PROCESSOS DISCIPLINARES KWACHAS COMPROMETEM A SUA IMAGEM
Orlando Castro – Folha 8 – 05 outubro 2013
A UNITA de Isaías Samakuva revela, desta vez de forma explícita, que prefere auto-destruir-se pelos elogios dos que estão sempre de acordo, renegando todos aqueles que a querem salvar pela crítica. O caso Mfuca Muzemba é a mais inequívoca prova de quem tem imensos telhados de vidro mas que, numa tentativa autocrática, ou mesmo ditatorial, atira toneladas de pedras aos telhados dos outros.
Assimilando e praticando muitos dos maus princípios que tanto critica no regime, a UNITA é cada vez mais um partido unanimista, que idolatra o chefe e em que os seus militantes e simpatizantes começam a saber que os bons são os que estão sempre de acordo com o chefe. O direito à diferença, ao contraditório, foi banido e já nem os resquícios dos ideais do Muangai sobrevivem.
A UNITA ou, melhor, a sua cúpula resolveu vir para a praça pública, ao que parece sedente de protagonismo mediático, dizer de sua justiça sobre a suspensão do deputado e Secretário-Geral da JURA por 24 meses.
Através do chamado Conselho de Jurisdição, órgão que, embora sendo parte de um partido deveria ser apenas e só jurídico, apresentou o que supostamente eram provas de corrupção. O articulado da acusação indicia ter sido elaborado para legitimar o prévio veredicto quando, segundo as mais elementares regras de Direito, a sentença é a última peça processual e não, como parece ser o caso, a primeira.
Aliás, se a UNITA pretende que Angola seja um Estado de Direito não pode, na sua vida interna, utilizar regras que ultrajam o que diz pretender para o país. Não são aceitáveis as metodologias de quem para atingir um determinado fim utiliza todos os meios, sejam legais ou não. Corromper, por exemplo, um funcionário de um banco para arranjar eventuais provas de corrupção de um cliente não é digno, para além de ser crime, de nenhuma organização séria que, aliás, diz pretender ser governo.
E se, de uma forma geral, se critica com veemência o MPLA/Governo por praticar uma filosofia de considerar todos os opositores culpados até prova em contrário, o que se poderá esperar do segundo maior partido que, teoricamente, assume ser um alternativa e que, como se constata, actua da mesma forma, usa a mesma metodologia e exige dos outros o que não pratica?
Fazendo lembrar tempos, verdadeiros ou não, em que as labaredas queimavam os corpos para libertar e purificar os espíritos, a UNITA consegue, através do Conselho Nacional de Jurisdição, acender mais um rastilho da sua própria implosão quando, numa afirmação antológica e que certamente ficará para o anedotário da sua tragicomédia, diz que “a sanção aplicada a Mfuca Muzemba, foi no espírito de fraternidade, por um lado e, por outro lado, para reforçar a unidade e a disciplina do partido e salvaguardar a pureza da UNITA“.
E como um tiro no pé nunca vem só, a própria JURA assume as dores do líder do partido para – reproduzindo mais um caso de canina fidelidade ao chefe – exigir a cabeça de Mfuca Muzemba. Esta posição da JURA, apenas entendível à luz de velhos fantasmas apocalípticos, mostra que afinal à sua frente a UNITA só tem passado.
Mas, de facto, não deixa de ser engraçado ver como a UNITA caminha a passados largos para a fogueira da extinção. Caminha o Galo Negro mas não, é claro, os seus principais dirigentes. Esses trocaram a mandioca pela lagosta e estão a dar-se muito bem. Tão bem que se esquecem que, por incapacidade dos seus mais altos dirigentes, assinou há muito a sua própria certidão de óbito.
Fugindo à regra autocrática de Isaías Samakuva, Mfuca Muzemba até mostrou uma rara capacidade de liderança quando, acossado por todos os lados, se remeteu ao silêncio na esperança, obviamente vã, de que o bom senso da UNITA não tivesse também ele desertado.
