Saturday, May 11, 2013

MADURO?




Rui Peralta, Luanda

I - Nicolas Maduro Moros é o novo presidente da Venezuela, depois de vencer as eleições, no passado dia 14 de Abril, por uma margem mínima de 234.935 votos, o que deixa o país dividido ao meio. Para o governo bolivariano este resultado representa um aviso sério e não deve ser interpretado de forma demagógica e linear. Foi uma vitória, sem qualquer dúvida, legítima, mas demonstrativa daquilo que a liderança bolivariana deve corrigir nas suas políticas.

Nas penúltimas eleições, Hugo Chávez venceu por uma margem de cerca de 12% (8.191.132 votos para Chávez e 6.591.304 para Capriles, com uma participação de cerca de 81%). Em seis meses esta diferença foi substancialmente reduzida, ficando Maduro com 7.505.338 votos, frente a 7.270.403 votos, em Capriles Radonsky, com uma participação de 78%. A direita conquistou em 6 meses cerca de 680 mil votos. Saber o porquê é fundamental para a continuidade do processo bolivariano de transformação,

No discurso de vitória, mal foram confirmados os resultados, Maduro apontou dois dos problemas que contribuíram para esta súbita ascensão da direita venezuelana: a corrupção e a ineficiência (mas qual ineficiência? A da pesada máquina burocrática do Estado venezuelano ou a do aparelho produtivo? Das organizações populares ou do projeto bolivariano?).

II - Para a direita venezuelana estes resultados são um incentivo para aumentar a sua tradicional arrogância. A direita iniciou uma estratégia que produziu resultados. Capriles prometeu, caso vencesse as eleições manter algumas das conquistas alcançadas pelo povo venezuelano, principalmente os programas sociais e reivindicou Lula e o Brasil como modelo a seguir.

A oposição venezuelana de direita é constituída por partidos políticos que se coligaram apenas por um motivo: Acabar com o processo bolivariano em curso. Não existe qualquer projeto e muito menos uma clara identificação ideológica e programática. Apenas o de terminar com o fantasma do chavismo, como os direitistas denominam o projeto bolivariano de transformação.

Centrando o seu discurso nos problemas sociais, a direita venezuelana, tentou captar a base eleitoral bolivariana e conseguiu-o em parte. Claro que para a burguesia venezuelana (e para os USA) o que está em causa é o recurso da imensa reserva petrolífera do país, que se escapa da sua mão por 300 mil votos. Mas ganhou um espaço importante, impondo a divisão do país, que obrigará o governo bolivariano e as organizações populares a definirem com mais precisão os resultados e os impactos dos seus projetos.

III - Alegam, os direitistas, que ouve fraude no processo eleitoral. Mas a fiabilidade, transparência e confiança do sistema eleitoral venezuelano é reconhecido por todos os especialistas que o analisaram e o auditaram, inclusive pelo Centro Carter (do ex-presidente norte americano Jimmy Carter).

A Venezuela possui um sistema de votação totalmente automatizado, desde 2004. Utiliza um sistema de 16 auditorias, em todas as fases do processo eleitoral, acordados e aprovadas por todas as forças politicas participantes.

O acto eleitoral processa-se em 5 etapas. A primeira é a identificação. Nesta etapa a cédula de identificação é apresentada ao presidente da mesa eleitoral onde é registada no Sistema de Autentificação Integral. A segunda etapa consiste no voto, propriamente dito, onde o eleitor efectiva a sua escolha no ecrã da máquina de voto. A terceira etapa consiste no depósito do voto na urna, ou seja o depósito do comprovativo que é impresso no acto da escolha e que é depositado. A quarta etapa consiste na assinatura do livro de registo e a última etapa é a impregnação do dedo com tinta. Previamente ao acto são auditados o hardware, o software, os sistemas de transmissão e os procedimentos.

Os votos ficam armazenados, aleatoriamente, na memória da máquina de voto que não transmite os dados armazenados até ao final do processo eleitoral. Os membros de cada mesa, com os delegados dos partidos, elegem 54% das urnas para cruzar os votos depositados com os armazenados na máquina. Em termos estatísticos bastariam 5% das urnas para detectar irregularidades (nestas últimas eleições, Maduro aceitou a reclamação da oposição para auditar a totalidade das mesas).

