, eleição de Azevêdo foi uma vitória, mas diplomata não defenderá interesses dos brasileiros

Sim! Pode-se afirmar com relativo grau de segurança que os resultados da recente eleição para o cargo de diretor geral da OMC (Organização Mundial do Comércio) são o reflexo de uma importante mudança que está em movimento no interior dessa instituição multilateral do sistema das Nações Unidas. Afinal, foi a primeira vez que um candidato de um país externo ao grupo apoiado pelos países europeus obteve a maioria de votos.

A performance da campanha em prol de Roberto Azevêdo, embaixador brasileiro de carreira, com larga experiência de atuação no âmbito da própria OMC, tem um sabor especial de vitória para a diplomacia de nosso país. Afinal, ele terminou por receber os votos necessários para se eleger, ao longo do complexo processo de decisão daquela instituição.

Na reta de chegada, disputou com outro candidato latino-americano e conseguiu a aprovação definitiva. Herminio Blanco, da diplomacia mexicana, apesar do apoio recebido dos Estados Unidos e dos países da União Europeia, não obteve êxito contra o brasileiro. Sua identificação com o processo do Nafta (sigla em inglês do Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e sua relação de subserviência à política externa norte-americana com toda certeza tornaram inviável qualquer tentativa de simulação de uma suposta independência de seus interesses.

Assim, esse evento vem se somar à indicação de outro brasileiro, José Graziano da Silva, ocorrida no ano passado, para comandar a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). A estratégia encaminhada pelo Itamaraty parece estar colhendo alguns bons resultados para o Brasil na conquista de espaços estratégicos no seio das organizações multilaterais. A guinada estratégica de nossa política externa, operada a partir do primeiro mandato de Lula em 2003, rompeu com a lógica do alinhamento automático aos Estados Unidos, abrindo caminhos de consolidação do bloco regional (Mercosul e América Latina) e de busca de parcerias no chamada “eixo sul-sul” (África e Ásia).

Desejo de renovação

Na verdade, na OMC ocorreu uma polarização entre o candidato apoiado pelos países mais ricos e aquele que se identificava como o preferido pelo conjunto de países que guardavam alguma diferença mais séria com o outro bloco. No entanto, o jogo de alianças da geopolítica é muito mais complexo do que se pode imaginar à primeira vista. Os exemplos são muitos. A China apoiou o Brasil nessa eleição, mas temos com esse país um potencial futuro de muitas disputas no campo das trocas comerciais. O Paraguai, apesar da identificação regional com o Mercosul, votou contra Azevedo em função da discordância do novo governo local quanto ao apoio de nossa diplomacia ao ex-presidente deposto, Fernando Lugo.

O fato inquestionável é que o resultado final revela uma fotografia bastante adequada do processo de insatisfação da maioria dos 159 membros da organização quanto ao rumo que a direção da mesma vinha imprimindo à agenda multilateral do comércio internacional até o presente momento. Não é por acaso que dois representantes de países do mundo em desenvolvimento tenham chegado à disputa final. Ainda que o candidato derrotado contasse com o apoio explícito dos países mais ricos do planeta, não deixava de ser significativo que fosse natural, ele também, de uma nação da América Latina.

Limites na ação do diretor-geral

Porém, é importante que esse resultado não seja recebido com um otimismo ingênuo. Não há espaço para se trabalhar com a possibilidade de melhoria imediata da ação brasileira no domínio das relações econômicas internacionais. O “timing” do jogo e das articulações da diplomacia é completamente diferente do tempo da política interna dos países. As agendas em debate e de implementação pela OMC obedecem a um ritmo bastante lento, uma vez que os interesses econômicos e geopolíticos envolvidos são enormes.

Desde os tempos de vigência apenas do GATT (sigla em inglês do Acordo Geral de Tarifas e Comércio), em 1947, até a fase posterior à constituição formal da organização em 1995 (a partir da recomendação da Rodada Uruguai, ocorrida entre 1986 e 1994), os avanços foram bastante vagarosos. Aliás, o que é perfeitamente compreensível, em se tratando de movimentos complexos e contraditórios no jogo de interesses econômicos conflitantes no cenário internacional. Os grandes temas são lançados em processos de ampla consulta junto aos países membros, as chamadas rodadas. E como não há mecanismo de imposição possível, o que se busca sempre é o consenso mais amplo possível, quando não a unanimidade.