Ledo engano. Estava encontrado o bode expiatório e, por isso, Samakuva quis mostrar que é forte. Não reparou, contudo, que todos viram que ele é especialmente forte com os fracos.
E foi assim que, no dia 18 de Setembro, um jurista da UNITA resolveu disparar todo o arsenal bélico existente contra Mfuca Muzemba. Provavelmente muitos desses valentes artilheiros de hoje querem, como alguns outros generais do passado, mudar de barricada e começar a disparar contra os seus próprios “soldados”.
Mas, como tudo, Samakuva mostra ser mesmo fraco, muito fraco, com os fortes. Daí nunca se atrever a admoestar alguns altos quadros do partido que, esses sim, a troco de dólares, cargos e tachos não se inibiram de achincalhar quer a UNITA quer o seu presidente fundador, Jonas Savimbi.
Se calhar, Mfuca Muzemba cometeu o erro de ser honesto num mundo, o da política, em que esse é o pior defeito. Tivesse ele desbaratado dinheiro à tripa forra, gerido o património da UNITA, não prestado contas e lambido as botas cardadas dos “generais” políticos e estaria, certamente, na santa paz da Samakuva.
Poderá a UNITA provar que Mfuca Muzemba delapidou as finanças e o património do partido? Não, não pode. E como não pode, isso é uma prova do crime de ser honesto.
O que esconde a UNITA quando, cometendo um crime, viola os direitos de qualquer cidadão, como do próprio Banco BIC, divulga o extracto da conta de Mfuca Muzemba? É que o visado assume, sem rodeios, que na sua conta pessoal, tem “de forma lícita, fruto de actividade comercial cadastrada e reconhecida, cerca de USD 400.000,00 e não milhões” como, aliás, fizeram questão de atirar para a ribalta da difamação alguns membros do Conselho de Jurisdição.
“A minha filiação na organização de que sou membro e dirigente, não pressupôs compromissos prévios sobre o dever e obrigação de declarar os meus rendimentos, que estariam alvo de espionagem de órgãos suspeitos. Enquanto membro da Comissão Política e do Comité Permanente da UNITA, não tenho que “chafurdar” as fontes de rendimento dos senhores Dr. Gabriel Samy (presidente do Conselho de Jurisdição), do Senhor Liberty Chiaka, Deputado Raul Danda, do Dr. Manuvakola, do Dr. Claúdio Silva ou do Dr. Constantino Zeferino, entre outros”, esclarece Mfuca Muzemba num, reconheça-se, acto de coragem de cujas consequências poderá ser vítima… mortal.
Mfuca Muzemba explica, com sobriedade, que “estes meus manos, são cidadãos livres e por essa razão têm a faculdade de ter, nas suas contas bancárias as somas em dinheiro que conseguirem de forma honesta, sem violação da lei e não podem ser caluniados por mera presunção”.
Como bem pergunta Mfuca Muzemba, quais foram as provas que o Conselho Jurisdicional da UNITA conseguiu dos movimentos havidos na sua conta, domiciliada no Banco BIC, em USD à data de 1 de Outubro/2012 a 21 de Fevereiro de 2013 ser resultado da corrupção e de aliciamento político do regime de Eduardo dos Santos, entregues por Bento Kangamba?
Nenhumas.
Mas se as tem deve, como mandam as tais regras de um Estado de Direito, desde logo porque a questão ultrapassa a esfera partidária, apresenta-las às autoridades policiais e judiciais, à Procuradoria-Geral da República. Refiram-se elas à entrega de dinheiro por Bento Kangamba, aos carros luxuosos adquiridos graças à corrupção, à alegada venda de vistos aos estrangeiros etc. etc.
Se o não fizer estará, mais uma vez, a dar razão aos que entendem que o fim da UNITA apenas depende da vontade dos que lhe deram lagosta…
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