Uma vez finalizado o processo de votação em cada centro eleitoral, os votos são transmitidos (de forma cifrada) através de uma rede segura da empresa pública de telecomunicações (CANTV) e são recebidos pelo sistema de totalização, que comprova a autenticidade dos envios. Todo o sistema de transmissão utiliza assinatura eletrónica, com chaves cedidas pela Comissão Nacional Eleitoral: as organizações dos partidos participantes e o provedor tecnológico, sendo os acessos comprovados pelas três partes.

Os 16 processos de auditoria são: 1) a auditoria ao Registo Eleitoral; 2) a auditoria á produção dos Cadernos de Votação; 3) auditoria á tinta; 4) às bases de dados; 5) ao software de secção dos membros dos Organismos Eleitorais Subalternos; 6) ao software da máquina de voto; 7) auditoria á produção das Maquinas de Voto; 8) a toda a infraestrutura eleitoral; 9) ao Sistema de Totalização; 10) aos dados e código-fonte do Sistema de Autentificação do Votante; 11) auditoria de produção ao Sistema de Verificação de Votantes; 12) auditoria de pré-despacho do Sistema de Autentificação de Votantes; 13) da Rede de Transmissão de Resultados Eleitorais; 14) auditoria de pré-despacho de Máquinas de Votação; 15) auditoria de encerramento; 16) auditoria posterior.  

Estas auditorias são acordadas, aprovadas e assinadas por todos os partidos políticos participantes no processo eleitoral. Apesar disso, a direita venezuelana mantém as acusações de fraude sem provas e por cima dos procedimentos e documentação comprovativa dos resultados que os seus delegados assinaram. Obriga, ainda, a que o governo admita a auditoria da totalidade das mesas eleitorais e a recontagem da totalidade dos votos.

IV - O presidente Maduro acusou os USA e a direita venezuelana de planearem um golpe, depois de 7 apoiantes do governo serem mortos e mais de 60 apoiantes feridos em confrontos pós-eleitorais. Por sua vez os USA não reconhecem o novo governo, apoiando a decisão da direita sobre a recontagem da totalidade dos votos. Enquanto isso a direita apela á realização de um cazerolaço, criando um ambiente de tensão muito similar ao que antecedeu a tentativa de golpe em 2002.

Grande parte dos meios de comunicação social (estações de rádio, jornais e revistas) continuam controlados pela direita e isso é uma das armas fortes dos inimigos do processo bolivariano de transformação. Torna-se fácil espalhar a confusão e criar instabilidade quando se conta com o apoio de muitos sectores da indústria mediática.

Os acontecimentos registados em Caracas, no dia 15 de Abril, foram de uma extrema violência. Clinicas e lojas foram assaltadas, sedes do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV) foram incendiadas e vandalizadas) casas de governante e de dirigentes do PSUV foram, também assaltadas e vandalizadas. Foram acções cirúrgicas, com o objectivo de gerar uma grande vaga de instabilidade. Essa vai continuar a ser a estratégia da direita venezuelana e dos USA: a desestabilização e a guerra de nervos.

V -  Inicia-se, desta forma, uma nova etapa no processo de transformação em curso na Venezuela. A revolução bolivariana tem de responder á responsabilidade da sua continuidade. Questões como a corrupção, a ineficiência criada pela burocracia (a principal inimiga dos processos revolucionários), ineficiências no aparelho produtivo, violência de diversa ordem (domestica e familiar, do género, no sistema prisional, etc.), são factores acumulativos na sociedade venezuelana,

Torna-se necessário que a aplicação do Programa da Pátria 2013-2019, documento estratégico de desenvolvimento, apresentado pelo Comandante Hugo Chávez nas penúltimas eleições seja um documento de referência. O novo governo bolivariano e Maduro não podem esquecer-se que Constituição Bolivariana contempla o mecanismo do referendo de revogação e o seu mandato poderá ser interrompido, em caso de má gestão dos assuntos do Estado e má governação.

A batalha contra os interesses oligárquicos continuará e com certeza que entrará numa nova fase, possivelmente de maior agressividade e conflitualidade. Nesta actual etapa o grande risco é a negociação. Alguns sectores bolivarianos serão tentados a realizar cedências, perante a divisão do país, a força da direita, o aumento da instabilidade e a agressividade do imperialismo.

