Thursday, September 19, 2013

MALDIÇÃO? – São Tomé e Príncipe, opinião

 


Alcídio Montóia Pereira – Téla Nón, opinião
 
Angola ofereceu burros, bois (e vacas, presumo) vieram do Brasil e porcos não sei de onde vieram, nem de quem foi a oferta, se é que foi oferta. Galinhas, patos, pombos, ovelhas e cavalos; não sei de onde virão, nem se foram ou serão convidados para essa festa do (re)nascimento da pecuária em STP, na busca do quixotesco objectivo da auto-suficiência alimentar.
 
Outra hipótese, que não deixo de lado, é estarmos perante o ensaio de uma versão nacional do famoso conto de George Orwell, “Animal Farm” (“O Triunfo dos Porcos”, na versão portuguesa). Se for esse o caso, trata-se de uma reposição, porque já vimos, e sentimos na pele, essa peça em 1974 e anos seguintes.
 
Para além dos bichos, o eterno potencial setor do turismo também esteve na berlinda; houve uma providência cautelar sobre o caso Agripalma; sob a chancela da Universidade Lusíada de STP foi publicado “Olhares Cruzados Sobre a Economia de São Tomé e Príncipe” e, infelizmente, a empresa agrícola Diogo Vaz entrou em insolvência.
 
O elo de todos estes assuntos acaba por ser a economia, ou melhor a ausência dela. Esta encruzilhada, impasse, arrasta-se há já quase 40 anos, num acumular de falsas partidas, inúmeros casos de insucesso, polvilhado aqui e ali por outros de sucesso, estes últimos, grande parte, verdade seja dita, por obra e graça de estrangeiros.
 
Na agricultura e na pecuária, por ordem, tentativamente, cronológica, a nacionalização das roças redundou num monumental falhanço, chineses tentaram cultura de arroz, cubanos devastaram cafezal e impingiram matabala, a reintrodução de porcos após o surto da febre suína africana em 1979 começou bem e acabou mal (resta alguma coisa desse projeto?) o mesmo sucedendo com os aviários (resta algum?). O que ainda existe do projeto da Mesquita? O palmar de Ribeira Peixe virou ôbô e hoje ninguém quer que ôbô volte a ser palmar!
 
A reabilitação das roças redundou em contratos de gestão ruinosos para o país. Já em desespero de causa, partiu-se para a disparatada entrega de terras a poucos que dela precisavam e sabiam cuidar, a muitos que dela precisavam mas que não sabiam cuidar e sobretudo a uma infinidade de gente que não precisava nem percebia pevas de agricultura. Voltou-se a experimentar bovinos e suínos e… nada parece vingar e multiplicar.
 
Restam umas quantas cabeças de gado “candrezado” e fustigado por mosquitos e carraças. O cacau, essa famigerada herança, lá vai percorrendo a sua via sacra rumo ao crucifixo. Mais um passo foi dado com o anúncio da insolvência da Roça Diogo Vaz, pondo fim às roças, tal como existem na nossa memória coletiva. Por agora está na estação do cacau biológico, no estoicismo de Cláudio Corallo e no renascimento prometido pelos novos operadores que entraram em cena.
 
É frustrante esse quadro de falhanço coletivo, mas no qual insistimos em encontrar aspectos positivos para enaltecer as “conquistas” alcançadas nestes 38 anos. Só muda quem está desconfortável. Sinto que em STP são demasiados os acomodados, para não dizer satisfeitos, com a atual situação, ou não suficientemente cientes que pouco ou nada progredimos e que não estamos melhor que em 1974.
 
Os paralelismos com o fim do ciclo da cana-de-açúcar são cada vez mais evidentes e dolorosos. O efémero reino do Amador no séc. XVI o que conseguiu foi dar a machadada final na então já decadente produção de cana-de-açúcar. Apressou ainda mais a debandada de brancos e de mestiços rumo ao Brasil. Poucos anos volvidos, os engenhos foram soçobrando, um após outro, a selva voltou a tomar conta das ilhas.
 
A agricultura sucumbiu, a sociedade atrofiou-se, ficando acantonada na cidade de São Tomé e vilas limítrofes (Trindade, Madalena, Santana e Guadalupe). O resto era paisagem e refúgio para mocambos, fugidos e angolares, que viviam daquilo que a terra e o mar davam e quando não davam, atacavam as vilas e a cidade. As cíclicas clivagens entre governadores e bispos recrudesceram. Nada sobrou dessa sociedade ancestral assente na cana-de-açúcar. Visão colonialista e retrógrada? Certamente, mas não tem o seu quê de verdade?
 
Salvaguardando o detalhe de que somos hoje independentes e das vantagens da(s) modernidade(s ), não são evidentes as semelhanças? O mesmo declínio (desta feita do cacau), seguido de uma “revolução” (bem sucedida, deste feita), debandada de brancos e (também) de mestiços, seguida do colapso da agricultura de plantação, regresso em força do ôbô, concentração da população na cidade, regresso a uma economia de recolecção e completa dependência do exterior…
Entre o açúcar e o cacau andamos meio perdidos durante mais de 2 longos séculos, até que regressaram brasileiros e portugueses com a cultura do cacau e café.
 
Uma sociedade minimamente saudável não consegue sobreviver com tanta acumulação de insucessos. Deita abaixo qualquer sentimento patriótico e baixa inexoravelmente a auto-estima individual e colectiva.
 
É essa a maldição de decapitar sistematicamente a economia que temos que (saber) quebrar. Não é glorificando Amador e afins, nem com exercícios de sublimação de defeitos em qualidade, na vã tentativa de elevar o nosso orgulho, que ultrapassamos essa espécie de “karma”, mas sim começando por matar o “forro” que há em cada um de nós.
 
Pese embora o meu ceticismo quanto a políticas de substituição de importações, não entender essa obsessão pela auto-suficiência alimentar em países com as características de STP e de ainda não encontrar um fio condutor naquilo que se pretende para a agricultura no país; desejo a melhor das sortes aos bichos e que nos ajudem a quebrar a maldição.
 
SubVersivamente
 
Alcídio Montóia Pereira
 

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