Saturday, September 28, 2013

Angola: UNITA REAGE, SÓ LHE FALTA AGIR

 


Orlando Castro – Folha 8, edição 1159, 14 setembro 2013
 
Isaías Samakuva afirma, cada vez com mais elevados decibéis, que a UNITA tem a grande “missão de liderar os processos e acções que transformarão a qualidade da democracia angolana”, mostrando-se crente que o seu partido vai “trazer a mudança no nosso país, transformar a democracia num valor social que elimine a pobreza, promova a igualdade em todos os campos, garanta maior inclusão em diversidade cultural e da representatividade do género com vista a melhorar a qualidade de vida dos nossos cidadãos”.
 
“A UNITA deverá, pois, liderar essas acções em Angola, já que tudo o que nós temos estado a ver, o MPLA falhou na sua missão. Falhou porque o dia-a-dia nos diz que o MPLA que dizia a determinada altura que era partido dos trabalhadores transformou-se na realidade em partido de patrões, de defensores da terra do povo, passaram à expropriadores da terra do povo, em vez de protegerem as classes mais exploradas passaram a oprimir essas mesmas classes, de proprietários passaram a latifundiários que não têm títulos legítimos do que eles têm e ao invés de terem Angola no coração como diziam a determinada altura, eles têm Angola nos bolsos”, afirma Samakuva.
 
Na análise que faz, o líder da UNITA conclui que “o povo angolano está discriminado e completamente excluído, os seus direitos e liberdades fundamentais, bem como os seus direitos políticos, económicos e culturais continuam a ser sistematicamente violados pelos poderes públicos. Enquanto ouvimos o governo a dizer que estamos a viver um momento de crescimento económico e de prosperidade material, nós vemos que a grande maioria do povo angolano não participa deste momento de crescimento e prosperidade”.
 
Considera por isso que “é gritante a falta de investimentos sérios no desenvolvimento humano e em infraestruturas de saneamento. A nossa cidade capital cresce todos os dias sem plano nenhum, sem infraestruturas necessárias para uma cidade como a nossa. Temos um sistema de educação que não funciona. A mesma coisa se pode dizer do sistema de saúde e segurança social, que na realidade, a forma como estão a funcionar contraria tudo aquilo que os angolanos gostariam de ver”.
 
“A corrupção aumenta a cada dia que passa, e ela é feita a coberto dos senhores do poder, das elites dominantes, que utilizam os recursos públicos para promover os seus empreendimentos privados e promover enriquecimento ilícito, enquanto os angolanos continuam na sua maioria, no nível de miséria pior que nos tempos do colonialismo”, afirma o presidente da UNITA, acrescentando que é preciso “transformar essa Angola de forma que as riquezas do país venham a beneficiar os seus cidadãos, os angolanos”.
 
Samakuva garante que “Angola, afinal, é nossa, Angola é de nós todos e face a essa situação catastrófica que vivemos nós temos o dever de trabalhar e de provocar a mudança. Temos o dever de liderar Angola, porque essa Angola precisa dessa nova liderança, uma liderança que se identifica com o povo e que seja sensível aos problemas da juventude, aos problemas da terceira idade, aos problemas da nossa mulher, enfim aos problemas dos angolanos”.
 
“Precisamos, portanto, de uma liderança que vá ao encontro do povo, que dialogue com o povo, para em conjunto encontrar soluções para os problemas que vivemos. E esses problemas são por todos conhecidos. Nós podemos citar, por exemplo, o problema de água potável, o problema de saneamento básico, de organização e gestão de mercados municipais, problemas do lixo. Ora esses problemas todos não encontrarão solução enquanto a organização do estado estiver como está. Nós pensamos que esses problemas todos resolver-se-ão se nós tivermos o poder local instituído, porque só assim teremos imensas oportunidades para envolver os talentos da juventude, os talentos da nossa sociedade que hoje estão esquecidos, mas que podem ajudar com o seu dinamismo, com a sua energia resolver esses problemas”, retrata o sucessor de Jonas Savimbi.
 
Isaías Samakuva considera que “nós, afinal, somos os construtores da nacionalidade angolana, da independência e da democracia, somos nós mesmos os construtores do futuro, os construtores do país que buscamos”.
 
