Saturday, September 28, 2013

Portugal: O MINISTRO QUE ACHA

 


Filomena Martins – Diário de Notícias, opinião
 
De um ministro - e de um Governo - esperamos que aja. Não que ache. Nuno Crato fez um flick-flack em relação ao ensino do Inglês do primeiro ciclo e caiu de costas. Porque depois da embrulhada em que se envolveu sobre o tema, veio dizer que também ele acha que a língua inglesa deve fazer parte do currículo obrigatório desde a primária. E, para que o desastre da sua pirueta não fosse muito evidente, mandou um qualquer dos órgãos do Ministério da Educação estudar a coisa. O que, já sabemos, demorará mais meses que o Tribunal Constitucional a avaliar algumas reformas. Voltando ao ministro, o que ele acha achamos todos. No mundo cada vez mais globalizado, onde o inglês é a língua mais universal, este é um tema sobre o qual existe verdadeira unanimidade. Mas eu e essa grande maioria, não podendo decidir, elegemos quem decida. O eleito é--o para fazer. Não para achar.
 
Nuno Crato é ministro num momento muito especial. Os cortes a que está obrigado - os que se impõem desde há muito no sector e os que lhe impõem por força da austeridade - limitam-no. Como também todos estamos conscientes dessa dura realidade, Crato podia ter sido frontal e citar o seu ex--colega Vítor Gaspar: "Não há dinheiro, qual destas palavras é que ainda não perceberam." E simplesmente comprometer-se a colocar o ensino de Inglês obrigatório como uma das prioridades para o próximo ano. Ao embrulhar-se nas palavras, ao atirar a responsabilidade para as escolas em nome de uma independência inexistente - podem decidir dar ou não Inglês, mas não podem contratar quem o possa dar -, o ministro escolhido pelas suas capacidades técnicas mostrou todas as suas inaptidões políticas.
 
O pior de tudo isto é que se trata apenas de mais um episódio fortuito na educação. Num sector que há muito precisa de uma renovação total, de uma reforma completa a todos os níveis, fazem-se simples remendos ao sabor das necessidades ou das pressões corporativas. Esta tinha sido a oportunidade - não faltam argumentos que o justifiquem - para a reforma estrutural tão necessária. Mas avança-se só com mudanças conjunturais, a maior parte por motivos economicistas não assumidos, que dificilmente perdurarão no tempo. A educação em Portugal vive um momento terrível, a queda do número de estudantes no ensino superior é assustadora (e tem mais que uma razão de ser), e em vez de atos concretos, andamos entretidos em piruetas de linguagem, em retórica política eleitoral. E, enquanto isso, adia-se o essencial. E assim continuaremos a ser um país adiado, com um futuro adiado.
 
A anedota
 
O episódio da não notificação de Oliveira Costa é anedótico. Só que não dá vontade de rir, é mais caso para chorar. Um dos responsáveis do maior crime financeiro em Portugal em vez de ter tido um destino semelhante - à escala - do que aconteceu a Madoff, foi primeiro mandado para casa com pulseira eletrónica e está agora simplesmente com termo de identidade e residência, situação que a própria ministra parecia desconhecer. Mas, como se não bastasse, as autoridades estiveram dois meses sem o conseguir contactar e teve de ser ele a telefonar para os tribunais. Com este último exemplo, a justiça não fica ainda mais desacreditada. Cai mesmo no ridículo.
 
As mentiras
 
Oratória, demagogia, ou, na expressão mais moderna, narrativa, são palavras sinónimas em política. Na boca de Maria Luís Albuquerque, primeiro, e de Rui Machete, agora, soam apenas a desculpas esfarrapadas. A ministra das Finanças insiste que "não teve conhecimento oficial" dos swaps, quando é por demais evidente que conhecia o problema e desempenhou um papel em toda a situação. Rui Machete considera uma "incorreção factual" o facto de haver negado ao Parlamento ter sido acionista da SLN, quando as suas ligações ao BPN são públicas e evidentes, ainda que o tema queime e seja uma vergonha aparecer ligado a ele. Mais grave que contradições é faltar-se à verdade. É mentir. E não assumir as consequências desses atos.
 
O patético
 
Numa campanha autárquica onde lamentavelmente se falou de tudo menos de problemas locais - e muitos são bem graves -, tornar Woody Allen o grande protagonista das disputas regionais é absolutamente patético. Não pelo realizador ou pela sua obra. Nem sequer pelo potencial de promoção que um filme seu, realizado em qualquer ponto do nosso país, seguramente terá. Mas pela oportunidade de trazer o assunto para a lista de prioridades atuais, quando não há dinheiro para mandar cantar um cego ou para ensinar inglês às nossas crianças. Os homens da troika que por cá andam devem estar estupefactos entre a nossa absoluta e urgente necessidade de uma lei antipiropo proposta pela oposição e os contactos ao mais alto nível do vice-primeiro-ministro para discutir cenários cinematográficos ao mesmo tempo que vai empurrando com a barriga a reforma do Estado.
 
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