Friday, September 13, 2013

Brasil: NO FIO DA NAVALHA

 


Rodolpho Motta Lima* – Direto da Redação
 
Há algumas semanas, quando certos setores tradicionalmente avessos às ruas e ao povo aplaudiam as manifestações pelo país afora, escrevi, em coluna intitulada “Quem não sabe brincar não brinca”, minha opinião de que – além dos segmentos que desfilavam nos passeios pela avenida – faltavam ainda outros atores e outras palavras de ordem, a serem acrescidas àquelas que então eram destacadas. Era óbvio que ainda viria a turma que tem o DNA das ruas, os sindicatos e outros segmentos de ativistas. E também era fácil perceber que, ao contrário do que pretendia a esperança golpista, a coisa não ficaria circunscrita ao Governo Federal que, com a indisfarçável euforia dos urubus de sempre, despencava nas pesquisas.
 
Foi o que se viu. O desejado “show” midiático de cartas marcadas acabou se tornando um tiro no pé para alguns. E começaram a surgir, no dia a dia do noticiário, palavras como vândalos, baderneiros, marginais e outras do gênero.
 
É certo que presenciamos – e ainda estamos presenciando - atos de depredação que não condizem com os desejáveis valores democráticos. Mas um grande amigo me lembrou que, nesse anarquismo contemporâneo, está presente um sentimento que lembra a pergunta irônica de Brecht: “O que é roubar um Banco comparado a fundar um?”, substituindo-se o verbo “roubar” por “depredar”... Separando o joio do trigo, a verdade é que as manifestações – não mais com aquele ar de festa que teve até “passeatas” de crianças na zona sul do Rio – tornaram-se menos genéricas e passaram a ter reivindicações mais definidas. Aqui no Rio, por exemplo, são centros das atenções o Governador Sérgio Cabral e a PM, e já ganhou força de bordão a pergunta “Cadê o Amarildo?”.
 
Assistimos, também – embora sem a divulgação pelos meios tradicionais – a uma série de protestos contra a mídia, questionando o seu caráter manipulador e, muitas vezes, antipatriótico. Em particular, volta e meia, grupos de manifestantes têm tido como alvo as Organizações Globo, com algumas de suas sedes pichadas, para não dizer o pior.
 
É que, com coberturas parciais e juízos de valor pra lá de contraditórios, os globais abriram a guarda para a volta de um antigo brado que povoava as ruas num outro tempo, mas que não perdeu atualidade: “O povo não é bobo, abaixo a rede Globo ! ”. As razões históricas da frase? Vou me poupar, e também a vocês, de ser repetitivo: elas estão claramente enunciadas nos consistentes artigos do Eliakim Araújo e do Raul Longo (Espaço Livre), aqui no DR.
 
O fato é que já se percebem as primeiras consequências dessas manifestações. Assim como alguns governantes se mexeram e da mesma forma que os poderes Judiciário e Legislativo estão dando respostas – algumas vezes a contragosto – às exigências populares, o grupo Globo, contra a parede, acusa o golpe. Na onda das denúncias de falcatruas variadas, por onde circulam notícias de fraudes contra o fisco por parte dos paladinos do PIG, com sumiço de processos e outros bichos, há , nas ruas, grupos que querem esclarecimentos a respeito, dos devedores e dos credores...
 
Esse momento em que se passa a limpo a cidadania é, pois, saudavelmente delicado também para a mídia hegemônica, que começa a ser fortemente questionada e que, parece, tem vastos telhados de vidro... Isso talvez justifique certos posicionamentos recentes que vêm na mais absoluta contramão do que tem sido o caminho dessa imprensa. De repente, não mais que de repente, as organizações Globo resolvem fazer uma autocrítica fajuta e pouco respeitável a respeito dos desserviços que prestaram ao Brasil nos anos da ditadura, nos quais as suas empresas “progrediram”, contando com o esmagamento da concorrência. Não mais que repente, quase 50 anos depois do golpe, eles vêm a público reconhecer o “erro” de ter apoiado o regime ditatorial militar. Quem dera que tivesse sido apenas “um erro”, corrigível com meia dúzia de lágrimas de crocodilo. Quem dera que o “assunto” do tal erro não tivesse sido responsável por calar um país por duas décadas, por torturar e assassinar pessoas em nome de ideias fascistas... Quem dera que esse “erro” não tivesse servido ao monopólio da informação entre nós, com o consequente enriquecimento desproporcional dos monopolistas...
 
Precisamos estar atentos aos lobos imperialistas com pele de cordeiro nacionalista, aqui representados, e desde sempre, por essa turma. Estar atentos a esse jogo de cena que “denuncia”, com caras e bocas de indignação, a espionagem dos estadunidenses contra Dilma. Mudaram-se os tempos ou mudei eu? Nem uma coisa nem outra. Posso apostar que atrás desse cachimbo tem a mesma boca torta de sempre, uma boca que está com medo da Lei dos Meios, receosa de medidas judiciais que ponham abaixo alicerces de barro. E que, de uma hora para outra, pode perder as bocadas da propaganda oficial que, aliás, já devia ter perdido desde que a democracia se reinstaurou entre nós. O fato é que, com as manifestações e seus subprodutos, tem muita gente caminhando no fio da navalha...
 
As ruas fazem bem à cidadania. Elas levaram Dilma a perceber que era preciso mais e a formular propostas que estão movimentando o mundo político: mais médicos para o povo, mais verbas do pré-sal para a educação, necessidade imediata de uma reforma política. E as pesquisas estão refletindo que o povo entende seus esforços. Quanto ao legislativo, mesmo com o rabo entre as pernas, os complacentes de sempre estão agindo. Decidiu-se, ao menos em um primeiro momento, pelo fim do voto secreto na Câmara.
 
É só esperar um pouco - mas não sentado - para ver quais serão os próximos atos. Fundamentalmente, é preciso estar atento ao que irá ocorrer no país até as eleições de 2014. É preciso confiar desconfiando dos falsos democratas. Como diria o Barão de Itararé, há alguma coisa no ar, além dos aviões de carreira...
 
*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
 
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