Outra batalha importante prende-se com o controlo dos meios de comunicação e a optimização da eficácia dos meios de comunicação públicos (sejam do Estado ou das organizações populares, ou de sectores alternativos). Para além disso a continuidade das politicas sociais, o fortalecimento do sistema público de educação e do Sistema Publico nacional de Saúde, a integração dos factores urbanísticos nos objectivos imediatos do processo revolucionário (são factores directamente relacionados com a melhoria das condições de vida), a habitação, um melhor e mais eficaz sistema de Justiça, o melhoramento e dignificação do sistema penal, a emancipação da mulher, as politicas para a infância, a questão indígenas, a reforma agrária, o desenvolvimento rural, são tudo questões inseridas no Programa da Pátria e que devem ser integralmente cumpridas e nunca objecto de negociação ou de cedências.

Urge ampliar as grandes infraestruturas do país, continuar com a rede ferroviária e rodoviária, Na ciência e tecnologia deverão ser aprofundados os mecanismos de soberania tecnológica e continuar com a implantação do Software Livre na administração pública e procurar alternativos constantes, ligadas ao desenvolvimento produtivo e social

VI - O combate á ineficiência no aparelho produtivo passa pela resolução dos modelos. Cogestão ou autogestão? Qual o enquadramento das empresas comunais? Qual o papel do cooperativismo? E das empresas mistas? E como controlar as empresas públicas transnacionais, de forma a evitar bolsas de burocratização e de corrupção no seio dessas grandes empresas? 

E o poder popular? Como fica a organização social e política? E como poderão as organizações populares fomentar a criação de novas lideranças e de factores de optimização das autonomias face ao Estado (diminuindo assim o peso da burocracia Estatal)? E o sindicalismo? As comunas e os conselhos comunais? E o desenvolvimento do movimento operário, face aos novos paradigmas do desenvolvimento e dos camponeses face ao desenvolvimento rural? E que Estado? Um leviatãnico Hiper-Estado, ou um modular Estado essencial, que caminhe paulatinamente para a sua extinção?

No fundo duas opções: Uma nova Cultura Politica, ou apenas uma confusa manta de retalhos, que desembocará, inevitavelmente num pântano rodeado de gases letais.

A Venezuela de Chávez resolveu as questões básicas e abriu portas para novos horizontes. A pobreza foi reduzida, as condições de vida melhorou, a educação gratuita e universal, assim como a saúde para todos, foram importantes conquistas sociais. A manutenção, ampliação e sustentabilidade destas medidas são factores essenciais para a continuidade do processo.

VII - No plano internacional deverá continuar a integração regional: ALBA, UNASUR, CELAC, MERCOSUR para além de aprofundar as relações Sul-Sul, com o continente africano. O aprofundamento das relações com a China, são também importantes e curiosamente foram referidas por Maduro, horas depois da morte de Hugo Chávez, que considerou o capitalismo BRICS chinês como “nuestra amada China”.

O relacionamento com a China é fundamental. A China é o maior credor da Venezuela até 2020. Entre 2008 e 2012 aChina investiu cerca de 36 mil milhões de USD, sendo o petróleo a contrapartida. Estamos pois perante uma aliança estratégica, de mútua conveniência, lubrificada pelo petróleo, que permite uma importante via de diversificação de mercado consumidor para a Venezuela (aliviando a pressão norte-americana) e de mercado fornecedor para a China.

Também com o Brasil existe uma forte relação estratégica, fundamental para a integração regional. Desde 2005 que Brasil e Venezuela consolidam uma aliança estratégica, com acordos de integração entre o norte da Venezuela e o sul do Brasil, através da ampliação e optimização das vias de comunicação, terrestre, fluvial e aérea, da integração energética e do estabelecimento de cadeias produtivas complementares. Se em 2003 o intercâmbio era de 800 milhões de USD, em 2011 representava 5 mil milhões de USD.

Entre 2007 e 2010, foram efectuados encontros trimestrais entre os presidentes de ambos os países, para aprofundar acordos e desenhar estratégias de integração e desenvolvimento conjunto. No mesmo período instalou-se, em Caracas, o Instituto de Investigações Económicas Aplicadas, para a formulação de projectos de integração e formação de quadros em planificação. Foram criadas a Empresa Brasileira de Investigação Agropecuária (EMBRAPA) e a Caixa Económica Federal.