Samakuva tem razão. Mas não basta tê-la. Aliás, o líder da UNITA diz agora o que sempre tem dito. Ou seja, repete um diagnóstico conhecido mas, infelizmente, não tem passado disso. O doente não se cura com os diagnósticos, embora estes sejam fundamentais. É preciso medicá-lo. É preciso tratá-lo. É preciso agir e não apenas reagir. Há um ano, a UNITA considerava que a paz em Angola continuava “a ser apenas a paz militar”, continuando por passar à prática os princípios constitucionais das liberdades fundamentais. E se fossem apenas os princípios constitucionais das liberdades fundamentais… Se calhar, com 70% de pobres, falta muito mais. É claro que nesses 70% está a maioria do povo que, no caso da UNITA, acreditou nos princípios do Muangai, os tais que falavam na defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; na busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade; na liberdade, na democracia, na justiça social, na solidariedade e na ética na condução da política.
 
Embora reconheça que o 4 de Abril de 2002 representou “o início de uma nova etapa do processo político angolano”, a UNITA lamenta que continuem por se cumprir “os objetivos políticos preconizados no âmbito da democratização e da reconciliação nacional”. Para o maior partido da oposição, as reformas previstas nos vários Acordos de Paz, para a criação de “um verdadeiro Estado de Direito Democrático em Angola e ao estabelecimento de um sistema de Governo realmente democrático, apenas conheceram passos muito tímidos”.
 
“As liberdades fundamentais dos angolanos, constitucionalmente consagradas, continuam coartadas com a intensificação, nos últimos tempos, de actos de intolerância política praticados em quase todo o país, de forma coordenada, por elementos afectos ao partido no poder que, perante o silêncio conivente das autoridades do país, destroem propriedades, símbolos partidários e causam desaparecimentos, ferimentos e perda de vidas humanas entre militantes e membros de partidos na oposição, sobretudo os da UNITA”, dizia a UNITA.
 
Crê-se, no entanto, que os principais responsáveis da UNITA, que elaboram documentos à volta de uma mesa cheia de lagostas enquanto o povo labuta nas lavras à procura de mandioca, não estão interessados em praticar o que foi estabelecido a 13 de Março de 1966, no Muangai. Foi no Muangai, Província do Moxico, que saíram pilares como a luta pela liberdade e independência total da Pátria; democracia assegurada pelo voto do povo através dos partidos; soberania expressa e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre os interesses dos angolanos. Resultaram também a defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; a busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade; a liberdade, a democracia, a justiça social, a solidariedade e a ética na condução da política.
 
Alguém, na actual UNITA, se lembra de quem disse: ”Eu assumo esta responsabilidade e quando chegar a hora da morte, não sou eu que vou dizer não sabia, estou preparado”? Alguém se lembra de que, como estão as coisas, nunca será resgatado o compromisso de Muangai?
 
A UNITA mostrou até agora, é verdade, que sabe o que é a democracia e adoptou-a, embora nem sempre da forma mais transparente. Tê-lo-á feito de forma consciente? Resistem algumas dúvidas, sobretudo depois das manipulações e vigarices eleitorais de que foi vítima, que já não esteja arrependida. Isaías Samakuva mostrou, reconheça-se, ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?
 
Depois das hecatombes eleitorais, provocadas também pela ingenuidade da UNITA em acreditar que Angola caminha para a democracia, Samakuva conseguiu juntar alguns bons jogadores mas esqueceu-se que não bastam bons jogadores para fazer uma boa equipa.
 
O mundo ocidental continua, mais uma vez, de olhos fechados para o enorme exemplo que a UNITA deu. Em 2003, abriu bem os olhos porque esperava o fim do partido. Isso não aconteceu. Agora, Ocidente basta uma UNITA com 10% dos votos para dar um ar democrático à ditadura do MPLA. Aliás, por alguma razão o Ocidente não reagiu às vigarices, às fraudes protagonizadas pelo MPLA. E não reagiu porque não lhe interessa que a democracia funcione em Angola. É sempre mais fácil negociar com as ditaduras.
 

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