Por outro lado, não custa relembrar que Roberto Azevêdo não foi indicado para defender os interesses brasileiros. E esse ponto precisa ficar bastante claro, ao contrário do que deixam transparecer alguns artigos nos grandes meios de comunicação. É óbvio que sua presença nos é mais conveniente do que qualquer outro secretário-geral, mas não devem caber ilusões nesse jogo pesado das nações. A margem de manobra do ocupante do posto máximo é bastante exígua e o mesmo é obrigado a seguir de perto o sentido e as sutilezas da correlação de forças entre os países a cada instante. Assim, por exemplo, é impossível evitar que as conjunturas de crises de natureza econômica e financeira na esfera global - como a atual, por exemplo – contribuam para retrocessos em termos das pautas de liberalização comercial no campo dos países desenvolvidos. Ou, então por outro ângulo, é inevitável que as questões envolvendo as reclamações e os pleitos da maioria dos países contra as práticas comerciais agressivas patrocinadas pela China venham à tona no horizonte próximo.

Atribuições da OMC e a lentidão dos processos

As atribuições delegadas à OMC limitam-se à defesa de determinados princípios de prática de comércio internacional. Isso está na base da sua própria criação, uma vez que foi constatado que não bastava anunciar por todos os cantos a defesa da liberdade de exportar e importar. Ficou claro que os países sempre teriam algum mecanismo para burlar esse quadro e defender seus próprios interesses nacionais em primeiro lugar.

Assim, caberia à ONU criar um sistema específico contra o protecionismo, com instrumentos de pressão e constrangimento aos países que não respeitem as regras previstas nos acordos. E aqui entram temas bastante delicados, tais como: i) barreiras fitossanitárias; ii) compras governamentais; iii) cotas para produtos importados; iv) subsídios implícitos ou explícitos à produção nacional; v) impostos sobre produtos importados; vi) prática de “dumping”, entre outros. Para uns, defesa legítima de interesses soberanos. Para outros, meras desculpas para justificar práticas protecionistas.

Como se pode imaginar, os procedimentos para averiguar e confirmar tais políticas consideradas como “protecionismo comercial” são muito sutis e demorados. Os processos formais são caros e as instâncias de deliberação no interior da OMC dependem de etapas protocolares, com espaço para acusação e defesa das partes envolvidas, levando a decisões que podem levar décadas até a sentença final. E que podem contar ou não com a concordância ou boa vontade por parte do país “condenado”.

Foi o caso, por exemplo, das ações brasileiras contra as práticas protecionistas dos Estados Unidos no caso das nossas exportações de suco de laranja ou de algodão. Semelhante foi o processo contra as barreiras alfandegária da União Europeia contra as nossas exportações de açúcar. Ou então do questionamento da maioria dos países do chamado Terceiro Mundo quanto aos mecanismos de subsídio concedidos pelos países europeus às respectivas atividades agrícolas.

Retomar a Rodada de Doha

A agenda da OMC está praticamente paralisada com a chamada Rodada de Doha (iniciada em 2001 e ainda não concluída), quando os países do mundo em desenvolvimento tentavam impor elementos de uma pauta de trocas internacionais que incorporasse também os aspectos das desigualdades e disparidades regionais. Os países ricos, por seu turno, propunham a ampliação da liberalização comercial também para o setor de serviços, estratégia que seria prejudicial para a maioria dos países mais pobres.

Ou seja, trata-se de jogo de difícil solução e conclusão. Essa contradição estava na base dos poucos avanços obtidos desde o início. Além disso, à natural e compreensível resistência dos países desenvolvidos somou-se a emergência da crise econômica e financeira internacional. As portas se fecharam a qualquer tipo de diálogo, em razão dos problemas domésticos que se aprofundaram.

Destravar os impasses da negociação parece ser o grande desafio que se coloca para a OMC nos próximos tempos. À medida que começam a surgir os primeiros sinais de recuperação da atividade econômica nos países ricos, abre-se espaço para que os temas da Doha voltem à mesa de negociação. Em tese, esse deve ser um dos primeiros pontos com que Azevêdo deverá se defrontar ao longo de sua gestão, como ele mesmo já adiantava em sua página de candidato na internet.

No entanto, apenas retomar a agenda atualmente bloqueada não é suficiente. A grande dificuldade continua sendo a busca dos pontos de consenso entre países com interesses tão díspares nas trocas internacionais. A começar pela própria China, que teve seu peso sensivelmente elevado no comércio mundial ao longo dos últimos anos e não deverá aceitar tão facilmente as propostas de revisão de suas práticas comerciais agressivas e lesivas à maior parte de seus parceiros, dentre eles o próprio Brasil.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10. Texto publicado originalmente em Carta Maior.

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