Uma das decisões mais importantes foi a substituição do Eixo Escudo-Guaianás pelo Eixo Amazónia-Orinoco, onde foram implementados projectos de desenvolvimento integral binacionais. Durante o funeral de Chávez, a presidente brasileira adiantou que o Brasil estaria disposto a apoiar a Venezuela em três aspectos: as importações alimentares, a corrupção policial e as distorções provocadas pelas exportações petrolíferas. Inclusive, na administração norte-americana o papel do Brasil na transição política venezuelana é considerado essencial e um interlocutor privilegiado, para além de ser uma eventual porta para a “estabilização democrática na Venezuela”, segundo alguns meios próximos a Obama.

Existe no entanto um dado de extrema importância: a necessidade de ambos os países de fortalecer o controlo da região sul da Venezuela e norte do Brasil, onde se encontram enormes jazigos minerais de importância estratégica. No estado brasileiro de Roraima, estado fronteiriço com a Venezuela estão as maiores reservas de ouro e estanho do mundo, para além de importantes jazigos de uranio, compartidos pelo Brasil Venezuela e Guiana (ex-Guiana britânica), sendo esta zona disputada entre a Venezuela e a Guiana, desde 1966.

Mas as bases da integração são as linhas definidas por Chávez nestas palavras: “Yo seré un pregonero y un acelerador, hasta donde pueda, de los procesos de integración. Es momento de retomar el sueño de unión entre nosotros. De plantearnos una moneda para la América Latina y el Caribe para la próxima década; busquemos y luchemos por ella. De plantearnos una Confederación de naciones de esta parte del Mundo. De plantearnos una unidad que vaya mucho más allá del intercambio comercial. La unidad va mucho más allá, es mucho más completa, mucho más profunda, es la unidad de lo que estuvo unida una vez (…) La unidad entre nuestros pueblos, entre nuestros Estados, nuestras Repúblicas, nuestros gobiernos es el único camino. La unidad entre nuestros pueblos, entre nuestros Estados, nuestras Repúblicas, nuestros gobiernos es el único camino. Aceptando y respetando nuestras diferencias. Sin permitir que la cizañe venenosa vaya a impedir, una vez más, el esfuerzo unitario. La unidad hay que construirla, pero es necesario batallar todos los días contra mil dificultades... Porque ese es el camino que Bolívar nos señaló cuando dijo: ‘Sólo la Unión nos falta para completar la obra de nuestra regeneración. El día que logremos esa unidad, entonces construiremos en este Nuevo Mundo, la madre de las Repúblicas y la reina de las Naciones”.

Este é um desígnio que o governo bolivariano tem de cumprir.
        
VIII - É uma evidente nova etapa para a Venezuela bolivariana. Maduro, como presidente, tem responsabilidades acrescidas. No âmbito interno, é a consolidação, aprofundamento e ampliação das conquistas já alcançadas e sua sustentabilidade. É também a conquista de novos espaços sociais, a ampliação dos direitos, a consciencialização dos deveres, a resolução sobre os assuntos adiados e a continuidade na inovação.

No âmbito externo o estabelecimento das relações estratégicas (principalmente com os BRICS, Africa e a integração regional) e do seu aprofundar, em solidariedades estratégicas, para além do reforço das solidariedades efectivas (relacionamento com a Bolívia, Equador e Cuba).

Se Maduro está efectivamente maduro para assumir estas responsabilidades, isso é outro assunto. Pode não estar, mas vai ficar, de certeza. Pelo menos todos confiamos na clarividência do comandante Hugo Chávez e na sua capacidade como condutor de Homens. Seja como for, os processos revolucionários, os projectos transformadores, não dependem apenas de um Homem, dependem do Homem, integral, assumido como um todo, expressando a vontade soberana de um povo, de uma classe, ou de uma nação. É o Homem o factor primordial e é em nome do Homem que a transformação do mundo é efectuada.

E os pobres da Venezuela já por mais de uma vez na História, souberam falar com a sua voz, agindo pelos seus meios…

Fontes
Ríos, Rafael Rico Victoria mínima del Chavismo http://www.rebelion.org
O Estado de São Paulo, Março, 17, 2013.

No comments:

Post a Comment